Foto: Divulgação, acervo Renata Souza
Por anos, a rotina de Renata Souza, 53 anos, foi marcada pelo trabalho intenso, pela dedicação à família e pelo pouco tempo reservado para si mesma. “Eu não fazia absolutamente nada por mim. Só cuidava de filho, marido, casa e trabalhava igual a uma louca”, conta.
A virada veio em 2018, quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama triplo positivo. Sem histórico familiar, a notícia causou choque. “Foi como cair no fundo do poço”, lembra. A partir de janeiro de 2019, realizou a cirurgia de retirada de uma das mamas, 16 sessões de quimioterapia com terapia alvo, 21 de radioterapia, e iniciou tratamento com bloqueador hormonal. O apoio do marido e a parceria com a oncologista Marina Sahade, do Sírio-Libanês, foram essenciais. “Ela não olhava só para o tratamento, mas também para mim, como pessoa. Isso me deu segurança. Nunca me senti doente”, diz Renata.
Sahade explica que um dos desafios para quem passou por cirurgia de mama é saber como e quando retomar os movimentos. “É natural sentir medo de se machucar ou de fazer algo errado, mas não é preciso sair da cirurgia ’sem mover um músculo’. O retorno às atividades físicas é fundamental, mas deve ser sempre gradual, respeitando limites, e com orientação e apoio da equipe multidisciplinar”.
Nos primeiros meses após o tratamento, Renata ainda convivia com sintomas físicos marcantes, como fraqueza, muito sono e falta de disposição. Mas percebeu que, quando se movimentava, o corpo reagia. “Eu ia caminhar ou para a academia e me sentia bem melhor. Ficava mais disposta, mais viva”, relembra.
Aos poucos, encontrou no esporte um caminho inesperado de transformação. Sócia do Esporte Clube Pinheiros, mas sem nunca ter praticado atividades físicas, começou a se arriscar no beach tennis por incentivo das amigas. A timidez inicial deu lugar à paixão. “Eu nunca gostei de esporte. Mas quando comecei, percebi mudanças no corpo, na cabeça, me senti mais leve e mais feliz. Criei uma rede enorme de amigos e não parei mais.”
Hoje, a executiva concilia o trabalho em uma seguradora, com uma rotina esportiva intensa: joga beach tennis, tênis, mini tênis, frequenta a academia e, de quebra, se tornou diretora da modalidade no clube, organizando torneios e eventos. “A primeira vez que joguei, senti cãibras no corpo inteiro. Hoje fico três horas em quadra, sem cansaço. O esporte virou uma chave na minha vida”, comemora.
A experiência de Renata se soma a dados que impressionam. De acordo com o Ministério da Saúde, o câncer de mama é o tipo mais comum entre mulheres brasileiras, depois dos tumores de pele não-melanoma. Para cada ano do triênio de 2023 a 2025, são estimados 73.610 casos novos, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Mas a ciência mostra que é possível reagir. Um estudo publicado no periódico Breast Cancer Research and Treatment revelou que uma única sessão de treino intenso (HIIT) já é capaz de alterar a química do sangue e ativar proteínas que freiam o crescimento das células tumorais. Pesquisas mostram, ainda, que a prática regular de exercícios pode reduzir em até 20% o risco de desenvolver diversos tipos de cânceres, e, entre pacientes já diagnosticados, está associada a uma queda de até 39% na mortalidade.
Para Marina Sahade, a mensagem é clara: “A atividade física no câncer de mama é fundamental. Ela melhora muito a tolerância ao tratamento e ajuda a prevenir o risco de que a doença retorne”. Segundo ela, não é preciso nada muito elaborado: “Caminhar, subir escadas, fazer pilates, musculação ou beach tennis, tudo conta muito, ainda que seja pouco tempo por dia”. A especialista explica, ainda, que o importante é fazer disso um hábito regular. “O grande desafio para a mulher é virar a chave, como fez a Renata, e aprender a cuidar não só dos outros, mas de si mesma”, reforça médica.
A Organização Mundial da Saúde recomenda pelo menos 150 minutos por semana de atividade física moderada ou 75 minutos de alta intensidade. Além de ajudar na prevenção, o exercício reduz dores, fadiga e risco de recidiva. “É ou não é um remédio natural incrível?”, questiona a Dra. Sahade.
Renata é prova viva disso. Hoje, ao olhar para trás, ela reconhece que o câncer, apesar de devastador, trouxe também um renascimento. “Cuidar de si muda tudo. A autoestima, o casamento, as amizades. Até meu marido passou a me olhar de outra forma”, ressalta.
Novas diretrizes – Além do impacto do esporte, avanços recentes no Sistema Único de Saúde (SUS), ampliam as perspectivas de prevenção e tratamento do câncer de mama. A partir de outubro, de acordo com as novas diretrizes do Ministério da Saúde, mulheres de 40 a 49 anos poderão realizar mamografia para rastreio da doença, medida considerada um marco para o diagnóstico precoce.
Também haverá a ampliação da faixa etária para o rastreamento ativo até os 74 anos, alinhando o Brasil às recomendações internacionais. “É fundamental começarmos o rastreamento a partir dos 40 anos, porque sabemos que uma parcela expressiva dos casos é diagnosticada em mulheres mais jovens. Essa mudança aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais e pode salvar muitas vidas”, afirma a oncologista Andrea Shimada, do também do Sírio-Libanês. A especialista reforça, ainda, que mulheres acima de 74 anos e com expectativa de vida acima de 10 anos devem seguir o rastreamento de forma individualizada.