Drogas e álcool: estado de alerta para gestantes. Seu consumo coloca em risco a saúde da mãe e do bebê

Dr. Gabriel Martins Campos Cruz, obstetra do Neocenter/Belo Horizonte: “Durante a gestação, mudanças fisiológicas acontecem no organismo materno, potencializando efeitos das substâncias”

O dia 20 de fevereiro é conhecido como o Dia Nacional do Combate às Drogas e ao Alcoolismo. O objetivo da data é esclarecer a população sobre os danos que o consumo de bebida alcoólica e de drogas provoca no organismo. Uma pesquisa recente do Ministério da Saúde revelou que o consumo abusivo de álcool entre as mulheres aumentou quase 40% comparando os anos de 2006 com 2018. Dados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), feito em 2012, mostrou que o Brasil é o maior mercado consumidor de crack e o segundo maior consumidor de cocaína no mundo.

Para o Dr. Gabriel Martins Campos Cruz, obstetra do Neocenter/Belo Horizonte, especialista em Medicina Fetal, “o nosso país vive uma epidemia crescente do consumo de drogas lícitas e ilícitas. Por isso, termos uma data específica para este tema é primordial para a divulgação de dados e informações, orientar à população e criar estratégias para o enfrentamento a essa realidade”.

Ele esclarece que existe um tabu quanto ao consumo de drogas lícitas e ilícitas por parte das gestantes. Além disso, muitas usuárias (principalmente as de drogas ilícitas), acabam não fazendo uma assistência correta durante o pré-natal. “Por isso é muito difícil termos dados concretos e reais sobre a estatística do consumo no Brasil. Um estudo transversal, realizado em uma maternidade pública do Rio de Janeiro (entre 1999-2006), verificou que 5,5% e 7,4% das puérperas relataram uso de cigarro e álcool durante a gestação, respectivamente, sendo, 31,3% de uso concomitante. Um outro estudo transversal, realizado com gestantes acompanhadas em 25 Unidades Básicas de Saúde de Maringá (2012), demonstrou prevalência do uso de drogas ilícitas entre gestantes de 18,28%”, explicou.

A Revista Médica de Minas Gerais, da Faculdade de Medicina da UFMG, trouxe um estudo em 2011, que relata que a maconha é a droga ilícita isolada mais utilizada, 54%. Contudo, o próprio trabalho reafirma a dificuldade em se obter dados concretos, seja pela omissão destas informações pelas pacientes e ou pela ausência de estudos que descrevessem a prevalência da exposição pré-natal no Brasil e na América Latina.

Sobre os usuários, a faixa etária predominante são as gestantes mais novas. Além disso, outros fatores como, baixa renda e baixa escolaridade, também influenciam no consumo. Segundo dados da Fiocruz, o consumo de álcool e drogas no Brasil é cerca de 5 vezes maior entre homens. O que reflete também a influência negativa que isso pode ter sobre o consumo por parte das gestantes.

Dr. Gabriel Martins ressalta ainda que as mulheres são mais susceptíveis aos efeitos danosos do álcool e das drogas. “Durante a gestação, mudanças fisiológicas acontecem no organismo materno, potencializando efeitos das substâncias. Lesões cardiovasculares, pulmonares e cerebrais são as mais comuns. Para além dos danos metabólicos, o consumo, principalmente do álcool – de maneira abusiva, e das drogas ilícitas, traz uma vulnerabilidade social maior. Essas pacientes se tornam suscetíveis socialmente e muitas acabam abandonando o pré-natal ou fazem seguimento inadequado”.

Consequências para o feto e a gestante – A mais conhecida e temida doença fetal relacionada ao consumo de álcool é a “Síndrome Alcoólico Fetal” (SAF), alerta o especialista. “Quando a gestante ingere bebida alcoólica, o álcool atravessa a placenta e expõe o concepto às mesmas concentrações do produto que a mãe. Porém, o feto tem um metabolismo mais lento e, consequentemente, eliminação mais lenta. Estão comprovados os danos ao desenvolvimento cerebral (dificuldade de coordenação motora, hiperatividade, déficit de atenção, dificuldade de aprendizado, deficiência intelectual, atraso no desenvolvimento) e distúrbios físicos (anomalias faciais, microcefalia, problemas de visão e audição, problemas cardíacos, renais e ósseos). Além do risco de mortalidade intraútero e aborto”.

Dr. Gabriel Martins explica também que “o tabagismo está relacionado, para a gestante, a doenças cardiovasculares e respiratórias, descolamento prematuro de placenta e hemorragias uterinas, redução da produção de leite. Nos fetos, está relacionado a morte súbita e baixo peso ao nascimento. Durante a amamentação, o bebê recebe a nicotina através do leite materno, podendo ocorrer intoxicação. No puerpério, crianças expostas à fumaça do tabaco tem taxas maiores de infecções pulmonares, otite e desenvolvimento de asma”.

Segundo o médico, a maconha está relacionada ao nascimento prematuro, com baixo peso ao nascer, crescimento intraútero restrito, bebê natimorto, descolamento de placenta, chances maiores do recém-nascido precisar de internação em UTI e aborto espontâneo. “A maconha também tem alguns produtos químicos de sua composição que passam pelo leite materno, podendo comprometer o desenvolvimento motor, levar a alterações de memória e cognição, sintomas de depressão e ansiedade, baixo desempenho escolar e outros”.

Por sua vez, a cocaína e crack são substâncias muito parecidas quimicamente. “Já se sabe que a forma de uso inalada e injetada gera reações muito mais intensas, e em menor tempo de uso e dose. Essas drogas estão relacionadas ao desenvolvimento de doenças cardíacas graves, doenças renais, descolamento prematuro de placenta, comprometimento no desenvolvimento das estruturas cerebrais e baixo peso ao nascer, entre outros”. O consumo de bebidas alcoólicas aumenta o risco de câncer de mama, acidente vascular cerebral, depressão, doenças hepáticas, doenças cardíacas, lesões corporais e dependência. “Vale ressaltar que o câncer de mama, por exemplo, está associado ao consumo de qualquer quantidade de álcool”, afirma Dr. Gabriel Martins.

Drogas mais comuns e mais graves no Brasil – As mais comuns no Brasil são o cigarro, álcool, maconha, cocaína e o crack. Sendo as duas primeiras consideradas drogas lícitas.  “Não podemos afirmar que uma substância é mais grave que a outra. Já se sabe, por exemplo, que a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) não está relacionada com a dose de álcool ingerida. Os efeitos nocivos do tabagismo também acontecem fumantes e fetos passivos, ou seja, aqueles que inalam a fumaça do cigarro”, explica o obstetra do Neocenter.

Por sua vez, alerta, “a cocaína, mesmo em doses baixas, gera efeitos muito rápidos no sistema nervoso central. Da mesma forma, a maconha pode gerar desordens orgânicas e comportamentais que podem surgir e serem percebidas ao logo de todo o desenvolvimento da infância e adolescência (sequela tardia).

Importância do Pré-Natal – O pré-natal é um momento importante para se detectar os riscos que o feto corre de gestantes que bebem ou usam drogas. “A abordagem do uso de drogas e/ou substâncias, sejam lícitas ou ilícitas, deve ocorrer nas consultas de pré-natal. Inclusive, é preciso estarmos atentos também ao uso de fármacos e outras substâncias que também não devem ser utilizadas na gestação, mas que são comuns no nosso dia a dia, como os analgésicos opioides, remédios para dormir e emagrecer”.

Sobre o pré-natal, Dr. Gabriel Martins informa que é preciso ter uma ausculta acolhedora e empática. “As nossas pacientes precisam saber e se sentirem seguras para contar sobre o uso dessas substâncias ao seu pré-natalista. Cabe ao médico colocar esse assunto e também fazer esse questionamento, lembrando também de interrogar sobre outros fármacos e substâncias que não são seguros nesse período. O ambiente do pré-natal existe para proporcionarmos uma assistência adequada para nossas pacientes”, observa.

Sobre a importância da relação médico-paciente, ele reafirma a importância de se estabelecer uma relação de confiança e segurança entre a gestante e o médico pré-natalista, através da qual a paciente se sentirá segura em informar para ele se faz uso dessas substâncias lícitas e ilícitas. “Nosso objetivo, em conjunto, é sempre garantir a saúde da mãe e do seu bebê. Sabemos dos tabus e julgamentos que envolvem todas essas questões, mas não cabe a nós esse papel. Estamos ali para caminharmos juntos, encontrarmos opções saudáveis, acompanhamentos e tratamentos adequados, visando sempre o seu bem-estar e uma gestação, parto e puerpérios saudáveis”.

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