Achados na pandemia propiciaram descobrir câncer de pulmão mais cedo, mas doença ainda é primordialmente avançada
Ao longo da pandemia, a realização de tomografias de tórax para investigar a Covid-19 tem resultado em mais casos de diagnóstico de tumores no pulmão em fase inicial, com nódulos de 1 a 2 centímetros, e com indicação de cirurgia e maior sobrevida. Apesar disso, apenas 16% dos cânceres de pulmão são diagnosticados em estágio inicial no país.
Durante a pandemia de Covid-19, a saúde dos pulmões esteve nos holofotes das instituições de saúde pública. Conforme informa o Grupo CURA, a quantidade de tomografias do tórax, exame indicado para investigar lesões nos pulmões, saltou nos dois anos de pandemia, em especial no período de abril a julho de 2020, quando houve um aumento de 124% de exames realizados. Tal fato é confirmado também pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica – SBCO. De acordo com a entidade, este aumento no número de exames resultou em achados incidentais de câncer de pulmão, inclusive de casos em fase inicial, com maior indicação de cirurgia minimamente invasiva e maior sobrevida do paciente.
“Não é possível dizer que a Covid-19 foi a responsável pelo aumento dos casos de câncer de pulmão, mas como ‘todo mundo’ fez tomografia de tórax, tivemos mais detecções precoces de nódulos pulmonares”, relata Antônio Bomfim Rocha, cirurgião oncológico e membro da Comissão de Pulmão da SBCO.
MAIS LETAL – O médico informa que a cirurgia é mais comumente indicada justamente na fase inicial, ou seja, quando um indivíduo ainda não tem sintomas e/ou o tumor está restrito ao pulmão. “Geralmente, estes nódulos apresentam de 1cm a 2cm e podem ser encontrados em exames de rotina”, observa. Nesse cenário, a cirurgia oncológica em câncer de pulmão torna-se vital.
Ao detectar de forma precoce, as chances de sobrevida dos pacientes aumentam e, dessa forma, os médicos planejam intervenções cirúrgicas com mais tempo e menos risco. Mas, essa não é a realidade do Brasil: apenas 16% dos cânceres de pulmão são diagnosticados precocemente, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer).
O câncer de pulmão é o mais letal no mundo. O Globosa, levantamento do IARC, braço de pesquisa do câncer da OMS, aponta que são mais de 1,8 milhão de mortes anuais, muito superior ao segundo colocado em mortalidade (câncer colo retal, com 935 mil mortes/ano).
No Brasil, segundo o INCA – Instituto Nacional de Câncer, o câncer de pulmão é o terceiro mais frequente entre homens e o quinto mais comum entre as mulheres, com estimativas de 30.200 novos casos em 2022, sendo 17.760 entre homens e 12.440 em mulheres. De acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer – SIM, em 2020 foram registradas 28.620 mortes por câncer de pulmão no Brasil.
A doença, quando diagnosticada em estágio inicial, apresenta taxa de sobrevida de 56% (pacientes vivos após cinco anos do início de tratamento). “A única forma de conseguir aumentar o número de diagnósticos iniciais é implementando política de rastreamento para câncer de pulmão”, explica Bomfim. O médico cita o exemplo da China – um dos países com melhores resultados na política de rastreamento: “lá, fazem tomografias de rotina em toda população acima dos 50 anos de idade, principalmente entre aqueles que fumam ou são expostos ao uso do cigarro, em todas suas formas”. Este ainda é um grande desafio para os serviços públicos de saúde no Brasil: um levantamento mostra que apenas 15% das cidades brasileiras possuem tomógrafos disponíveis para a população. Segundo Bomfim, a tomografia de tórax precisa fazer parte do checkup anual – especialmente para quem tem mais risco de adquirir o câncer de pulmão: fumantes e pessoas acima de 50 anos.
Nesse sentido, ele destaca as ações da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) para a promoção da saúde da população. Conforme informa, “a SBCO tem cada vez mais investido em campanhas de informação para combate ao tabagismo, principal causa de morte evitável do mundo. Precisamos da imprensa para tornar isso uma coisa de abrangência maior”, ressalta.
Para ele, a formação e acompanhamento do cirurgião especialista em câncer também são pilares para a garantia de tratamentos com sucesso e mais chances de cura.
Indústria bilionária – A estética vantagem explorada por artistas, cantores e influenciadores dos milênios tem trazido bastante visibilidade a um inimigo conhecido da saúde pública: o cigarro. Além dele, as novas formas de tabagismo, como os cigarros eletrônicos e narguilés, também deterioram a saúde pulmonar da nova geração. Os médicos e autoridades de saúde já perceberam um aumento do tabagismo entre os mais novos.
O Dr. Antônio Bomfim afirma que combater o tabagismo é “uma luta constante contra uma indústria bilionária que sempre dá um jeito de se reinventar”. Inclusive, até mesmo o perfil do câncer de pulmão tem mudado nos últimos anos: a adição de filtro nos cigarros alterou o tipo de câncer, mas não a incidência. “Antes, o comum era o tipo de câncer mais central no brônquio, chamado de carcinoma espinocelular. Após o filtro, as partículas ficaram menores e conseguiram adentrar às periferias do pulmão, o que permitiu o surgimento de adenocarcinomas”, explica o médico.
Ainda não é possível relacionar o uso de vape – um tipo de cigarro eletrônico – ao surgimento de novos casos de câncer de pulmão, pois esse é um problema de saúde pública relativamente recente. Os impactos das novas formas de tabagismo vão começar a ser vistos daqui a algumas décadas. Mesmo assim, a Medicina já lida com as consequências hoje. O Dr. Bomfim informa que a literatura médica já lida com doenças inflamatórias pulmonares relacionadas ao vape.
Avanços – Nos últimos 15 anos, Antônio Bomfim dedicou-se às cirurgias oncológicas no pulmão em vários tipos de pacientes. Por isso, o profissional acompanhou os avanços nas tecnologias para tratar esse tipo de câncer. “Tivemos a possibilidade de fazer o tratamento de forma minimamente invasiva, tanto do diagnóstico quanto das cirurgias mais complexas. A cirurgia robótica é uma das intervenções mais modernas no mundo, e já é realidade em várias regiões do Brasil”, informa.
Segundo ele, são vastas as vantagens dessa tecnologia. “Além de proporcionar uma qualidade no tratamento oncológico, o que resulta em menos sofrimento ao paciente, ela também permite que os pacientes voltem às suas atividades habituais com mais rapidez, uma vez que as cirurgias tendem a ter menos complicações.