Estudo inédito do envelhecimento cerebral mostra como neurônios preservam identidade, mas perdem energia e eficiência

Pesquisa publicada na revista Nature analisa cérebros de bebês a centenários e revela por que funções cognitivas caem com a idade

Imagem: Freepik

Um estudo pioneiro utilizou técnicas de ponta de sequenciamento de célula única para traçar um retrato detalhado de como o cérebro humano muda ao longo da vida. A pesquisa analisou o córtex pré-frontal – região ligada à memória, ao raciocínio e ao comportamento – de 19 doadores, desde recém-nascidos até pessoas com mais de 100 anos, revelando mudanças celulares e genéticas que ajudam a explicar o envelhecimento cerebral.

Os cientistas descobriram que os neurônios mantêm sua identidade ao longo das décadas, ou seja, continuam sendo as mesmas células responsáveis por funções essenciais. No entanto, há perda significativa de genes de manutenção celular, como aqueles que garantem energia, metabolismo, transporte e reparação. Essa queda começa a se acentuar após os 40 anos, impactando a eficiência e a vitalidade das células nervosas.

De acordo com Dr. Ciro Martinhago, médico geneticista e PhD em genética reprodutiva, de São Paulo/SP, outro achado importante foi o desequilíbrio entre neurônios excitatórios e inibitórios em cérebros mais velhos. “Genes que atuam como freios da atividade cerebral, como SST e VIP, foram reduzidos, indicando perda da capacidade de inibição, o que pode contribuir para declínio cognitivo e risco maior de doenças neurodegenerativas”, explica.

Além disso, o estudo “Alterações transcriptômicas e genômicas de células humanas no cérebro humano envelhecido” mostrou que na infância, o cérebro ainda passa por forte remodelação, quando foram identificados grupos únicos de neurônios e astrócitos ligados a genes de desenvolvimento, confirmando que o córtex pré-frontal segue em maturação mesmo após o nascimento. “Com isso, podemos entender que durante o envelhecimento, células precursoras de oligodendrócitos (OPCs) diminuem, enquanto oligodendrócitos maduros aumentam. Isso indica que, em idosos, a capacidade de regeneração desses componentes fundamentais para a comunicação entre neurônios é limitada”, completa Ciro Martinhago.

O levantamento mostrou ainda que o cérebro acumula 15 mutações somáticas por neurônio/ano e ao longo de toda a vida. Tais mutações se distribuem em dois padrões: um – ligado ao desenvolvimento precoce, e outro – que progride ao longo da idade, diretamente associado ao nível de atividade dos genes. Os genes curtos (e muito ativos) sofrem mais danos com o tempo, enquanto genes longos e neuronais parecem ter mecanismos de proteção extra, mantendo-se estáveis ou até mais ativos em idosos.

Para Martinhago, que acumula também o cargo de especialista em doenças raras pela Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM), o trabalho fornece pistas valiosas sobre como o cérebro envelhece de forma saudável. “Os resultados mostram que não é a perda dos neurônios em si que marca o envelhecimento cerebral, mas, sim, uma queda na eficiência dos genes que mantêm essas células funcionando. Isso explica por que, com a idade, o cérebro preserva sua estrutura, mas perde energia e capacidade de resposta”, explica.

Segundo o especialista, a pesquisa também aponta caminhos futuros para prevenção e terapias. “Entender quando e onde essas alterações acontecem pode permitir estratégias para preservar a saúde cerebral por mais tempo, seja retardando o declínio cognitivo ou reduzindo o risco de doenças como Alzheimer e Parkinson”, completa Martinhago.

O estudo -publicado na revista científica Nature, é considerado o primeiro a integrar diferentes abordagens de análise genética e espacial em cérebros humanos de diferentes idades, oferecendo um verdadeiro mapa do envelhecimento cerebral.

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