O abuso sexual contra crianças e adolescentes causa sérios problemas emocionais na vida adulta das pessoas abusadas, com sérios transtornos psicológicos. Os especialistas ouvidos pelo Portal Medicina e Saúde, confirmam que tais agressões ocorrem em geral dentro de casa da vítima e em todas as classes socioeconômicas. Também ocorrem através dos tempos e meninas e meninos são abusados, sendo que as meninas em número maior
Para a psicóloga e sexóloga Walkiria Fernandes, que atua em Belo Horizonte, com atendimento em terapia individual e de casal, a violência sexual contra crianças e adolescentes é considerada um problema de saúde pública, devido aos efeitos negativos para o desenvolvimento cognitivo, emocional, comportamental e físico das vítimas. Ele é uma das formas mais graves de violência, já que frequentemente está relacionado a agressões físicas e psicológicas.
“A maioria dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorrem dentro da casa da vítima, se configurando como abuso sexual incestuoso, sendo o pai biológico ou o avô, o principal culpado. Inicia-se com uma relação de confiança que o abusador estabelece com a vítima, através de demonstração de carinho e afeto. Após conquistar a confiança da vítima iniciam-se as interações sexuais, evoluindo das carícias até mesmo para o intercurso sexual. Com a intensificação das interações sexuais, a criança pode identificar tais atos como abusivos. Quando isso acontece o agressor passa a desenvolver estratégias para silenciar a criança, ameaçando-a, ou a pessoas mais próximas. Por isso a criança muitas vezes não conta para ninguém o que está ocorrendo. Quando a criança, apesar das ameaças, procura ajuda, a mãe geralmente é a pessoa mais procurada. No entanto, em alguns casos, acaba havendo a negação do fato, não acreditando no relato da criança por não imaginar que o pai ou o avô seja capaz de tal ato. Quando isso ocorre, a criança fica totalmente desprotegida, podendo passar a sentir-se culpada pelo ocorrido”, explica a terapeuta.
Sinais de alerta – O abuso sexual não é considerado privilégio das classes sociais menos favorecidas pois pode ocorrer também nas camadas sociais economicamente mais privilegiadas. “As meninas são as principais vítimas. O início dos abusos normalmente se dá entre os 5 e os 10 anos de idade. Estudos mostram que 1 em cada 4 meninas e 1 em cada 6 meninos são vítimas de abuso sexual”, destaca.
“Os reflexos psicológicos do abuso e da negação do ato por parte da mãe podem levar a criança a desenvolver um comportamento de hiperatividade ou retraimento, dificuldade de entrosamento com outras crianças ou com adultos, isolamento social, baixa autoestima, medo, depressão, vergonha, culpa, ansiedade, distorção da imagem corporal, amadurecimento sexual precoce, transtornos afetivos, enurese, masturbação compulsiva, gravidez e outros possíveis transtornos emocionais e psicológicos”, alerta Walkiria Fernandes.
Estudo feito por Moyano e Sierra em 2014, envolvendo vítimas de abuso sexual na infância e adolescência, para investigar o funcionamento sexual de homens e mulheres, constatou que quanto maior o número de vezes que as mulheres sofreram abuso sexual com penetração na infância, maior o desejo sexual e autoerótico na vida adulta. No entanto, segundo a pesquisa, embora apresentassem o desejo sexual aumentado, a satisfação sexual era menor do que em mulheres que não sofreram abuso. Nesse estudo foi também verificado que sofrer apenas um episódio de abuso sexual na infância pode não afetar significativamente o funcionamento sexual na vida adulta.
Outro estudo – de Luo e al.2008 -, mostra que mulheres com histórico de abuso sexual podem ser mais propensas, em comparação às que não sofreram abusos, a um comprometimento do funcionamento sexual na vida adulta, com ausência de prazer e de lubrificação vaginal, dor genital e dificuldade em atingir o orgasmo, aumentando a propensão à aversão ao sexo, podendo existir uma desassociação entre sexo e prazer em função do pareamento entre estimulação sexual e intenso medo e ansiedade.
Algumas variáveis podem influenciar tanto no comportamento de aversão ou baixo desejo quanto no de compulsão ao sexo em vítimas de abuso sexual na infância. As mulheres parecem mais propensas ao comportamento de evitação, enquanto os homens, ao de compulsão.
De acordo ainda com os estudos, quanto mais tenra a idade, maior a probabilidade de um comportamento hiperssexualizado. Já vítimas do abuso após a idade escolar e na adolescência apresentam comportamento de aversão sexual com maior frequência. (Aaron,2012).
“Os problemas relacionados à sexualidade vinculados ao abuso sexual tendem a se intensificar ao longo da vida da pessoa. Por isso, torna-se importante a busca de uma terapia para que possam amenizar os possíveis problemas existentes e agir de maneira profilática, evitando sintomas futuros. É importante procurar os fatores complexos que moldam o comportamento sexual humano, de modo a fomentar experiências sexuais responsáveis, seguras e satisfatórias”, salienta a psicóloga.
Pacto de silêncio – De acordo com a psicanalista Heloisa Mamede Gonzaga, membro da Escola Freudiana BH/EFBH/Iepsi, que atua na capital mineira, “a questão do abuso sexual em ambiente familiar é uma questão que permanece através dos tempos e que na modernidade, devido a exposição frequente das crianças a situações de desamparo e violência privada a que são submetidas, eleva o índice desses abusos a níveis de grande complexidade. “Os fatores que definem a relação entre o agressor e a vítima são o exercício do poder, conjuntamente com a incapacidade da criança de se conscientizar da natureza do ato do infrator”, observa.
A transformação do corpo da criança em um objeto sexual, em uma idade de pouca compreensão, compromete todas as etapas posteriores de desenvolvimento emocional. O “pacto do silêncio” exigido inibe a reação, ocorrendo medo de punição e um complexo de culpa inconsciente”, acrescenta a psicanalista, ao ressaltar que o agressor é, em muitos aspectos, um moralista, utilizando-se do seu poder para criar um falso elo de confiança com a vítima. A mãe, em muitos casos, se torna conivente, tendendo a adotar uma atitude negacionista por razões pessoais. “Além disso, o sedutor desperta na vítima sensações sexuais precoces, em uma cena de sedução. A participação da criança é passiva e fantasiosa. As vítimas de abuso sexual tendem a sexualizar suas relações em um círculo vicioso, o que na adolescência pode levar a um quadro de promiscuidade”.
Nesse sentido, alerta, “a ajuda especializada individual torna-se fundamental. O código de silencio entre o agressor e a vítima torna-se um ponto de trabalho durante a análise feita sob transferência. O relato da criança, seja sob a forma de desenhos ou na fala ou no brincar, consegue a sua realização como sujeito da sua própria vida”, afirma Heloisa Mamede.
Equívoco – Segundo o psiquiatra João Marcelo Korcsik Lessa, com especialização em Neurociências e Comportamento pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007) e mestrado em Neurociências pela UFMG, é comum a equivocada a percepção de que o abuso sexual infantil seja um evento raro praticado contra meninas, por estranhos do sexo masculino, em áreas pobres da cidade. Contrário a essa percepção, o abuso sexual infantil é uma ocorrência muito comum, que resulta em danos a milhões de crianças de ambos os sexos, em comunidades grandes e pequenas, e em uma variedade de culturas e origens socioeconômicas. Esses atos são praticados por muitos tipos de infratores, incluindo homens e mulheres, estranhos, amigos ou familiares de confiança e pessoas de todas as orientações sexuais, classes socioeconômicas e origens culturais.
Embora haja risco de abuso sexual para crianças de todas as idades, as crianças com idades entre 7 e 13 anos se apresentam mais vulneráveis a vivência de abuso e mais susceptíveis a sintomas psicológicos severos, quando comparadas às pré-escolares e aos adolescentes, sugerindo que as crianças pequenas podem estar “protegidas” por não compreenderem a natureza sexual da experiência e os adolescentes por apresentarem recursos cognitivos mais elaborados que lhes permitem “processar” o ocorrido.
Segundo João Marcelo Korcsik , o abuso sexual infantil é um grande problema de saúde pública, com graves consequências para as vítimas, como uma variedade de problemas mentais, físicos e comportamentais ao longo da vida. Esses problemas variam de sintomas psicológicos a problemas mais específicos, como comportamento suicida, depressão e ansiedade, transtornos alimentares, abuso de substâncias, transtornos de personalidade, comportamento sexual de risco na adolescência e a prática de crimes sexuais contra outras crianças.