Em tempo de pandemia, torna-se importante se falar de Bioética em virtude da conduta humana vivenciada hoje. Aliás, conduta esta que permeia a história da humanidade e que deve ser sempre examinada à luz de princípios e de valores morais.
Para a Dra. Luciana Dadalto, organizadora do livro Bioética e Covid 19 “os dilemas enfrentados com a pandemia são completamente permeados por questões bioéticas e, ainda que a nós – bioeticistas, não caiba o papel de protagonistas do enfrentamento do vírus SARS-Cov-2, cabe a nós o importante papel de ajudar a Humanidade a encontrar caminhos éticos diante de tantas possibilidades atrativas de buscarmos os caminhos mais curtos, mais fáceis e menos equânimes”.
A Dra. Luciana Dadalto é coordenadora do Comitê de Bioética da Academia Nacional de Cuidados Paliativos e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética do Centro Universitário Newton Paiva. É membro da Comissão de Biodireito e Bioética do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Doutora em Ciências da Saúde pela faculdade de Medicina da UFMG, Mestre em Direito Privado pela PUCMinas e consultora jurídica e advogada na Luciana Dadalto Sociedade de Advogados. Ela também administra o portal www.testamentovital.com.br.
Nesta entrevista, ela fala um pouco sobre o seu novo livro e bioética.
Em uma pandemia, qual é o papel da Bioética?
O livro, que ora se apresenta, nasceu dessa pergunta, a partir da inquietação que eu tive ao ter alguns artigos sobre questões bioéticas na pandemia recusados em grandes revistas, sob a justificativa de que, nesse momento, o tipo de pesquisa que precisamos é “mais prático e mais efetivo”.
Nas origens da bioética estão as pesquisas com seres humanos realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, a descoberta do DNA, do transplante de órgãos, das máquinas que substituem funções orgânicas, o famigerado caso Tuskegee e a discussão sobre alocação de uma máquina de hemodiálise para centenas de pacientes em um hospital em Seatlle.
Desde a segunda metade do século XX, a “ponte para o futuro” de Potter, tem se firmado como um espaço de discussão diante dos desafios que a biotecnologia tem imposto à humanidade. A primeira edição da Enciclopédia de Bioética, em 1978, conceituava a Bioética como “O estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, enquanto esta conduta é examinada à luz de valores morais e princípios”. E, apesar de em 2020 já colecionarmos dezenas de conceitos, a Bioética não perdeu sua essência. Portanto, ouso dizer que desde seu surgimento a Bioética nunca foi tão essencial para a Humanidade.
No momento, qual o principal debate ético relacionado com a Covid-19? Por que?
É impossível responder essa pergunta porque os debates estão mudando a cada dia ou semana, mas entendo que a principal questão está relacionada à dificuldade do ser humano em lidar com a falta de controle e isso nos tem feito aceitar falsos profetas e falsos milagres para um problema complexo.
Em uma situação como essa, de combate a uma pandemia, qual deveria ser o comportamento ético dos responsáveis à frente desse controle?
Acredito que seja a proteção do maior número de vidas, com equidade de acesso, sem discriminação a qualquer grupo.
Mas como falar em ética em um país cujo cultura é de dar sempre “um jeitinho“ para ter ganhos pessoais? Hoje temos uma série de denúncias de desvios de recursos para o combate à pandemia para enriquecimento ilícito.
Falando e produzindo conhecimento. Precisamos sensibilizar as pessoas e para isso, precisamos continuar a falar sobre ética, pesquisar sobre ética e publicar sobre ética. Esse livro é uma forma de mantermos esse debate vivo. Acredito que ele cumpre sua missão de mostrar ao Brasil o quanto a Bioética é necessária nesse momento sui generis de nossa existência.
Qual é a relação da bioética com o sistema de saúde brasileiro?
A bioética é uma área do conhecimento que não se restringe à área da saúde. Ela oferece caminhos para relações mais justas entre os homens e também do ser humano com o meio ambiente. Como já disse, a Bioética procura examinar a conduta humana à luz de princípios e de valores morais em todas as esferas da sociedade, sejam elas profissionais e sociais. A saúde está nesse contexto. Aliás, tudo está.
Como deve ser a relação da bioética dentro de um CTI, na escolha de pacientes que terão que fazer os tratamentos, ou não?
A bioética apresenta caminhos para a tomada de decisão em situações difíceis, mas ela não impõe a decisão. É preciso que sejam criadas diretrizes para a alocação de recursos escassos e essas diretrizes devem ter como base parâmetros éticos e bioéticos, escolhidos de acordo com os valores de cada sociedade.
Como as dificuldades com uma pandemia inesperada e um sistema de saúde frágil para os mais pobres afeta a bioética?
A bioética é uma área do conhecimento que se preocupa muito com a proteção dos vulneráveis. Portanto, suas questões permeiam essa relação entre a pandemia e o sistema de saúde subfinanciado, de forma a evidenciar suas disparidades e a necessidade de melhoria para que consigamos ofertar, equanimemente, cuidados de saúde para todos os cidadãos.
Em países desenvolvidos como a Alemanha, por exemplo, como se dá a relação da bioética com o sistema de saúde?
A bioética é uma área do conhecimento muito mais ampla do que a saúde, e possui diversas correntes, mas, independentemente do país, a marca da bioética é a preocupação com equidade e com o acesso.
Sobre o livro, como ele nasceu?
Ele nasceu da minha inquietação a esse tema – Bioética. E acabei levando essa inquietação para os pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em Bioética da Escola de Direito (GEPBio) do Centro Universitário Newton Paiva, instituição na qual sou docente e coordenadora. Primeiramente, produzimos uma cartilha, escrita a várias mãos. Após o lançamento da cartilha, tive a ideia de coordenar esse livro e os pesquisadores – majoritariamente alunos de graduação em Direito do Centro Universitário Newton Paiva -, abraçaram esse grande desafio. Assim, levei a ideia para a Editora Foco, que me deu carta branca. Mas eu sabia que, sozinha com o grupo, não conseguiria entregar para a sociedade um livro com a profundidade que a ideia merecia. Portanto, convidei exponentes da Bioética de todo o país para coescreverem os artigos com os pesquisadores do GEPBio e tive a grata surpresa de receber a adesão da totalidade dos convidados. Infelizmente, alguns não conseguiram cumprir o prazo, mas cá estamos.
E como ele está sendo vendido?
Em formato ebook, pela Amazon, site: https://www.amazon.com.br/Bio%C3%A9tica-COVID-19-Aline-Albuquerque-ebook/dp/B0883DD66F, no valor de R$ 35,91.