Junho foi instituído o mês de Conscientização do Lipedema, doença que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Promovida pela Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP), o objetivo é difundir o diagnóstico precoce e também garantir um tratamento adequado para todos aqueles que enfrentam essa condição. O transtorno é uma situação caracterizada pelo acúmulo desproporcional de gordura nas pernas e braços que resulta em dores nos membros afetados e que atinge quase que exclusivamente mulheres.
De acordo com o cirurgião vascular Mauro Figueiredo Carvalho de Andrade, membro do Departamento de Doenças Linfáticas da SBACV-SP, a doença progride em quatro estágios, com a possibilidade de afetar o sistema linfático. “O mecanismo exato dessa lesão linfática não é totalmente claro. Além disso, devido ao comprometimento da musculatura da perna, o sistema venoso das extremidades inferiores pode apresentar um funcionamento inadequado”, explica o especialista.
A doença é dividida conforme as áreas dos membros afetados como, Tipo I: acomete a região do quadril; Tipo II: envolve o quadril e as coxas; Tipo III: atinge todo o membro inferior, com a formação de “manguito” de gordura nos tornozelos; Tipo IV: braços – bastante associado aos tipos II e III; Tipo V: apenas do joelho para baixo. Há ainda outra classificação que se refere à evolução e gravidade da doença:
- Estágio 1: a superfície da pele é normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos de gordura, palpáveis sob a pele.
- Estágio 2: a pele é irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite. Os nódulos que podem ser apalpados ficam maiores.
- Estágio 3: a pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras. Isso pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podemos palpar também áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica.
- Estágio 4: todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado no estágio 4, chamado de lipolinfedema.
As mulheres em idade de reprodução, desde a puberdade até a fase de mudanças hormonais com o início do climatério, são as mais atingidas. Além da gordura excessiva desproporcionalmente distribuída, os sintomas também incluem desconforto, fragilidade capilar, equimoses e edema nas regiões afetadas. “Pacientes com lipedema são mais suscetíveis a lesões das articulações. Em casos mais avançados, podem ter dificuldades na marcha e, consequente, atrofia muscular”, alerta Dr. Mauro, que reforça sobre o fator genético ter um grande peso para o diagnóstico, já que a maioria dos pacientes apresenta histórico familiar.
Conforme ressalta, atividades físicas como exercícios aeróbicos, caminhada e natação, podem desempenhar um papel importante no controle da doença. Porém, é essencial que eles sejam gradualmente intensificados e supervisionados por um profissional de educação física ou fisioterapeuta. Além disso, o cuidado com a alimentação também é importante. Dietas restritivas não têm efeito significativo na redução do acúmulo de gordura do lipedema e podem até piorar a desproporção corporal. No entanto, é fortemente recomendado que os pacientes mantenham um peso saudável. Embora haja relatos sobre certas dietas chamadas de “anti-inflamatórias”, que proporcionam um melhor controle dos sintomas, embora ainda não haja evidências científicas suficientes para recomendá-las.
O diagnóstico da doença é clínico, e cabe ao profissional detectar a suspeita. “Não existem exames que marquem a presença da enfermidade antes que ela seja clinicamente observável. Os exames (ultrassom, tomografia, cintilografia linfática, bioimpedância) servem para diagnóstico de casos em que há suspeita de associação de problemas”, informa o cirurgião vascular, explicando que, apesar de não ter cura, existem opções de tratamento disponíveis para aliviar os sintomas, evitar agravamentos e trazer mais qualidade de vida.
Uma das recomendações é o uso das meias de compressão, sugestão que, de acordo com Dr. Mauro Andrade, pode ser recebida com relutância e parte dos pacientes resiste em utilizá-las por experiências prévias malsucedidas, devido a prescrições inadequadas. “As meias normalmente usadas para o tratamento de edemas de membros inferiores (em doenças venosas não avançadas, por exemplo) são meias tecidas com malhas circulares. Em pacientes com lipedema, o uso recomendado – aliado ao acompanhamento médico – são meias elásticas com baixo estiramento (menor elasticidade), obtidas quando o material da fabricação é a malha plana. É um tipo de tecido menos extensível, mais robusto, confortável e se adapta melhor ao formato do membro afetado”, esclarece o médico.
Acompanhamento – Como o paciente viverá com a condição pelo resto da vida, o acompanhamento médico é fundamental. Ele é realizado de forma multidisciplinar, ou seja, com profissionais de diferentes áreas, sendo os mais recomendados os cirurgiões vasculares, dermatologistas, fisioterapeutas e nutricionistas.
Segundo o presidente da SBACV-SP, Dr. Fabio Rossi, o lipedema é uma doença bastante comum, que afeta uma em cada dez mulheres. Dependendo da gravidade, essa condição pode ter um impacto significativo na qualidade de vida. “O primeiro passo no tratamento é procurar um angiologista ou cirurgião vascular, que realizará a avaliação dos diagnósticos diferenciais nos casos de sintomas como, dor e inchaço nas pernas. Além da conscientização e da orientação adequada sobre a doença, exames complementares, como Doppler Vascular, linfocintilografia, medida de gordura corporal e, em certos casos, ressonância magnética, também podem ser recomendados”, afirma o médico.
Em alguns casos onde o tratamento clínico não é suficiente e descartadas outras causas para a doença, e que ainda comprometa a qualidade de vida, técnicas de lipoaspiração podem ser indicadas. Porém, as taxas de complicações e os resultados a longo prazo ainda são desconhecidos. “Esses casos devem ser avaliados por uma equipe multidisciplinar, e a melhor estratégia terapêutica deve ser decidida de forma compartilhada”, explica Dr. Fabio Rossi.