Lipedema desafia diagnóstico e impacta a saúde feminina

Doença que afeta quase exclusivamente as mulheres causa dor, hematomas e acúmulo de gordura resistente. Falta de protocolos e desconhecimento clínico dificultam o tratamento
Imagem: Divulgação- SBACV-SP
Junho é o mês de conscientização sobre o lipedema, uma doença progressiva que representa um desafio à medicina diagnóstica e compromete a mobilidade, a autoestima e o bem-estar de inúmeras mulheres. Caracterizado pelo acúmulo simétrico e doloroso de gordura subcutânea, principalmente nas pernas e braços — poupando mãos e pés, o lipedema é frequentemente confundido com obesidade ou linfedema. Diferentemente da obesidade, a gordura associada à doença não responde bem à dieta ou à prática de exercícios. Já o linfedema, causado por falhas no sistema linfático, tende a ser assimétrico e costuma afetar também os pés.
A condição atinge quase exclusivamente mulheres e costuma surgir em fases de intensas variações hormonais, como a puberdade, a gravidez e a menopausa. Estima-se que até 60% dos casos tenham histórico familiar, o que reforça o papel de fatores genéticos.
Segundo o cirurgião vascular Vinícius Bertoldi, diretor da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP), o lipedema ainda é subestimado e mal compreendido. “É uma condição com características próprias, que exige escuta qualificada. A falta de conhecimento entre profissionais de saúde, a sobreposição com outros quadros e a ausência de marcadores laboratoriais dificultam o diagnóstico. Muitas mulheres são tratadas apenas como pessoas com excesso de peso, quando, na verdade, convivem com uma doença que demanda acompanhamento adequado”, alerta.
Entre os principais sinais estão a distribuição desproporcional da gordura, dor constante, sensibilidade ao toque, hematomas frequentes e limitação funcional.
Embora o diagnóstico seja clínico, exames como ultrassonografia com doppler e linfocintilografia ajudam a excluir outras condições. Além disso, estudos mais recentes têm avaliado critérios de imagem, como medições ultrassonográficas em pontos específicos dos membros, como apoio à confirmação diagnóstica.
Apesar de não ter cura, o lipedema pode ser controlado por meio de tratamento multidisciplinar. Entre as abordagens mais eficazes estão a drenagem linfática manual, o uso de meias de compressão, exercícios de baixo impacto com foco no fortalecimento muscular — principalmente nas coxas —, além de uma alimentação anti-inflamatória e com baixo índice glicêmico. Em casos selecionados, pode-se recorrer à lipoaspiração com técnica tumescente, que preserva os vasos linfáticos e deve ser realizada por profissionais experientes.
Pacientes devem evitar dietas radicais, ricas em açúcar e gordura, procedimentos agressivos – como a lipoaspiração convencional, inatividade física e uso prolongado de corticosteroides sem indicação médica. O estilo de vida tem papel essencial no controle dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida.
O impacto emocional da doença também é significativo. Baixa autoestima, ansiedade e depressão são comuns, agravadas pelo estigma social e pela falta de preparo da comunidade médica. Embora campanhas de conscientização tenham avançado, ainda não há diretrizes específicas no SUS, e muitos planos de saúde não cobrem o tratamento cirúrgico, mesmo diante da dor persistente e do comprometimento funcional.
Estudos internacionais estimam que entre 11% e 19% das mulheres possam conviver com o lipedema, mas a subnotificação é elevada. No Brasil, ainda não há dados oficiais. Para o Dr. Bertoldi, ampliar a visibilidade da doença é essencial. “A conscientização, enfatiza o médico, “precisa avançar, tanto entre os profissionais quanto entre as pacientes. Quem sente dor, hematomas frequentes e percebe gordura desproporcional em pernas e braços, que não melhora com dieta, deve procurar um cirurgião vascular. O diagnóstico precoce pode mudar vidas”.