O psiquiatra Conrado Cristovam Lourenço Pires: “sabemos, que a depressão e a ansiedade são patologias com alta prevalência e com grande repercussão, afetando a rotina social e o trabalho do indivíduo”
Quem nunca ouviu essa máxima: mente sã e corpo são? Mas o que ela quer dizer? Como manter um estado de bem-estar físico, mental e social, principalmente em tempos tão difíceis como agora? Para responder estas e outras perguntas sobre este tema, o Portal Medicina e Saúde entrevistou o psiquiatra Conrado Cristovam Lourenço Pires, médico pela UNIPAC-JF, com especialização em Psiquiatria pelo Instituto Abuchaim, em Porto Alegre. Ele mantém consultório em São João del-Rei, atendendo a comunidade local e região vizinha, através da rede privada.
Inicialmente, Dr. Conrado, o que significa saúde mental?
Não existe um conceito oficial sobre o seu significado, mas uma definição comumente usada é “o estado de bem-estar no qual o indivíduo reconhece a sua própria capacidade, pode lidar com estresses corriqueiros da vida, trabalhar e é capaz de contribuir socialmente”.
Dentro dessa visão, podemos dizer, então, que a mente pode ser saudável ou não? Como se classifica uma mente saudável? E uma não saudável?
Esta definição é muito subjetiva. Vai depender da interpretação de cada profissional e do entendimento de cada área da Saúde, principalmente relacionadas à saúde mental. A Psicologia vai ver de um jeito, a Filosofia de outro. Para a Medicina, que é a linha que eu sigo, não existe mente 100% saudável ou 100% doente.
Os parâmetros que uso para avaliar o funcionamento psíquico dos meus pacientes é a capacidade deles de lidar com os estressores do dia a dia e sua funcionalidade. A partir do momento que o sujeito passa a apresentar dificuldades de lidar com questões do seu cotidiano, um prejuízo na sua rotina ou capacidade funcional, ou um sofrimento exagerado, aparentemente sem justificativa, pode ser um sinal que sua saúde mental está afetada.
A mente controla o corpo e se ela não for sadia, adoece o corpo?
Não existe uma separação entre mente e corpo. Há algumas alterações fisiológicas, como diabetes descompensada, alterações na tireoide, ou o uso de medicações como corticoides e ou antiflamatorios, que podem afetar o humor e sua saúde mental, pois podem causar ou pontencializar sintomas ansiosos e ou depressivos, por exemplo.
Por outro lado, um quadro depressivo, de ansiedade, e um transtorno bipolar, por exemplo, onde o emocional está abalado, podem atrapalhar o funcionamento fisiológico, causando dores de cabeça, falta de foco, alteração do sono, perda de produtividade, perda de imunidade dentre outros.
Enfim, doenças clinicas ou tratamentos clínicos podem afetar seu estado emocional, assim como a alteração no seu emocional pode ter impactos importantes tanto no seu funcionamento clinico, quanto na rotina em geral do indivíduo, sendo, portanto, impossível a separação entre mente e corpo.
Quando a mente adoece? Há algum gatilho que a desequilibra e, consequentemente, adoece o corpo?
Não existe um gatilho específico que afete diretamente nossa saúde mental. Questões relacionadas ao nosso cotidiano, a rotina, questões familiares, genética e hereditária, são de certa forma o que mais influencia a nossa saúde mental. Então, podemos dizer que a origem dos sofrimentos psíquicos é multifatorial, sendo, portanto, impossível definir exatamente as suas causas. Nesses casos, o grande segredo é não buscar o porquê e, sim, avaliar como isso impacta a vida do paciente e como ele deve lidar como isso.
Doenças emocionais não são tangíveis, como uma perna quebrada, por exemplo. Assim, como diagnosticá-las e trata-las?
Doenças psíquicas, no geral, não são de diagnósticos fáceis de serem feitos. Não há exames, nem marcadores específicos para comprová-las. Dessa maneira, na maioria das vezes, o diagnóstico é feito através da consulta médica, através de analises das queixas que o paciente apresenta de forma subjetiva. Há casos em que o diagnóstico de doença psiquiátrica vem através de exclusão de outras patologias clinicas, o que torna ainda mais desafiador realizar essa avaliação e a construção correta do diagnóstico.
Outro ponto a ser destacado, é que embora existam critérios já bem estabelecidos, já tenha na literatura manuais como DSM V, que serve como base para elucidar nossos diagnósticos, a manifestação da doença é única em cada sujeito. Por isso, temos que avaliar caso a caso, como cada sintoma e cada queixa se manifestam para que possamos alcançar o diagnóstico correto.
Como podemos controlar ou reverter processos emocionais, como angústia e depressão?
Não sei se por preconceito, medo ou vergonha, mas, atualmente, ainda existe uma questão cultural de que a depressão e a ansiedade não passam de frescura, que só dependem do indivíduo para controla-los, ou que é necessário ter um motivo para o adoecimento, ou até mesmo, são sinais de fraqueza.
Hoje, sabemos, que a depressão e a ansiedade são patologias com alta prevalência e com grande repercussão, afetando a rotina social e o trabalho do indivíduo. Sabemos que a depressão, por exemplo, está entre as três principais doenças incapacitantes atualmente, sem falar no prejuízo secundário que causa.
Portanto, fica o alerta: como já falado anteriormente, as causas das doenças psíquicas são multifatoriais que, na sua grande maioria foge do nosso controle. No entanto, há atitudes que podem ajudar a estabilizar o quadro, como mudança na rotina, a inclusão de atividade física e mudança na alimentação, dentre outras, a partir do momento que você percebe os sintomas e a intensidade deles aumentando, com prejuízo na sua qualidade de vida. Aí, você deve procurar ajuda rapidamente. O diagnóstico e o tratamento precoce podem impactar positivamente na evolução do quadro.
Doenças emocionais são doenças psicossomáticas?
A definição de psicossomático não se aplica diretamente a doenças. Ele está relacionado mais a sintomas.
Em linhas gerais, sintomas psicossomáticos são aqueles sintomas ou manifestações clinicas reais que, após serem investigados, na busca de sua origem, não encontramos correlação. Por exemplo, uma pessoa com diagnóstico prévio de ansiedade vem apresentando, ao longo de tempo, uma dor de cabeça que não melhora, uma diarreia constante, queda de cabelo, sintomas alérgicos que não apresentam uma explicação clínica e que, a medida que seu emocional for se estabilizando, essas manifestações vão diminuindo e desaparecendo.
Em tempo de pandemia, como a ameaça da morte, o lockdown, o toque de recolher e outras medidas sanitárias afetam a mente das pessoas e disparam os gatilhos para uma mente não sadia?
Qualquer fator de estresse, de angústia, de indefinição ou de ameaça pode afetar a saúde mental. Então, sim, a pandemia – por agrupar boa parte dessas características, ser uma coisa nova, gerar uma certa tensão pelo desconhecido, o medo do adoecimento, uma incerteza sobre a evolução, o risco de levar a própria morte, pode afetar o emocional, gerar quadros de ansiedade pelo medo, ou a um quadro depressivo pelo isolamento. Enfim, a saúde mental pode ficar bem afetada pela pandemia.
Há dados estatísticos sobre os reflexos e consequências da pandemia no aumento das doenças psicossomáticas?
Eu não tenho nenhum dado 100% confirmado. A gente tem estimativas, análises observacionais sobre o impacto da pandemia na saúde mental. A gente imagina uma quarta onda, com impacto bastante intenso em diversas áreas após a pandemia, mas a princípio, não acho interessante entrar nesse mérito por que não tem nada comprovado.
As artes podem auxiliar no equilíbrio da mente/corpo?
Qualquer atividade de prazer, de alívio, que seja um hobby, que seja algo que não gere estresse, é benéfica tanto para prevenção quanto no auxílio de tratamentos. Então, artes, atividade física, leitura, acompanhamento psicológico e outras atividades afins podem ser bastante úteis tanto na profilaxia quanto no tratamento de doenças, como as mencionadas acima.
Há pessoas que boicotam a si próprias. Como perceber esses mecanismos?
Atualmente, ainda percebemos um certo preconceito, resistência e tabus em relação ao tratamento de doenças psíquicas. Os principais obstáculos que vejo é a dificuldade de aceitação do adoecimento, o medo do julgamento por parte da sociedade e das pessoas próximas. A falsa ideia de que é frescura, que eu tenho que ser auto suficiente, que as medicações utilizadas neste tipo de tratamento podem mudar minha identidade, minha funcionalidade e me tornar dependente de medicações. Acredito que o medo da doença, o estigma que envolve a questão da saúde mental, associado ao desconhecimento em relação aos tratamentos utilizados atualmente, aliados à falta de apoio e compreensão por parte das pessoas próximas ao doente, sejam os principais desafios a serem superados hoje, nesse sentindo.
“Mente sã em corpo são” – qual o segredo para o ser humano vivenciar esta máxima?
O equilíbrio, buscar sempre o equilíbrio. Se você quer estar saudável, cuide tanto de sua parte física como da sua saúde mental, ou seja, valorizando a sua saúde mental, cuidando dela, respeitando-a por que ela é tão importante quanto a sua saúde física. A gente sabe que existe preconceito, tabus, estigmas. Então, antes de formar uma opinião, procure se informar melhor.
Hoje em dia, a gente sabe que doenças psiquiátricas, como depressão e ansiedade, entre outras, já acometem pelo menos 30% da população, sendo a depressão uma das três doenças mais incapacitantes atualmente. Nesse sentido, o cuidado com a saúde mental é cada dia mais relevante.
A Psiquiatria tem como objetivo garantir a sua qualidade de vida. Os tratamentos hoje, ao contrário do que possa ter acontecido no passado, são seguros, buscam manter a identidade e funcionalidade do paciente, não podem causar nenhum prejuízo, nenhum efeito colateral, nenhuma perda produtiva. Então, com o tratamento adequado, com o acompanhamento certo e com a ajuda do paciente é possível, não digo curar, mas no mínimo controlar os sintomas e o desconforto para ter uma melhor qualidade de vida e produtividade.