A Fonoaudiologia na recuperação de pacientes pós covid
A fonoaudióloga Aline Moreira:“embora a pandemia trouxe muitas perdas irreparáveis, o fonoaudiólogo recebeu maior reconhecimento pela sua atuação”
Quem sobrevive a covid tem à frente uma longa e dolorosa batalha contra as sequelas deixadas pelo coronavírus. Além de causar alterações respiratórias, principalmente, do olfato e do paladar, o vírus pode causar também danos neurológicos relacionados a linguagem, a fala, a memória e a atenção, situações estas que contam com o auxílio da Fonoaudiologia na recuperação das funções afetadas.
Para saber mais sobre o trabalho que o profissional da voz, como ele é mais conhecido, tem sido fundamental nesse tempo de pandemia, o Portal Medicina e Saúde conversou com a fonoaudióloga Aline Silva Moreira. Ela integra a equipe do Hospital de Transição Paulo de Tarso, em Belo Horizonte/MG, que trata de pacientes pós covid. Ao longo de sua vida profissional, Aline Moreira tem atuado principalmente junto aos sobreviventes da covid com alterações neurológicas, de deglutição e de linguagem. Ela é também vocal coach e cantora profissional.
Inicialmente, Aline, nos fale sobre a área de atuação do fonoaudiólogo.
Ele é o profissional da saúde que atua na promoção, prevenção, orientação diagnóstico e terapia. Trabalha com os diferentes aspectos da comunicação humana, na linguagem oral e escrita, na fala, voz, audição e nas funções responsáveis pela deglutição – respiração e também a mastigação. Hoje, integram a Fonoaudiologia 14 especialidades reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina: Audiologia, Linguagem, Motricidade Orofacial, Saúde Coletiva, Voz, Disfagia (alterações da deglutição), a Fonoaudiologia Educacional, Gerontologia, Fonoaudiologia Neurofuncional, Fonoaudiologia do Trabalho, Neuropsicologia, Fluência, Perícia Fonoaudiológica e Fonoaudiologia Hospitalar.
Além do Hospital Paulo de Tarso, você trabalha em outra instituição?
Ultimamente não, mas como profissional liberal, eu também faço atendimentos domiciliares. Atendo, de preferência, adultos, minha maior experiência. Este atendimento é realizado no conforto e segurança da casa do paciente, o que diminui gastos para ele, potencializa os benefícios e acaba sendo uma terapia personalizada, por que a gente utiliza todos os utensílios da casa, faz orientações dentro do seu ambiente. É interessante que, ao longo desse atendimento, acabo orientando também os familiares.
Como está o mercado do fonoaudiólogo com o advento covid?
A Fonoaudiologia se reinventou muito com o atendimento on-line. Embora a pandemia trouxe muitas perdas irreparáveis, o fonoaudiólogo recebeu maior reconhecimento pela sua atuação. Hoje, o trabalho deste profissional tem sido visto como essencial, na intervenção, com paciente que foi infectado. E aí a gente está falando de CTI Covid e das enfermarias – Covid e pós covid.
Quais as sequelas que os pacientes pós covid têm apresentado em relação a sua área de atuação?
Eu tenho observado frequentes alterações respiratórias, principalmente, do olfato e do paladar, bem como alterações na deglutição muito significativa, rouquidão, principalmente pós intubação e devido à tosse persistente, e alterações neurológicas relacionadas a linguagem, a fala, memória e atenção.
E como a Fonoaudiologia auxilia nesses processos?
A atuação do fonoaudiólogo se dá, principalmente, em conjunto com a Fisioterapia, nos distúrbios respiratórios, com excelentes resultados. É importante esclarecer que o pulmão acometido pelo vírus tem uma diminuição da capacidade de oxigenar o sangue devido a uma lesão pulmonar.
A reabilitação vocal também tem apresentado ótimos resultados. Neste caso, o trabalho do fonoaudiólogo consiste em exercícios para fechamento e mobilidade adequada das pregas vocais, o que auxilia diretamente na proteção da via aérea inferior, quando o paciente apresenta alterações da deglutição. Em tais situações, observamos melhora significativa dos engasgos, quando estimulado o reflexo da deglutição, que é um reflexo neurológico, e a adequação da musculatura, principalmente quando o paciente fica muito tempo no CTI, devido à Síndrome da Imobilidade.
É bom destacar que a reintrodução da via oral tem importância não apenas nutricional para o paciente, mas tem um caráter social, psicológico e afetivo, principalmente para aqueles que dão muito valor em reunir a família ao redor da mesa. E quando retomada a comunicação oral, é um estímulo muito importante na independência e na troca com os familiares.
Quais os sintomas que pacientes pós covid devem observar quanto as sequelas deixadas pelo vírus?
Tenho observado frequentemente fadiga e falta de ar, respiração curta e difícil, fraqueza e mal estar, perda de paladar e/ou olfato, dor de cabeça, dor muscular, tonteiras, dificuldades na linguagem e na fala, alterações de memória, concentração, raciocínio e atenção. Também tenho observado insônia, depressão e ansiedade, engasgos com maior frequência, com risco iminente de pneumonia, rouquidão, queda de cabelo e, ainda, infelizmente, o agravamento das doenças já existentes. A esses sinais, o paciente pós covid deve procurar seu médico para diagnóstico e tratamento.
Além das sequelas neurológicas que podem ser tratadas pela Fonoaudiologia, quais outros problemas podem acontecer em pacientes pós covid?
As sequelas deixadas pela Covid 19 ainda estão sendo estudadas pela ciência e vão muito além das consequências respiratórias e pulmonares. Alguns estudos apontam que cerca de 80% dos pacientes que se recuperam da covid apresentam algum tipo de sintoma até quatro meses depois da infecção, e não se limita ao sistema respiratório. Infelizmente, um número significativo de pacientes de todas as idades tem apresentado Acidente Vascular Encefálico (AVE) e infarto, devido à infecção do novo coronavírus. Assim, eles apresentam sintomas maiores com alteração de sua funcionalidade, impactando muito na independência do paciente e no aspecto psicológico, por que muitos desses pacientes são pais de família e provedores. E esse impacto na funcionalidade, às vezes não é retornável.
Neste sentido, finalizando, gostaria de lembrar que a infecção pelo vírus não acabou e devemos ter responsabilidade conosco e com as pessoas ao nosso redor. Devemos seguir as orientações do Ministério da Saúde, que é um órgão competente e responsável. A pandemia nos trouxe perdas irreparáveis, é claro, mas também nos trouxe a percepção da importância da família, dos amigos, dos dias comuns que, hoje, sentimos tanta falta. Nunca foi tão perceptível que viver intensamente o presente com qualidade é o que é importante.