O cirurgião cardiovascular José Cícero Stocco Guilhen: “nas últimas décadas houve uma melhora expressiva dos resultados cirúrgicos e cuidados pós-operatórios”
A doença é caracterizada por uma anormalidade na estrutura ou função do coração. Todos os anos, mais de 21 mil bebês precisam de algum tipo de intervenção cirúrgica para sobreviver. Esta cirurgia, realizada no período neonatal, tem taxa de sucesso de até 90%. Outros bebês que nasceram com doenças cromossômicas, como a síndrome de Down, também são considerados mais suscetíveis à cardiopatia congênita. Essas enfermidades podem interferir no momento da formação do coração fetal, que ocorre nas primeiras oito semanas de gravidez.
Para saber mais sobre ela, o Portal Medicina e Saúde entrevistou o Dr. José Cícero Stocco Guilhen, especialista em cirurgia cardiovascular do Hospital e Maternidade Santa Joana/SP e professor do Departamento de Cirurgia da UNIFESP.
O que é cardiopatia congênita?
A cardiopatia congênita é a doença do coração que está presente desde o nascimento, ou seja, não é uma enfermidade adquirida, ela se desenvolve junto com a formação do coração na vida intrauterina.
Qual a sua incidência no Brasil?
Segundo dados do Ministério da Saúde, a incidência esperada é em torno de 1% dos nascidos vivos. ou seja, a cada 100 nascidos vivos um tem alguma cardiopatia congênita. A estimativa é que nascem 29 mil crianças com cardiopatia congênita por ano no Brasil.
Quais as principais causas desta má-formação? Além da Síndrome de Down, há outras patologias e alterações genéticas que levam à cardiopatia congênita?
Nem todas as cardiopatias congênitas apresentam causas muito bem definidas. No entanto, hoje sabemos que a maioria se deve a alterações genéticas que ocorrem esporadicamente durante a formação do coração do feto na vida intrauterina.
A situação mais frequente é a associação da cardiopatia congênita com alguma cromossomopatia, por exemplo, a Trissomia do 21 (Síndrome de Down) que está bastante relacionada à presença de doença no coração do bebê, assim como a Síndrome de Turner e a Síndrome de Edward, entre outras. No entanto, existem situações durante a gestação que podem aumentar as chances de uma criança desenvolver uma cardiopatia congênita.
Em alguns casos podemos correlacionar a cardiopatia congênita à uma doença crônica da mãe, como no caso de Diabetes, Fenilcetonúria e o Lúpus Eritematoso Sistêmico, condições que aumentam o risco de desenvolvimento da enfermidade no feto. A presença de infecção na mulher durante a gestação também pode favorecer o surgimento da doença, como no caso da infecção materna por Rubéola.
Algumas doenças podem estar relacionadas ao uso de medicações, por exemplo, o uso de Lítio, que está associado ao desenvolvimento de doença de Ebstein na válvula tricúspide.
Quais os sintomas da cardiopatia congênita?
Os sintomas são variados e dependem principalmente do tipo de cardiopatia congênita e de sua gravidade. Os principais sinais no recém-nascido são a cianose (lábios e dedos arroxeados), a taquipneia (respiração rápida), o que dificulta as mamadas, além da dificuldade de ganho de peso. Esses sintomas podem persistir também nos bebês lactentes, dependendo do tipo de cardiopatia. Outras manifestações como falta de ar, cansaço, desmaios são menos frequentes e tendem a aparecer em crianças após os primeiros anos de vida.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico pode ser feito ainda no período gestacional ou após o nascimento da criança. No período gestacional um ultrassom morfológico alterado pode indicar a necessidade da realização de um exame de ecocardiograma fetal, que pode diagnosticar uma cardiopatia congênita existente em até 70% dos casos. No caso dos pacientes que não tiveram diagnóstico intrauterino, o diagnóstico é feito no período neonatal, por meio do teste do coraçãozinho, que consiste na avaliação da oximetria de pulso nos primeiros dias de vida. Após o período neonatal, o diagnóstico geralmente é feito pela ausculta de um sopro cardíaco em consulta com o pediatra, ou pela presença de sintomas como falta de ar, cansaço, dificuldade de ganho de peso ou cianose (lábios e dedos arroxeados).
Quais os avanços no tratamento?
Atualmente o tratamento cirúrgico tem resultados bastante satisfatórios, mesmo no período Neonatal e em cardiopatias complexas. Em casos selecionados podemos realizar algum tratamento intrauterino para alterar a progressão da doença e permitir um melhor tratamento no período pós-natal.
Qual o índice de sucesso do tratamento?
Os resultados variam de acordo com a gravidade da cardiopatia e da condição clínica da criança. Mas, atualmente, a sobrevida hospitalar geral dos pacientes operados no período neonatal está acima de 90%.
Quais os riscos do tratamento?
Os riscos do tratamento das cardiopatias podem ser relacionados ao procedimento cirúrgico em si, como sangramento, infecção, arritmias. Além dos riscos relacionados à própria doença de base, dependendo de cada doença específica.
Como tranquilizar os pais, cuja mãe tem que se submeter a cirurgia para corrigir o problema de seu filho ainda em gestação?
Nas últimas décadas houve uma melhora expressiva dos resultados cirúrgicos e cuidados pós-operatórios. Atualmente, uma criança que nasce com cardiopatia congênita tem chance de atingir a idade adulta de mais de 80%. Portanto, mesmo nas cardiopatias mais complexas existe grande probabilidade de sobrevida a longo prazo e com boa qualidade de vida.
Feita a cirurgia e o bebê nascido, ele tem vida normal?
Atualmente, a maioria dos pacientes com cardiopatia congênita tem uma vida normal, podendo frequentar a escola, participar de atividades recreativas e praticar esportes como qualquer criança da mesma idade. Porém, dependendo do tipo de cardiopatia e de sua gravidade, a criança pode apresentar algum grau de restrição na sua capacidade funcional. Já em relação aos esportes competitivos, o paciente precisa passar por uma avaliação médica individual antes de iniciar uma atividade física.
Quais os cuidados que se deve ter com o bebê?
Após a correção da cardiopatia é esperado que a criança possa realizar as atividades educacionais e recreativas sem restrições. Entretanto, isso vai depender de cada cardiopatia, podendo em alguns casos haver restrições pontuais de certas atividades.
Esta situação pode se repetir no caso de uma segunda gestação, ou seja, uma mãe que gerou uma criança com cardiopatia congênita sempre vai gerar filhos com esta anomalia?
Apesar da grande maioria das cardiopatias não serem transmitidas de forma hereditária, a chance de uma mãe que teve uma criança com cardiopatia congênita de ter outra criança afetada é maior quando comparado ao risco da população em geral. Nos casos em que a cardiopatia está relacionada a alterações maternas, por exemplo, diabetes e lúpus, entre outras, esse risco aumenta.