Dados apontam que 70% das mortes por câncer ocorrem em países de baixa e média renda; 40% dos casos poderiam ser prevenidos evitando fatores de risco. Além disso, no caso de diagnóstico precoce de tumores sólidos tratados com cirurgia, a taxa de cura pode chegar a 90%. Entre os tipos de cânceres potencialmente evitáveis, segundo a SBCO, estão colo de útero, colorretal, pulmão, pênis e estômago
Close The Care Gap (em tradução livre, “fechar a lacuna de cuidados”) é o mote da campanha deste ano do World Cancer Day – Dia Mundial do Câncer – celebrado no dia 04 de fevereiro. A data – que foi criada em 2005 pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC), com o apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), tem como principal objetivo aumentar a conscientização e engajar a sociedade civil e governos na solução de um problema que afeta milhões de pessoas.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), o cirurgião oncológico Héber Salvador de Castro Ribeiro, no Brasil, a lacuna de cuidados oncológicos, a exemplo de outras regiões do globo, está relacionada, principalmente, às desigualdades em relação a acesso à saúde e à informação sobre a doença.
Segundo ele, 80% dos casos de câncer vão necessitar de alguma cirurgia no transcurso da doença. “A cirurgia oncológica é uma das principais ferramentas para a cura dos tumores sólidos e pode ser o único tratamento em casos diagnosticados mais precocemente. Nesta situação, as taxas de cura são superiores a 90%”, afirma.
De fato, dados da OPAS/OMS apontam que 70% das mortes por câncer ocorrem em países de baixa e média renda; 40% dos casos poderiam ser prevenidos evitando fatores de risco. “A ciência e a medicina apresentam um histórico de evolução constante em relação a diagnóstico, tratamento e cura de muitas doenças oncológicas. O desafio é fazer este arsenal estar disponível para todos, o que ainda não acontece no Brasil”, destaca o Dr. Héber Ribeiro.
Outro obstáculo é a falta de informação sobre câncer, e pior ainda, quando há desinformação patrocinada pela divulgação de fake news, ressalta o presidente da SBCO. “Nesse cenário o tema deste ano do World Cancer Day nos instiga a refletir sobre a importância de democratizar o acesso à saúde e à informação sobre as doenças oncológicas, como estratégia para diminuir a incidência de todos os tipos de cânceres”, diz, acrescentando que muitas doenças oncológicas são potencialmente evitáveis e, mesmo assim, o câncer está entre as principais causas de mortes do mundo.
E quais são os tipos de doenças oncológicas potencialmente evitáveis? Entre elas, afirmam cirurgiões oncológicos, estão os cânceres de colo de útero, colorretal, pulmão, pênis e estômago.
O câncer de colo de útero é considerado como o mais evitável de todos. Tanto é assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) traçou a meta para erradicar a doença globalmente até 2030.
Colo de útero – Segundo a cirurgiã oncológica e presidente da SBCO na regional Santa Catarina, Patrícia Câmara, a vacina contra o vírus HPV, principal fator de risco para o câncer de colo de útero, e o exame de Papanicolau são as armas que tornam possíveis conquistar a meta da OMS de erradicação da doença. “Enquanto a vacina contra HPV administrada antes que a pessoa tenha contato com o vírus garante, praticamente, 100% de proteção a essa infecção, o exame de rastreamento de câncer de colo de útero, o Papanicolau, pode diagnosticar lesões precursoras que são tratadas antes que se transformem em câncer”, afirma a médica.
A equação que parece simples torna-se muito complexa no cenário brasileiro, país que ainda apresenta o câncer de colo de útero como terceira causa de morte entre as mulheres. “A falta de adesão à vacina contra o HPV, disponível nos postos públicos para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, e a dificuldade de acesso ao Papanicolau, principalmente, nas regiões mais pobres do país, como a Norte e a Nordeste, fazem com que o Brasil ainda esteja longe da meta da OMS para 2030”, explica.
Estudos mostram que a vacina contra HPV também traz benefícios para quem já teve contato com o vírus, diminuindo o risco do aparecimento de lesões. Por esse motivo, o Sistema Único de Saúde (SUS) liberou esse imunizante para pacientes de alto risco com até 45 anos. Nesse grupo estão imunodeprimidas, pacientes com alteração no Papanicolau, transplantadas etc.
Colorretal – O câncer colorretal é aquele que pode acometer o intestino grosso, a porção pélvica e o reto. “Em relação a esse tipo de câncer, nosso papel, apesar de sermos cirurgiões, é evitar que o paciente chegue a precisar desse procedimento”, afirma o cirurgião oncológico Bruno Roberto Braga Azevedo, membro da diretoria da SBCO e titular do Hospital Pilar e do Grupo Oncoclínicas.
O especialista explica que o câncer colorretal começa com uma lesão minúscula e não maligna. “O exame de colonoscopia é um procedimento capaz de identificar lesões com potencial de malignidade e removê-las. Portanto, a colonoscopia tem um impacto enorme na prevenção do câncer colorretal”, diz.
O médico recomenda que a colonoscopia seja realizada quando o paciente apresentar sangramento nas fezes. Além disso, quando há casos desse tipo de câncer em familiares em idade precoce, o que pode indicar a necessidade de investigar se há predisposição genética para a doença. “É um exame que muda a história do paciente, na medida em que pode evitar que ele desenvolva esse tipo de câncer. Nosso desafio é o acesso à população em geral”, afirma.
Pulmão – A maior parte dos casos de câncer de pulmão (85%) está diretamente relacionada ao tabagismo. Quando um câncer de pulmão é diagnosticado em pacientes não fumantes, o mais provável é que seja uma doença de origem genética/hereditária. O Dr. Cezar Augusto Galhardo, cirurgião oncológico e presidente da SBCO na Regional Mato Grosso do Sul, afirma que se a população mundial deixasse de fumar, oito entre dez casos deixariam de existir. “Isso, além de salvar vidas, também traria impacto positivo nos custos do sistema de saúde”, analisa. O médico explica ainda que o tabaco atua diretamente no DNA das células do pulmão, que passam a se multiplicar de maneira desordenada, causando o tumor maligno.
Não existe forma segura de consumo de tabaco. Uma das grandes preocupações hoje em relação aos jovens é o narguilé, os cachimbos d’água árabe utilizados para fumar. O especialista alerta que muitos pensam que porque a fumaça passa primeiro pela água, os malefícios são atenuados. No entanto, essa informação não procede, ao contrário. Segundo o Dr. Cézar Galhardo, uma hora de narguilé equivale ao consumo de 80 a 100 cigarros, com efeitos devastadores para o pulmão.
Sobre os cigarros eletrônicos, já há estudos que mostram que também aumentam o risco de câncer de pulmão. Por sinal, o tabagismo aumenta o risco de diversos outros tipos de câncer. Portanto, é preciso parar de fumar e, como qualquer outra droga que cria dependência, essa tarefa não é fácil. “Cerca de 60% dos fumantes que param voltam ao vicio na primeira tentativa”, alerta.
Não fumante – O risco de câncer de pulmão também aumenta para quem não fuma, mas fica exposto à fumaça do tabagista. O fumante passivo tem o risco aumentado em 30% para desenvolver câncer de pulmão. Já os benefícios para quem consegue abandonar o vício são imediatos: em 20 minutos a frequência cardíaca reduz; em 48 horas melhora o paladar; depois de 9 meses, o aparelho pulmonar respira melhor; em um ano, o risco de enfarte cai pela metade, comparado a quem continua fumando; cinco anos depois, o risco de câncer de colo de útero, acidente vascular cerebral e derrame diminui significativamente; em 10 anos, o risco de morrer de câncer de pulmão cai 50% e em 15 anos, 90%.
Outro problema que agrava ainda mais o cenário é que 75% dos casos são diagnosticados em fase avançada, quando o perfil da doença é mais letal. “Em geral, o tabagista atribui os sintomas ao cigarro e só vai procurar o médico quando a doença já está avançada, muitas vezes com metástase”, explica.
Pênis – O câncer ainda é tabu na sociedade brasileira, afirma a cirurgiã oncológica, Dra. Luana Gomes Alves, membro titular da SBCO e do Serviço de Urologia do Hospital de Câncer Araújo Jorge. “No entanto, esse câncer existe e atinge parte importante dos homens. No Brasil, 2% dos canceres masculinos são de pênis e, em alguns estados, como o Maranhão, a casuística é grande”, afirma.
A principal forma de prevenção da doença é a boa higiene local, com água e sabão. Em caso de fimose, que dificulta muito a higiene do órgão, a médica recomenda a correção cirúrgica.
Outro fator de risco importante é a infecção por vírus HPV, portanto, vacinar os meninos é essencial na prevenção da doença. “O câncer de pênis basaloide está diretamente relacionado ao HPV e constitui uma doença muito agressiva”, alerta a médica.
Segundo ela, procurar o médico na presença de lesões iniciais no pênis é fundamental para que o tratamento, que é cirúrgico, possa ser realizado com um procedimento menor, evitando sequelas graves. “Infelizmente, na maioria das vezes, o homem demora para ir ao especialista e lesões grandes são tratadas com amputação parcial ou total do pênis. Quanto maior a lesão, mais agressivo o tratamento e menores as chances de cura”, explica.
Estômago – O cirurgião oncológico Igor Correia de Farias, titular do Departamento de Cirurgia Abdominal do A. C. Camargo Cancer Center e vice-presidente da SBCO na Regional São Paulo, informa que o principal fator de risco para câncer de estomago é a infecção pela H. pylori, uma bactéria que pode se alojar no estômago, prejudicando a barreira protetora e estimulando inflamação. A bactéria pode provocar sintomas como dor e queimação abdominal, além de aumentar o risco para o desenvolvimento de úlceras e câncer.
Segundo o especialista, 70% a 80% da população mundial têm infecção crônica pelo H. pilory. “Cerca de 90% dos infectados são assintomáticos. Assim, devemos tratar e erradicar o H. pylori na população de alto risco para câncer de estômago, aqueles que apresentam na endoscopia uma biopsia com algum componente carcinogênico, como displasia, metaplasia, gastrite crônica, entre outros”.
O risco para câncer de estômago também aumenta pelo consumo exagerado de sal e alimentos que contém nitrosaminas (embutidos e enlatados). Isso explica por que há maior incidência desse tipo de câncer na Ásia e em países da América latina, como Venezuela, Chile e Bolívia. Além disso, tabagismo e obesidade também aumentam o risco. Para prevenir a doença é importante praticar atividade física e consumir vegetais, verduras, frutas, cereais, ou seja, ter uma dieta saudável.