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O termo “estresse de minoria” vem ganhando espaço na literatura científica para descrever o impacto na saúde decorrente do conjunto de pressões sociais, discriminação e microagressões que grupos historicamente marginalizados enfrentam no cotidiano. Esse tipo de estresse, crônico e contínuo, está associado a uma série de alterações fisiológicas e psicológicas, incluindo distúrbios hormonais, aumento de inflamação sistêmica e maior risco de ansiedade e depressão.
Segundo o endocrinologista Leonardo Alvares/SãoPaulo/SP, especialista em saúde de pessoas transgênero, o impacto do estresse de minoria vai muito além do emocional. “A exposição constante a situações de preconceito ativa respostas hormonais semelhantes às do estresse agudo, mas de forma prolongada. Isso eleva o cortisol e desregula o metabolismo, podendo afetar a imunidade, o sono, o peso corporal e a saúde cardiovascular”, explica.
Um estudo da American Psychological Association reforça que o estresse de minoria é um dos principais fatores de risco para o adoecimento mental e físico em pessoas LGBTQIAPN+. No caso das pessoas trans, o efeito é ainda mais severo devido à exclusão em múltiplos ambientes, como social, familiar, educacional e da saúde.
A crueldade do preconceito – No Brasil, esses efeitos também são evidentes. Um levantamento do Ministério da Saúde, realizado em parceria com a Fiocruz, mostra que mais de 60% das pessoas LGBTQIAPN+ já relataram sintomas de ansiedade ou depressão, e mais de 40% afirmaram evitar procurar atendimento médico por medo de sofrer discriminação. Entre jovens LGBTQIAPN+, dados da ABGLT e da Rede Trans Brasil revelam que a tentativa de suicídio é até quatro vezes maior do que entre jovens heterossexuais e cisgêneros. Esses dados reforçam que o preconceito, o estigma e a exclusão social têm consequências diretas sobre a saúde dessa população.
Quando o olhar se volta para as pessoas trans, o cenário torna-se ainda mais alarmante. Além das violências compartilhadas com o restante da comunidade LGBTQIAPN+, esse grupo enfrenta exclusões adicionais em múltiplos espaços: social, familiar, educacional e, principalmente, no acesso à saúde.
Para se ter ideia, estudo publicado na Revista Ciência & Saúde Coletiva (Fiocruz, 2021) mostrou que 67,2% das pessoas trans apresentaram sintomas depressivos, 67,7% relataram ideação suicida e 43,1% já tentaram suicídio. Esses dados apontam que o estresse de minoria está diretamente associado a esses desfechos, revelando o impacto cumulativo da violência e da ausência de suporte social.
Alvares, que é autor do livro “Saúde de Pessoas Transgênero – Práticas Multidisciplinares”, o primeiro do mundo sobre o tema, comenta que esses números refletem o quanto o preconceito cotidiano afeta o bem-estar e a sobrevivência dessa população: “Esses dados mostram que não estamos falando de exceções, mas de uma realidade que atravessa a vida da maioria das pessoas trans no Brasil. Quando mais de 60% relatam sintomas depressivos e quase metade já tentou tirar a própria vida, isso evidencia que o problema não é individual, é estrutural. O estresse de minoria é a tradução biológica e emocional do preconceito, e a medicina precisa reconhecer isso para cuidar de forma integral.”
Elo invisível – Em pesquisas recentes conduzidas por Alvares, publicadas em periódicos internacionais – como o British Journal of Sports Medicine e o Journal of Sexual Medicine-, já é possível observar como fatores psicossociais influenciam parâmetros fisiológicos e metabólicos de pessoas trans, inclusive na prática de atividade física. “Nosso corpo responde ao ambiente. Se o ambiente é hostil, ele reage. O estresse de minoria é, em essência, uma resposta biológica a uma sociedade que ainda não aprendeu a acolher”, complementa o médico.
O estresse de minoria expõe o elo invisível entre o preconceito e o adoecimento coletivo. Ele mostra que a desigualdade não é apenas social, mas também corporal: ela se manifesta na saúde mental, no metabolismo, na imunidade e na longevidade das pessoas. Superar esse cenário exige reconhecer que a saúde inclusiva não é um ideal distante, e, sim, uma urgência.
Conforme enfatiza o Dr. Leonardo Alvares, profissionais precisam ser formados e atualizados para acolher a diversidade, políticas públicas devem ser desenhadas com base em evidências e o compromisso com o cuidado deve ser compreendido como um ato político e humano.
