A médica Laura Ward, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e professora titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (UNICAMP).
A Tireoide é uma das principais glândulas do nosso organismo, sendo responsável pela produção dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina) que regulam funções de órgãos como o coração, o cérebro, o fígado e os rins. Ela está situada no pescoço, logo abaixo do pomo-de-adão. Seu formato é semelhante ao de uma pequena borboleta e pesa entre 15 e 25 gramas.
De acordo com relatos médicos, a cada 10 casos de disfunção na tireoide, nove são em mulheres. Tais disfunções acontecem quando esta glândula libera hormônios T3 e T4 em excesso (hipertireoidismo), ou em quantidade insuficiente (hipotireoidismo), gerando, assim, um desequilíbrio em nosso corpo.
A tireoide também está sujeita a sofrer neoplasias. Para falar sobre esse assunto, o Portal Medicina e Saúde entrevistou a Dra. Laura Ward, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e professora titular da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (UNICAMP).
Como sabemos, Dra. Laura Ward, a tireoide é uma glândula muito importante e devemos cuidar muito bem dela. Além do hipertireoidismo e do hipotireoidismo, o câncer de tireoide aparece como uma de suas principais doenças. Fale um pouco sobre isso.
– O câncer de tireoide é a neoplasia endócrina mais comum. Trata-se de um tumor, isto é, de crescimento sem controle de células neoplásicas que tem como característica o fato de ser, na sua maioria, bem diferenciado. Isto é, essas células, embora consigam se replicar, fugindo dos freios moleculares e do controle imunológico, mantêm características muito parecidas com as células normais da tireoide, o que dificultam o seu reconhecimento, mas, também, facilitam o seu tratamento. Isto porque guardando as características de células não neoplásicas, elas continuam produzindo substancias que permitem que as detectemos e, assim, usarmos iodo radioativo para destruí-las.
Há apenas um tipo de câncer de tireoide ou há vários?
– A grande maioria são carcinomas bem diferenciados, como acima explicado, algo entre 85% e 90% dos casos. Eles se dividem em dois subtipos: o carcinoma pilífero, que é a maioria, e o carcinoma folicular. Os outros carcinomas 4% a 5% são carcinomas medulares, e o restante, quase 1% dos casos, são carcinomas analíticos, ou indiferenciados. Esses são os mais agressivos, que matam em menos de 1 ano todos os pacientes.
Resumindo, o carcinoma pilífero é o tumor mais comum na tireoide, é isso?
– Exato, ele é o tumor mais frequente. De crescimento lento, ele é pouco agressivo. Quando dá metástases, elas vão para os linfonodos cervicais, onde podemos facilmente detectá-las com ultrassonografia cervical. Raramente dão metástases à distância e quando isso ocorre, geralmente as metástases vão para o pulmão.
Qual é a incidência desse tumor?
– De acordo Com o Instituto Nacional do Câncer – INCA, a estimativa para o triênio 2020/2022 deverão ser diagnosticados no Brasil 13.780 novos casos de câncer de tireoide. Desse total, 1.830 em homens e 11.950 em mulheres. Esta doença é a quinta neoplasia mais frequente entre as mulheres. Ela atinge até 4,76 homens para cada 100.000 habitantes em alguns estados, como Rio Grande do Norte, onde sua incidência é muito elevada e até 14,42 mulheres para cada 100.000 habitantes, no estado do Rio de Janeiro.
Por que as mulheres são as maiores vítimas?
Ainda não se sabe o porquê. Nosso grupo, no Laboratório de Genética Molecular do Câncer na UNICAMP, propôs que enzimas de decodificação da via dos estrógenos pudessem estar relacionados com essa incidência maior em mulheres. Mas, talvez, seja mais detectado no sexo feminino porque a mulher procura mais atendimento médico quando sente algo ou porque com mais frequência acaba fazendo ultrassom de tireoide. Ginecologistas pedem ultrassom muitas vezes e isso é um problema porque nódulos de tireoide são muito frequentes na população. Como sua incidência é maior em mulheres e aumenta ainda mais com a idade, muitos nódulos acabam sendo mandados para punção aspirativa e citologia, tendo como diagnostico câncer e, consequentemente, operados. Como veremos adiante, muitos não precisariam operar porque nunca iriam evoluir.
Como cada um se manifesta? (Sintomatologia em mulheres e homens)
– Tanto em homens como em mulheres, as manifestações clínicas se limitam, em geral, ao aparecimento de um nódulo na tireoide. Como a glândula fica bem na frente do pescoço, perto da pele, ela é bem visível. Nódulos malignos são geralmente muito duros, não se movem quando se deglute (engole) e já podem estarem acompanhados por nódulos nos gânglios linfáticos, na região lateral do pescoço. Mas é importante ressaltar que nódulos malignos não passam de 5% dos nódulos que existem na tireoide, ou seja, em 95% das vezes, um caroço no pescoço é benigno, NÃO É CANCER !!!!
Como o câncer de tireoide é diagnosticado?
– Pelo exame físico do paciente, que notou um caroço no pescoço, e, cada vez mais frequentemente, pelo exame de ultrassom. Infelizmente, vem se pedindo muito ultrassom cervical sem que haja suspeita clínica de lesão tireoidiana. Dessa forma, como explicado acima, acabamos diagnosticando muitos tumores pequenos que provavelmente nunca iriam evoluir clinicamente para um tumor.
Há como preveni-los?
– Não, pelo menos não conhecemos nenhuma medida preventiva, mas sabemos que alguns fatores ambientais podem desencadear o câncer de tireoide e, portanto, devem ser evitados:
§ Radiação ionizante (sempre pedir proteção ao se expor a RX, principalmente em consultas odontológicas)
§ Obesidade: aumenta o risco de câncer de tireoide e de vários outros. Portanto, é importante manter peso adequado, evitar sedentarismo e sempre fazer exercícios
§ Excesso de iodo, assim como sua falta, são prejudiciais. Uma dieta saudável deve incluir peixes e nem sempre necessita de reposição de iodo, em geral.
§ Substancias químicas têm sido relacionadas ao câncer de tireoide, bem como agentes poluentes e conservantes de alimentos. Devemos evitar áreas poluídas e alimentos industrializados.
Quais os tratamentos disponíveis?
Como uma grande parte dos tumores é diagnosticada quando eles estão muito pequenos, com menos de 1cm de diâmetro, podem ser apenas acompanhados com ultrassons periódicos (anuais, por exemplo). Da mesma forma, o câncer diagnosticado por punção aspirativa e citologia, mas em lesão única, dependendo da estratificação de risco que o endocrinologista faz, deve também ser apenas acompanhado. Já tumores maiores ou em pacientes de risco devem ser encaminhados para cirurgia.
Atualmente se procura preservar a glândula, fazendo lobectomias ou tireoidectómicas apenas parciais. Tumores já com metástases, ou em pacientes de risco elevado, são tratados com cirurgia, seguida de radioiodoterapia, para eliminar todas as células cancerígenas.
Como acima explicado, as células de câncer de tireoide diferenciado captam iodo. O que se faz é administrar iodo radioativo, que vai ser captado e destruir todas as células que o cirurgião não conseguiu eliminar. Estes pacientes são acompanhados com dosagens de tireoglobulina porque, mesmo sendo cancerígenas, as células tireoidianas continuam a produzir tireoglobulina e esta proteína só é produzida por células da tireoide. Portanto, se após cirurgia e radioiodoterapia, o nível de tireoglobulina no sangue subir, é porque apareceram novas células e temos recorrência do tumor ou metástases à distância crescendo.
Quais os prós e contras de cada tratamento?
– A vigilância ativa (só observação dos pacientes) significa retornos inicialmente semestrais e depois anuais, com ultrassom e dosagem de tireoglobulina. Pode trazer estresse aos pacientes que não suportam a ideia de terem um câncer.
A cirurgia pode causar hipotireoidismo e o paciente precisar tomar levotiroxina para o resto da vida. Além disso, pode haver lesão das paratireoides, o que causa um hipoparatireoidismo, condição muito desagradável. Como toda cirurgia, tem os riscos inerentes: infecção, sangramento, etc.
A radiodoterapia pode causa alguns efeitos adversos, como lesão de glândulas salivares e, a longo prazo, câncer secundário.
Importante ser destacado também que o ultrassom cervical não deve ser feito, a não ser com indicação médica e por suspeita clínica: nódulos são extremamente frequentes e tumores de tireoide também, mas a maioria é de nódulos benignos (95% dos casos) e, mesmo se o nódulo for câncer, ele é geralmente indolente, cresce muito devagar e a maior parte dos canceres pequenos não evolui clinicamente, bastado, assim, serem observados. Se houver suspeita de câncer agressivo, a cirurgia é indicada e a sobrevida por carcinoma papilífero de tireoide (o mais frequente) é de 95% a 100% em 10 anos.
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