O psiquiatra João Marcello Korcsik Lessa: “tenho observado um aumento do número de casos de transtornos da ansiedade e dependência química”
Nesse momento de pandemia pelo qual a população está passando, sabemos de várias pessoas com transtorno de ansiedade e quadros de depressão causados pelo isolamento social, relações desgastadas entre casais, entre outros aspectos. Para falar sobre essa realidade, que afeta a vida de mulheres e homens em uma época tão delicada, o Portal Medicina e Saúde entrevistou o psiquiatra João Marcello Korcsik Lessa, que tem especialização em Neurociências e Comportamento pela UFMG, e, também, é médico da Fundação Hemominas e integra o corpo clínico da Casa de Saúde Santa Maria, além de atender em seu consultório.
Dr. João Marcelo, nesse momento, muitas pessoas sentem que estão depressivas. Do ponto de vista médico, o que é depressão?
O transtorno depressivo maior é caracterizado por episódio de pelo menos duas semanas de duração (embora a maioria dos episódios dure um tempo consideravelmente maior) de alterações nítidas do afeto (tristeza, perda do prazer para as atividades anteriormente consideradas prazerosas e ansiedade), da cognição (baixa-estima, sentimento de culpa, desesperança, lentificação do pensamento, pessimismo, alteração da atenção e memória), e das funções neurovegetativas (alteração do sono e apetite), afetando significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo.
Na sua experiência, o número de pessoas com depressão aumentou nesse período de quarentena?
Neste primeiro momento, tenho observado um aumento do número de casos de transtornos de ansiedade e de dependência química. No entanto, alguns estudos realizados em países que foram primeiramente acometidos pela pandemia de COVID-19, indicam um aumento do número de casos de depressão e suicídio. Nesses estudos, também foram observadas maiores taxas de transtornos de ansiedade, abuso de álcool e transtorno do sono.
As principais variáveis relacionadas à depressão com a pandemia do COVID-19 são o estresse, a ansiedade e luto mal elaborado. As tensões psíquicas (estresse), geradas pela pandemia, e sua resposta afetiva na forma de ansiedade, têm despertado nossas consciências quanto a nossa vulnerabilidade, aspecto este que gera profundo sofrimento para a espécie humana. Para agravar ainda mais esta situação, a pessoa, ao sofrer a morte de um membro da família, devido ao COVID-19, pode não ter a oportunidade de estar fisicamente presente nos seus últimos momentos, ou realizar o funeral do ente querido de acordo com as tradições culturais, trazendo repercussões negativas no processo habitual de luto.
Atualmente, mais mulheres ou homens têm depressão?
Dados estatísticos indicam que a prevalência de depressão no sexo feminino é de 1,5 a 3 vezes maior quando comparado com a prevalência no sexo masculino. No contexto da pandemia, as mulheres parecem ser mais vulneráveis à depressão quando comparadas com o sexo masculino.
Qual o motivo dessa prevalência?
No contexto da pandemia por COVID-19, a maior prevalência da depressão em mulheres parece estar relacionada à maior sobrecarga de atividades, secundário a uma divisão desigual das tarefas, e à violência doméstica.
Se por um lado, as relações de casamento se solidificam, outras relações se desgastam intensamente com o confinamento? Por quê?
Na verdade, a pandemia tem funcionado como um catalizador de processos. Relacionamentos sólidos tendem a se manter, mas os relacionamentos que já se apresentavam desgastados tendem a não resistir. Dados estatísticos já mostram que o isolamento social, imposto pela pandemia da COVID-19, tem promovido um aumento do número de casos de violência doméstica, aparentemente relacionado à necessidade forçada de convívio com conflitos já habituais do relacionamento, ao estresse econômico causado pela perda do emprego, à busca de controle das finanças domésticas, ao abuso de substâncias psicoativas, à divisão desigual das tarefas domésticas e aos temores causados pela pandemia.
Quais os impactos da pandemia em idosos e jovens?
Apesar dos idosos apresentarem maior risco quando infectados pelo COVID-19, os jovens se apresentam mais vulneráveis aos impactos psicológicos da pandemia. Esta maior vulnerabilidade parece estar relacionada a uma menor maturidade e, como consequência, terem poucos recursos de enfrentamento da crise.
Quais dicas o senhor pode dar para o enfrentamento da pandemia?– Evite inversão do ciclo sono-vigília e tente manter o tempo habitual de sono restaurador.
– Busque a prática da atenção plena (mindfulness) no qual voltamos a atenção para o momento presente. A atenção excessiva em aspectos passados predispõe as pessoas à depressão e em relação a aspectos futuros à ansiedade.
– Envolva-se com atividade física dentro das limitações impostas pela pandemia.
– Estabeleça uma rotina de atividades para serem executadas durante o dia. Levante no horário habitual e se arrume para iniciar o dia como fazia antes da necessidade do isolamento. – Importante, perante a ameaça apresentada, passar uma mensagem de não passividade para a nossa mente.
– Busque relacionar com as tensões geradas pela pandemia com pitadas de humor. O humor tem a capacidade de atenuar as tensões psíquicas.
– Estabeleça contatos sociais virtuais. Somos um ser social e é de amplo conhecimento a correlação entre isolamento social e depressão.
Ser mais seletivo na busca de informações. Notícias que imprimem sofrimento sequestram a atenção do leitor e esse aspecto vem sendo muito explorado pelos meios de comunicação (televisão, rádio, internet etc.). Somos, hoje, invadidos por um volume exagerado de informações, gerando alto nível de tensão e, consequentemente, maior predisposição para a depressão.
– Busque informações oficiais.
– Selecione melhor suas fontes de informações.
– Evite fake News.
– Recorra a profissionais de saúde para esclarecer dúvidas ou saber de diretrizes de ação.
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