Bienal do Livro Rio 2025 apresenta mesa redonda sobre “Câncer – o anúncio da morte como chance de reinventar a vida”

 Sob mediação da jornalista Lilian Ribeiro, mesa contou com a participação de Ana Claudia Quintana Arantes, Heloísa Perissé e Clelia Bessa no Café Literário Pólen

Receber um diagnóstico de câncer é chacoalhar a relação com a própria existência, mais até do que a relação com a morte em si. A partir dessa perspectiva, Ana Cláudia Quintana Arantes, Heloísa Périssé e Clélia Bessa discorreram sobre o tema com humor e profundidade. Elas falaram sobre os seus lançamentos na Bienal do Livro Rio e usaram o filmeCâncer com Ascendente em Virgem”, uma produção autobiográfica de Clélia, para ilustrar a conversa. A mesa aconteceu no dia 15 de junho, no Café Literário Pólen.

A mediação foi conduzida com sensibilidade pela jornalista Lílian Ribeiro, que tornou pública sua vivência com o câncer de mama ao apresentar telejornais usando lenços durante o tratamento. Ao longo da conversa, ela relembrou o impacto desse gesto e como ele abriu espaço para abordagens mais honestas e humanizadas sobre o câncer na mídia brasileira – ajudando outras mulheres a se sentirem menos sozinhas diante do diagnóstico.

Câncer é um tema que atravessa a vida dessas quatro mulheres, de diferentes formas. A médica Ana Cláudia Quintana Arantes, referência nacional em cuidados paliativos, contribuiu com sua escuta sensível e profunda experiência no acompanhamento de pessoas em situações-limite. Em sua fala, ajudou o grupo a refletir sobre como o impacto do diagnóstico muitas vezes paralisa, como o medo e a ansiedade se manifestam nesse processo, e o que realmente significa estar ao lado de alguém em tratamento. Destacou que o apoio mais valioso não vem de conselhos ou frases prontas, mas de presenças disponíveis para o cotidiano – como quem se oferece para lavar a louça, buscar um filho na escola ou simplesmente estar junto.

E como fazer para combater a ansiedade? “Nunca há controle, de nada. Você não precisa ter câncer para descobrir isso, mas o câncer é uma ótima oportunidade. Como a gente atravessa a vida? A verdadeira vitória não é você estar curada – é você estar doente e levar a criança na escola, mediar as brigas dos filhos adolescentes, cuidar de uma relação amorosa que também adoece. A vitória é você se aproximar mais de quem você é de verdade”, afirmou Ana.

Em seguida, o debate cedeu lugar a passagens do filme “Câncer com Ascendente em Peixes”, uma história baseada na experiência de Clélia Bessa. O filme retrata em tom humorístico os conflitos que ela viveu ao ser diagnosticada com câncer de mama.

“Eu, com 45 anos, no auge da minha sexualidade, da minha carreira, com uma filha pequena. E aí? Você tem que encarar e ponto. Estou falando de 64 mil mulheres que são diagnosticadas por ano, isso é uma realidade”, disse Clélia. Ela afirmou ainda que o humor abre portas, e fazer esse filme foi uma forma de extravasar o que tinha vivido e, ao mesmo tempo, contribuir para democratizar o tema numa época em que ainda não se falava sobre o assunto na literatura.

Também pelo viés humorístico, a atriz e escritora Heloísa Périssé compartilhou o seu processo de enfrentamento de um câncer no pescoço. Seu relato ilustrou com maestria a singularidade de cada processo. Enquanto Ana ponderava que muitas vezes, ao receber o diagnóstico, a primeira reação das pessoas é de choque, Heloísa apontou que demorou muito para a sua ficha cair. De início, lidou com a questão de maneira muito pragmática: “É como se eu fosse mergulhar numa piscina e só sair do outro lado. Eu já me projetava no fim daquela situação”.

Segundo ela, o baque emocional veio muito depois, pois ela ainda não tinha se dado conta da delicadeza do quadro, que poderia gerar inclusive sequelas. Além disso, outra opção da atriz, que chamou atenção, foi não fazer o tratamento em casa, perto dos familiares. “Eu falei para as minhas filhas: mamãe está com câncer, estou indo me tratar em São Paulo e já volto”, completou.

Ao final da mesa, o público participou com perguntas, e um dos temas que emergiu foi o cuidado paliativo. Ana Cláudia destacou que, embora seja um direito garantido, ainda há enorme desconhecimento e dificuldade de acesso a esse tipo de cuidado no Brasil.

“Muita gente associa o cuidado paliativo à morte, quando na verdade ele diz respeito à vida – à qualidade da vida que se pode viver mesmo diante da doença”, pontuou. Ela também mencionou sua atuação na formulação de diretrizes curriculares que hoje garantem a presença da disciplina de cuidados paliativos nas faculdades de medicina, como um passo essencial para transformar essa realidade.

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