Cirurgias de cisto ovariano: importância da avaliação individualizada e atuação multidisciplinar

Dr. Marcelo Vieira: “nem todo cisto ovariano representa risco, mas a negligência ou a medicalização excessiva podem comprometer a saúde reprodutiva das mulheres”

Foto: Divulgação

O planejamento para a retirada de um cisto ovariano, ou para a decisão de não operar, deve partir de uma avaliação técnica rigorosa, conduzida por profissionais com formação específica e capacitação contínua em ginecologia cirúrgica. Para o cirurgião oncológico Marcelo Vieira, de São Paulo/SP, que atua há mais de duas décadas com foco em técnicas minimamente invasivas, essa decisão não pode ser tomada de forma isolada ou apressada. “É a experiência do time médico e a compreensão integral da paciente que determinam a segurança e os resultados do tratamento. Um olhar superficial pode levar a perdas irreversíveis”, afirma.

Dr. Vieira é idealizador de programas de formação como o Curso de Metodologia Cirúrgica e o Cadáver Lab, este último, um treinamento prático em anatomia pélvica e dissecção de alta precisão e lidera iniciativas voltadas à mentoria de profissionais da área. “Não se trata apenas de operar, mas de saber quando operar, como preservar o ovário e como garantir que aquela mulher mantenha intacta sua possibilidade de ser mãe, caso deseje”, reforça.

A descoberta de um cisto no ovário é uma das principais causas de procura por ginecologistas em consultórios e prontos-socorros. Embora, na maioria dos casos, essas estruturas sejam benignas e desapareçam espontaneamente com o tempo, há situações em que a cirurgia é indicada para preservar a saúde da paciente — especialmente quando o cisto provoca dor aguda, cresce de forma rápida ou está associado à dificuldade para engravidar.

Nem todo cisto ovariano representa risco, mas a negligência ou a medicalização excessiva podem comprometer a saúde reprodutiva das mulheres. O equilíbrio entre vigilância e intervenção é a chave para um cuidado mais humano, seguro e eficaz. “E isso começa com o olhar atento do profissional de saúde e com a paciente sendo ouvida, acolhida e respeitada em todas as etapas do cuidado”, aponta Vieira.

Tipos de cistos e quando se preocupar

Cistos ovarianos podem ser classificados de diversas formas, mas três tipos costumam demandar maior atenção clínica: os funcionais, os endometriomas e os tumores císticos.

Os cistos funcionais são os mais comuns e, geralmente, surgem como parte do ciclo menstrual, desaparecendo em poucas semanas. Já os endometriomas estão associados à endometriose, uma condição inflamatória crônica que acomete cerca de 6,5 milhões de brasileiras e é uma das principais causas de infertilidade no país, segundo levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Tumores císticos, por sua vez, podem ser benignos ou malignos e exigem investigação criteriosa por meio de exames de imagem e laboratoriais. “Em casos de cistos persistentes, maiores que 5 cm, com conteúdo suspeito, sólido ou com vegetações, ou que causem sintomas importantes, como dor pélvica constante, distensão abdominal e alterações no ciclo menstrual, a intervenção cirúrgica costuma ser indicada”, explica o médico.

Como operar com segurança e preservar o ovário

A principal técnica utilizada para a remoção de cistos ovarianos é a videolaparoscopia, método minimamente invasivo que reduz o tempo de recuperação e diminui os riscos de aderência. O procedimento deve sempre priorizar a preservação do tecido ovariano saudável, especialmente em mulheres em idade fértil.

“O procedimento não pode comprometer a reserva ovariana. Em cirurgias mal conduzidas, há risco de cauterização excessiva e perda funcional do ovário”, alerta Vieira. Para ele, o planejamento cirúrgico deve considerar não apenas o tamanho e o tipo do cisto, mas também o histórico reprodutivo e os planos da paciente. “Cada caso é único. Avaliar com cautela evita tanto excessos quanto omissões”, reforça.

Preservação da fertilidade

A preocupação com a função reprodutiva tem ganhado espaço nas decisões médicas, especialmente entre mulheres que desejam engravidar no futuro. Em casos como os endometriomas, por exemplo, a retirada cirúrgica pode ser necessária, mas deve ser conduzida por equipe experiente, com domínio de técnicas que preservem a anatomia e a funcionalidade dos ovários.

Dr. Vieira defende a abordagem multidisciplinar e o investimento contínuo em atualização profissional. “É preciso investir em formação e tecnologia para que o tratamento seja eficaz e o menos agressivo possível”, conclui.

Diagnóstico e conduta clínica baseada em evidências

A avaliação correta dos cistos ovarianos envolve exames de imagem, como ultrassonografia transvaginal com doppler e ressonância magnética, além de marcadores tumorais quando há suspeita de malignidade. Segundo o especialista, o monitoramento contínuo, aliado ao uso de anticoncepcionais em alguns casos, pode evitar intervenções desnecessárias.

O uso indiscriminado de cirurgias, por outro lado, pode gerar mais danos do que benefícios. “Já vimos mulheres jovens que passaram por múltiplas cirurgias sem real indicação, com sequelas importantes para a fertilidade. Precisamos romper com essa lógica intervencionista e trabalhar com critérios claros e baseados em evidência”, conclui Vieira.

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