Ana Gabriela Adriani: “O mundo virtual, quando substituído pelo real, pode afetar a percepção da realidade das pessoas”
Cerca de 25% das pessoas passarão pelo menos uma hora por dia dentro do metaverso até 2026, seja por meio de trabalho, compras, educação, socialmente ou por entretenimento, destaca um estudo realizado pelo Gartner. Com os avanços tecnológicos é muito comum as pessoas estabelecerem relações virtualmente, desde um trabalho home office, uma consulta médica via chamada de vídeo, aulas gravadas, lives de artistas ao vivo. O Metaverso é uma dessas revoluções tecnológicas que soma a internet, a realidade aumentada e a realidade virtual, para tentar simular a realidade em um mundo virtual, por meio de dispositivos digitais.
O metaverso é palco de eventos diversos, sejam eles corporativos, musicais e outros. Todas essas possibilidades implicam em pessoas passando grande parte do seu tempo navegando em diversos mundos, que não são o mundo real, e a problemática surge quando o virtual toma conta da própria realidade. As redes sociais já são conhecidas como causadoras de problemas com a autoimagem e autoestima. O temor é que esses problemas sejam potencializados e replicados mais ainda com o metaverso.
Transtorno mental – Desde 2018, a Organização Mundial da Saúde considera vício por videogames como um transtorno mental. Tornar a vida um videogame pode se tornar um grande problema entre jovens e adultos. “As pessoas se sentem desestimuladas a realizar atividades em outras áreas das suas vidas, desde atividades escolares até interações sociais comuns, pois sentem-se mais recompensadas no mundo virtual”, comenta a psicóloga Ana Gabriela Adriani, de São Paulo/SP, Mestre e Doutora pela Unicamp, especialista em terapia de casal e família pela Northwestern University – EUA, especialista em Psicoterapia Breve pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, e membro Filiado da Sociedade Brasileira de Psicanálise.
Outros problemas à saúde mental podem ser ocasionados com o uso constante do plano virtual, como aponta um artigo publicado na Psychology Today, que associa o uso excessivo da tecnologia a várias questões mentais, como ansiedade, depressão e até mesmo paranoia.
Durante a pandemia da Covid-19 foi comum as consultas médicas presenciais se tornarem encontros por videochamada, mostrando eficiências no tratamento e acompanhamento da mesma forma. No metaverso é possível ter uma consulta com médico e tratar questões diversas relacionadas a depressão, psicose, dependência, distúrbios alimentares e distúrbios de stress pós-traumático, permitindo ao usuário contato com estímulos em um ambiente seguro e controlado.
“A atenção tem que ser redobrada, pois o mesmo espaço que pode ajudar a tratar e acompanhar questões relacionadas a saúde mental, é aquele que vai causar esses transtornos. A internet ainda é um espaço que faz muito mal às pessoas quando usada de maneira incorreta, e o metaverso vai além da internet e a integração do real com o virtual, amplificando todos esses problemas. É possível identificar benefícios com o advento dessa tecnologia, mas é errôneo que eles se sobrepõem aos malefícios de colocar o virtual em primeiro plano do que a realidade”, pontua Ana Gabriela Andriani.
Mundo real X Mundo virtual – Com o avanço das tecnologias usadas para navegar no metaverso, as fronteiras entre o real e o virtual ficam confusas, dado pela imersão de qualidade que o mundo online oferece. Um experimento realizado por um psicólogo da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, em 2014, submetia os participantes a ficarem imersos 24 horas no metaverso em condições monitoradas. Após esse período, eles demonstraram desorientação e confusão e não sabiam distinguir o que era real ou virtual.
“Essa mistura entre realidade e virtual pode ocasionar uma oscilação na percepção do que realmente é verdadeiro, entre sentimentos, sentidos e até mesmo a visualização do próprio corpo, podendo ser modificados por meio dessa barreira entre o online e offline. O uso intenso do metaverso pode aumentar as chances e intensificar casos de afastamento social, narcisismo, esquizofrenia e dependência”, finaliza Andriani.