A pandemia e as medidas sanitárias adotadas têm tido um impacto assustador na vida de todas as pessoas, mas, provavelmente, as mais atingidas têm sido as crianças. Desde o surgimento da covid, a rotina das famílias foi alterada drasticamente, principalmente no que diz respeito ao trabalho e à educação dos filhos. Aulas suspensas, os pais tiveram que se adaptar no auxílio escolar de suas crianças, especialmente das menores, em plena fase de alfabetização. A maioria, há um ano e meio sem aulas, bem como aquelas que têm condições de aprender as lições de forma virtual, de qualquer maneira, em ambas as situações, todas foram prejudicadas tanto emocionalmente quanto em seu desenvolvimento escolar.
Para saber mais sobre esta problematização, o Portal Medicina e Saúde entrevistou a educadora Ana Maria Fumi Iamaguchi Mendes, fundadora da escola “Psicomotora”, referência no ensino infantil em São João del-Rei, onde funciona há 39 anos, e na região Campo das Vertentes/Minas Gerais. Além de coordenadora pedagógica, ela tem formação em Psicologia, pós graduação em Alfabetização pela PUC/MG e psicopedagogia clínica e institucional pela Universidade Cândido Mendes/RJ.
Quando uma criança deve ser alfabetizada?
O desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvida, em um ambiente social. Neste contexto, a alfabetização inicia no momento em que a criança se torna um “ser social”, começa a ter seus primeiros contatos, fora do âmbito familiar. A alfabetização é um processo complexo que envolve vários componentes e necessita de diferentes competências. A aprendizagem da escrita e da leitura não é inata, instintiva e naturalmente adquirida como a fala. A leitura e a escrita é uma invenção cultural, uma construção, que precisa ser ensinada por métodos que orientem esse processo.
Sendo assim, a alfabetização se inicia bem cedo?
Exatamente. Sabemos que as diferentes áreas do cérebro desenvolvem em diferentes etapas. A linguagem e o processo visual se desenvolvem de maneira acentuadamente entre 2 e 6 anos. Assim, esta etapa é considerada a melhor fase para a alfabetização.
A alfabetização vai além do saber ler e escrever, não é mesmo? No processo de alfabetização, a criança desenvolve outras habilidades. Quais são elas?
Na alfabetização, a criança precisa desenvolver muitas habilidades. Essa faixa etária de 2 a 6 anos é primordial para o desenvolvimento integral da criança, nos diversos aspectos: cognitivo, afetivo, social, motor, linguagem, memória… O conjunto de todos estes aspectos, leva a uma alfabetização eficaz, harmoniosa e prazerosa. A aprendizagem da escrita não é apenas decodificação, é necessária uma forma mais abrangente de entender a prática social da língua escrita que, quer dizer, o letramento.
Por que a matemática tem papel importantíssimo nesse processo?
A matemática é de suma importância pois desenvolve o pensamento lógico, essencial para a construção do conhecimento em todas as áreas.
Com a escola agora virtual, como está sendo o aprendizado infantil?
Acredito que com a falta de interação com professor e colegas, o aprendizado está bastante comprometido, principalmente na alfabetização, quando é necessário a intervenção constante do professor, levando até a uma desmotivação.
Quais as consequências desse novo formato de ensino no aprendizado das nossas crianças?
São várias, entre elas as consequências sérias de abandono escolar e desinteresse, levando a uma lacuna na aprendizagem. Também problemas familiares, com dificuldade no acompanhamento das aulas.
Um ano e meio sem aula ou, para quem pode, aulas virtuais. Qual é a perda real de aprendizado para as nossas crianças?
Houve uma grande perda, não só no contato social, como no conteúdo, devido a desatenção, a dificuldade em participar das aulas on-line e a falta de rotina, necessária no dia a dia da criança. São danos que dificilmente serão resgatados.
De que maneira o fantasma da morte e as medidas sanitárias têm influenciado negativamente este aprendizado?
Sem entender bem a situação, as crianças em confinamento passaram a ter uma dependência maior dos pais e, consequentemente, a um desinteresse pelas aulas.
Além desse quadro há outros efeitos colaterais? Quais?
Muitos efeitos, como, desmotivação, desatenção, tristeza, irritabilidade, agitação, mais uso de eletrônicos, causando problemas visuais…
Podemos, então, dizer que o emocional das nossas crianças não está nada bom, não é mesmo?
Sim, com certeza. Com a falta de rotina, houve um abalo emocional, levando ao estresse. A falta de interação com amigos e familiares (avós, tios, primos) também levaram algumas crianças à depressão.
Como os professores estão lidando com esta situação?
Professores tiveram uma grande mudança nos seus trabalhos, na adaptação de suas aulas para on-line, começando com a aprendizagem da tecnologia, produção de material e o grande desafio de manter a concentração dos alunos. Verdadeiros guerreiros, nesta batalha, mas muito comprometidos em suas funções.
De que maneira o aprendizado pode ser medido?
Através de observação na participação das aulas, provas periódicas, trabalhos apresentados … Ele deve ser feito diariamente, desde a educação infantil, sendo necessário para verificar se as habilidades estão sendo satisfatórias em cada conteúdo.
Durante a pandemia, já houve alguma medição neste sentido?
Sim, no nosso caso, durante todas as aulas remotas há avaliações para verificar o aproveitamento do aluno, até mesmo, para revisar conteúdos não aprendidos
Como será o retorno às aulas para essas crianças? Quais as expectativas delas?
Acredito que será de muita motivação para as crianças. O sair de casa, o contato com os amigos, o retorno as salas de aula, acredito, elas estão muito ansiosas e desejosas que isto aconteça em breve.
Como a senhora vê o pós-pandemia?
Não voltaremos mais do mesmo jeito. Haverá mudanças nas aulas tradicionais, usando mais a tecnologia. Mas, o mais importante será a interação criança\criança, criança\professor, elos importantes na aprendizagem.
Quais lições que podemos tirar desse momento?
Este é um momento de muita reflexão para que haja mais sensibilidade, empatia e respeito ao próximo, fazendo também do ambiente escolar um lugar seguro e acolhedor.
Quais orientações que pode dar aos pais?
Que eles estejam atentos aos filhos, a suas emoções e que os orientem sobre o respeito aos cuidados que devem ter no retorno das aulas. Os desafios psicossociais devem ser priorizados.