Estudos mostram que excesso de uso de telas, impulsionado pela pandemia, fez crescer número de usuários de lentes com idade até 19 anos
Para os especialistas, já é uma epidemia. O número de crianças e jovens com miopia cresceu durante o isolamento da Covid-19. No Brasil, um estudo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia mostrou que 72% dos médicos especialistas relataram uma maior detecção do problema na faixa etária de zero a 19 anos no período da pandemia e posterior. Outra pesquisa, realizada na China entre 2015 e 2020 e publicada na JAMA Ophthalmology, uma das mais importantes revistas médicas de oftalmologia, detectou um aumento de 400% nos casos de miopia em crianças na faixa dos seis anos e em torno de 200% em crianças maiores .
O uso excessivo de telas e a diminuição de atividades ao ar livre são apontados como as principais causas. A estimativa é que, em 2050, mais da metade da população mundial tenha o problema de visão, segundo a OMS.
“No consultório, vejo cada vez mais crianças e adolescentes desenvolvendo miopia e cada vez mais cedo. Por isso, as lentes de contato também têm se popularizado nesta faixa etária”, afirma a oftalmologista Claudia Del Claro, chefe do departamento de Lentes de Contato do Hospital de Olhos de Florianópolis e porta-voz da campanha Setembro Safira – que busca conscientizar as pessoas sobre a importância do uso correto das lentes e de contato.
A médica ressalta que não há limite de idade para o uso das lentes, mas, para crianças de 1 a 5 anos, elas são recomendadas apenas para tratamentos como a ambliopia (“olho preguiçoso”), situações de afacia (ausência do cristalino), catarata congênita, alta miopia, alta hipermetropia, astigmatismo, entre outros. Nas mais velhas, as lentes passam a ser uma alternativa aos óculos por facilitar a prática de esportes, ampliar o campo de visão e melhorar a autoestima, principalmente entre os adolescentes.
A paulista Bianca Saliba Di Thomazo é um desses exemplos. Com miopia desde os 9 anos, adotou as lentes de contato no Ensino Médio, por conta do grau elevado dos óculos. “Não queria usar óculos de lentes grossas de jeito nenhum. Mesmo quando tive alergia ao iniciar o uso das lentes, não desisti. Quando me adaptei, não usava 100% da maneira correta: nadava e dormia com elas. Até que, num passeio a uma cachoeira usando lentes, machuquei a córnea”, relata Bianca.
Segundo a médica Claudia del Claro, esses relatos são mais frequentes do que as pessoas imaginam. Cerca de 90% dos usuários de lentes cometem erros ao usá-las, como não lavar as mãos antes de manipulá-las, não limpar adequadamente, dormir com as lentes e molhá-las na água do mar, piscina e chuveiro. “Embora sejam excelentes recursos ópticos para crianças e adolescentes, as lentes devem ser usadas adequadamente para evitar complicações que podem levar até mesmo ao transplante de córnea ou à perda da visão. A negligência com higiene ou rotina de cuidados entre jovens é comum, por isso o uso de lentes nesta faixa etária exige um compromisso da parte deles e atenção redobrada por parte dos pais também”, completa.
Alguns cuidados importantes devem ser ainda mais reforçados com as crianças, como o limite de tempo de uso diário. “Os jovens precisam ter plena consciência de que não poderão usar a lente ininterruptamente e que continuarão a usar óculos parte do tempo”, explica. Por isso, o envolvimento dos pais é importante. “Eles precisam estar de acordo e se responsabilizar também pelos cuidados no uso das lentes. Devem participar dos testes, aprender a manuseá-las e receber as orientações juntamente com seus filhos”.
As visitas ao oftalmologista devem ocorrer a cada seis meses e, antes de adotar as lentes, é preciso que o especialista realize testes, avalie se há alguma contraindicação e qual o tipo mais recomendado. “Se bem usadas, as lentes impactam positivamente em como as crianças e adolescentes se sentem em relação à sua aparência e colaboram muito na participação em atividades esportivas, dança e outras, trazendo uma melhor aceitação de seus problemas oculares”, finaliza a especialista.
Setembro Safira
A campanha Setembro Safira foi criada para conscientizar e educar a população sobre os cuidados necessários ao usar lentes de contato. A iniciativa da Sociedade Catarinense de Oftalmologia conta com o apoio do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, além de profissionais da área. Com uma cartilha de “10 mandamentos”, o objetivo é mobilizar os usuários para terem hábitos corretos, evitando, assim, possíveis complicações oculares e até mesmo a cegueira. O nome Setembro Safira vem do significado simbólico da pedra preciosa safira, que é a sabedoria, já que a campanha tem como foco não apenas informar, mas também ensinar o uso adequado das lentes de contato.