Dr. Rômulo Molinari e Dra. Rafaela Scariot, cirurgiões buco maxilo facial
Um estudo inédito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) revelou que pessoas com alterações no posicionamento dos ossos da face e dos dentes, conhecidas tecnicamente como deformidades dentofaciais, apresentam níveis significativamente maiores de insatisfação com a própria aparência e vulnerabilidade psicológica em comparação à população sem alterações faciais. A pesquisa também identificou sinais compatíveis com uma condição psiquiátrica, o transtorno dismórfico corporal (TDC), em parte desses pacientes, apontando para a necessidade de uma abordagem mais ampla e integrada no cuidado à saúde facial.
O estudo foi conduzido no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFPR, com a participação de voluntários, sendo a metade com deformidades dentofaciais e a outra metade sem alterações estruturais na face. Entre os indivíduos com deformidades, 30% apresentaram indícios de transtorno dismórfico corporal, condição caracterizada por uma preocupação excessiva e persistente com defeitos percebidos na aparência. Esses resultados reforçam a importância de compreender a dimensão psicológica envolvida nas deformidades faciais, que afeta não apenas a estética, mas também o bem-estar emocional e a autoestima.
O transtorno dismórfico corporal, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, é uma condição psiquiátrica que provoca sofrimento intenso e impacto direto nas relações pessoais e profissionais. Em casos mais severos, está associado à ansiedade, isolamento social e depressão.
No contexto das deformidades dentofaciais, o distúrbio tende a se manifestar de forma mais complexa, já que a insatisfação com a aparência se soma às limitações funcionais e às dificuldades de socialização que, muitas vezes, acompanham essas condições.
Os resultados do trabalho indicam que a cirurgia ortognática, frequentemente indicada para a correção das deformidades dentofaciais, deve ser vista como parte de um processo terapêutico mais abrangente, que inclua suporte psicológico antes e depois da intervenção. Embora a correção cirúrgica possa melhorar a harmonia facial e restaurar funções como a mastigação e a fala, o impacto positivo na autoimagem depende também da forma como o paciente percebe a própria transformação.
A pesquisa chama atenção para o fato de que expectativas irreais e pressões estéticas podem intensificar a insatisfação, especialmente em uma sociedade cada vez mais voltada à imagem pessoal e às comparações nas redes sociais. Essa exposição constante pode acentuar o sofrimento de indivíduos que já apresentam fragilidades na autoimagem, tornando fundamental o acompanhamento psicológico no processo de diagnóstico e tratamento.
Para além das implicações clínicas, o estudo reforça a necessidade de uma visão interdisciplinar no tratamento das deformidades faciais. O envolvimento conjunto de cirurgiões bucomaxilofaciais, ortodontistas, psicólogos e psiquiatras é essencial para garantir um cuidado integral e humanizado, que considere o paciente em todas as suas dimensões — física, emocional e social.
O trabalho conduzido na UFPR foi tão relevante que mereceu uma publicação científica na mais recente edição do Journal of the Brazilian College of Oral and Maxillofacial Surgery (JBC MS).
O estudo amplia o debate sobre a relação entre saúde mental e procedimentos estéticos e reconstrutivos, tema ainda pouco explorado no Brasil. Ao evidenciar que a autoimagem e o equilíbrio psicológico têm papel central no sucesso terapêutico, a pesquisa contribui para a construção de protocolos clínicos mais completos e humanizados. A investigação reforça, por fim, que cuidar do rosto vai muito além de corrigir imperfeições visíveis: é também uma forma de promover saúde emocional e restaurar a confiança diante do espelho.
