Diretor da SOCESP fala problemas cardiológicos que podem ser causados pela vacina contra a covid 19 e riscos e vantagens da vacinação em crianças e idosos
Dr. Felix Ramires: “o acometimento em relação a população em geral é muito pequeno, menos de 0,5% da população vai ter algum acometimento pela vacina”.
A vacinação contra covid que, sem dúvida, está salvando a vida de muitos brasileiros e, no caso da variante omicron, que lota os hospitais do Brasil, possibilita sintomas mais leves da doença, ainda repercute com notícias falsas e, também, verdadeiras. Pessoas estão mesmo morrendo por problemas cardíacos devido à vacina? Mais, especificamente, as crianças, tão em foco no momento, devem ser vacinadas? E os problemas cardiológicos nos adultos e idosos? Para responder a essas e outras questões, o Portal Medicina e Saúde entrevistou o Dr. Felix Ramires, diretor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (SOCESP), professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP, coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Miocardiopatias do Incor e coordenador do programa de IC- Insuficiência Cardíaca do HCor. Com sua rica experiência nessas entidades, o Dr. Ramires aprofunda nessa entrevista, questões importantes para a população.
Nos últimos meses vêm sendo divulgadas notícias pela internet de jovens tendo mal súbito ou morrendo devido a problemas no coração. Jovens, inclusive atletas, morrendo durante a prática esportiva ou, simplesmente, quando estão descansando, como aconteceu com a campeã brasileira de muay thai, Monique Janaína Piske, que sofreu infarto e morreu aos 32 anos em Santa Catarina. Há possibilidade desses casos estarem relacionados à covid ou a uma reação das vacinas contra a covid?
É importante destacar que o mal súbito tem várias causas cardiológicas, podemos citar as cardiopatias genéticas e as alterações estruturais do coração. Causas extra cardíacas, embolia pulmonar, ruptura de aneurisma. Apesar da pandemia, nós continuamos tendo todas essas outras causas de morte súbita. Então, não é por causa da pandemia de covid que paramos de ter câncer, outras doenças crônicas. Mas do ponto de vista da infecção pelo SARS-CoV-2, sem dúvida o acometimento cardíaco já foi descrito e existe uma série de definições na literatura comprovando esse acometimento cardiovascular que pode acontecer em torno de 7% a 10% da população em geral acometida pela Covid-19. A grande maioria é totalmente assintomática ou com sintomas muito leves. Isso pode pular para 30% a 40% nas formas mais moderadas a graves da doença. E a forma de acometimento cardíaco em relação a covid-19 tem diferentes formas. Tem a lesão direta do vírus no coração, levando ao que a gente conhece da miocardite, muito em moda em relação a vacina. Mas a própria doença em si pode levar, pela agressão direta do vírus, a um quadro de miocardite causado pela doença. Mas a pessoa pode desenvolver focos de arritmia no coração, pacientes com placas de aterosclerose nas artérias coronárias podem ter a placa rompida pelo vírus, levando ao infarto agudo. E até manifestações extra cardíacas, como o acometimento do pericárdio, levando a pericardite, que é a inflamação da membrana do pericárdio que envolve o coração. O pericárdio inflama e produz muito líquido e você pode ter um derrame pericárdio e ele levar a um tamponamento, que é um aprisionamento do coração nesse saco pericárdico cheio de líquido. Essas complicações podem levar a um desfecho desfavorável, como morte súbita. Sobre o acometimento de atletas, pode acometer qualquer um. Existe um estudo da universidade de Ohio que pegou os atletas que tiveram covid na forma leve ou assintomática e antes deles retomarem as suas atividades esportivas fizeram uma avaliação detalhada do coração e o que se observou é que 15% deles tinham na ressonância magnética alguma alteração sugestiva de miocardite. Clubes de futebol no Brasil já estão colocando na sua rotina nos atletas que tiveram covid-19, uma avaliação mais detalhada do aparelho cardiovascular para analisar se existe algum acometimento e, se houver, seja avaliado os riscos desse paciente retomar as atividades e o melhor momento para retomar a atividade esportiva de alto desempenho.
Diante de muitas informações, reais e/ou falsas, que assustam muita gente, qual o posicionamento da Sociedade de Cardiologia de São Paulo sobre as consequências cardiológicas causadas pela vacina contra a Covid-19 ou reação a ela?
Sim, já foi descrito em várias populações o acometimento cardíaco em relação a vacina, especialmente no que diz respeito a miocardite (inflamação do coração pela vacina) mas, o acometimento em relação a população em geral é muito pequeno: menos de 0,5% da população vai ter algum acometimento pela vacina. Citando apenas dois exemplos: em Israel, com mais de 5 milhões de indivíduos vacinados, somente 62 tiveram miocardite (0,001%) e apenas dois óbitos. Já na Dinamarca, com 3,5 milhões de vacinados, somente 48 tiveram miocardite e nenhuma morte. De fato, a vacina pode causar miocardite, mas a incidência é baixa e infinitamente menor do que a miocardite pela própria doença. E a grande maioria dos pacientes com miocardite pela vacina evolui de maneira muito satisfatória com remissão espontânea.
Esses supostos casos associados à covid ou a uma reação à vacina não devem ser estudados mais profundamente para dirimir dúvidas?
Certamente necessitam ser estudados mais profundamente e existe um exaustivo comprometimento da comunidade científica em identificar os principais mecanismos que levam a esse acometimento cardiovascular pela vacina, até para que seja feita, se possível, algum tipo de modificação e atenuar esses efeitos adversos.
Hoje o foco da vacinação tem sido crianças entre 5 e 11 anos. Elas devem ser vacinadas? Quais os riscos e quais os efeitos colaterais que podem surgir, lembrando que, recentemente, a Anvisa chegou a divulgar um alerta sobre o risco de miocardite e pericardite pós-vacinação em virtude de casos nos EUA, após vacinação com imunizantes contra Covid-19 com RNA mensageiro (RNAm), como o da Pfizer.
As crianças também podem ter miocardite pelas vacinas, principalmente pelas vacinas de RNA, mas não exclusivamente. Mas lembrar que casos de miocardite já foram descritos em todas as vacinas e não só as de RNA, em toda a população, em todas as faixas etárias. No Brasil, dos pacientes que tiveram reação com a vacina, 11% estavam na faixa etária de 12 a 17 anos, e mais ou menos 40%, entre 18 e 44 anos. Em relação as crianças, a publicação de dados é heterogênea, mas o acometimento cardiovascular ainda é baixo e infinitamente menor do que a própria doença, nas poucas séries descritas. De qualquer maneira, a grande maioria estourada desses casos em crianças que tiveram miocardite, a evolução é bastante satisfatória com remissão espontânea. De novo, a prevalência e a incidência da miocardite no pós-vacina é infinitamente menor do que a miocardite causada pela própria doença. Por isso, sim, as crianças devem ser vacinadas.
Crianças podem morrer com essas vacinas?
Podem, se ela eventualmente evoluir com uma forma grave de um acometimento cardiovascular, como uma miocardite aguda na forma grave, sim, pode morrer. Mas a incidência da miocardite é muito pequena, mesmo nas crianças. E a evolução para a forma grave é menor ainda. Totalmente diferente daquilo que a própria doença pode causar. Quando nós avaliamos a estatística do que a doença faz e o que a vacina faz, a gente não tem nenhuma dúvida, e temos absolutamente segurança em dizer que, elas precisam ser vacinadas.
No caso de mortes e/ou sequelas deixadas pela vacina em crianças, quem se responsabilizará?
Juridicamente temos uma zona bastante nebulosa visto na própria liberação da Anvisa e contratos realizados na compra das vacinas devido a uma cláusula de isenção de responsabilidade pela indústria farmacêutica. Isso é o que é divulgado pela mídia. Então, de fato, eu não saberia dizer juridicamente, quem se responsabilizaria por essas eventuais mortes ou sequelas deixadas pela vacina.
Com relação à população adulta, quais os problemas cardiológicos que podem ocorrer e efeitos adversos relacionados à vacina contra a covid?
Várias formas de acometimento cardiovascular. Em relação a vacina, os mais descritos são a miocardite, de novo, e as arritmias, com uma incidência muito baixa, em Israel e na Dinamarca em torno de 0,001%, menos de 0,5% de miocardite. Os efeitos mais comuns são miocardite e a pericardite também.
São possíveis paradas cardíacas? Por que? E óbitos?
São possíveis. Se você tiver um acometimento da vacina na forma grave, que é extremamente raro, você pode ter arritmia, perda de força do coração pela miocardite mais grave e evoluir para o óbito. Já foram descritos casos de óbito pela utilização da vacina por uma reação, um acometimento cardíaco pela vacina. Mas, graças a Deus, a incidência desse acometimento cardíaco pela vacina é muito pequeno e muito inferior a
Os idosos continuam sendo o principal grupo de risco? Quais os problemas cardiológicos que podem ocorrer nesse segmento em virtude da vacina ou reação a ela? Há óbitos devido à vacinação nesse grupo de risco?
Sim, mesmo a Ômicron parecendo ser uma variante que tem uma evolução mais leve do que as demais, sem dúvida os idosos parecem ter um comprometimento do sistema imunológico que atrapalha um pouco a resposta imune à infecção pelo SARS-CoV-2. Continuam sim, sendo a população de maior risco e devem ser vacinados. E se podem ter reação com a vacina, sim, como as outras pessoas.