*Por Rafael Kenji Fonseca Hamada | Médico e CEO da Feluma Ventures
Levar o filho ao médico geralmente é uma missão difícil para os pais. O medo da consulta, pelo imaginário associado a dor e ao sofrimento, cria uma associação negativa ao cuidado nas crianças, e, até mesmo, nos adultos, afinal, o médico é a pessoa que diagnostica problemas que não gostaríamos de ouvir. O jaleco branco já estimula o choro e a sensação de que algum sofrimento está próximo. Muitas vezes esse sofrimento vem em forma de injeção.
Desde o nascimento, com as primeiras doses das vacinas BCG e hepatite B, o crescimento da criança é marcado pela série de vacinas que são fornecidas pelo maior esquema de vacinação do mundo, o Programa Nacional de Imunizações (PNI).
O Brasil, referência mundial no assunto, com a maior cobertura vacinal dentre todos os países, também se torna referência na cobertura de pacientes vacinados contra a covid-19. Agora, é a vez das crianças com idade acima de 5 anos.
Como reforçar a importância das vacinas e facilitar a adesão das crianças ao acompanhamento médico?
O Zé Gotinha, personagem infantil que representa o PNI e que tem um grande papel em desmistificar a vacinação, ganha reforço de outras iniciativas que mostram como realmente funcionam os procedimentos de saúde, como o projeto “Hospital de Ursinhos”. A iniciativa foi criada na Noruega por acadêmicos de medicina da Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina (IFMSA) e, atualmente, existe em vários países.
Os estudantes de medicina “atendem” os ursinhos de pelúcia acompanhados pelas crianças, transformando o adoecer e suas implicações em um ambiente tranquilizador e explicativo. Primeiramente, as crianças relatam as queixas de seu ursinho de pelúcia para, então, o médico fazer uma anamnese.
As crianças percorrem um ambiente hospitalar formado por vários setores. Gradativamente, elas seguem pela Recepção, onde a ficha do paciente é preenchida; passam pelo clínico geral, quando são feitos a entrevista, os exames físicos (palpação, ausculta etc.), são anotados as medidas e o peso; são feitos os raios-X; a tomografia; o ultrassom; a cirurgia; e pela Sala de Curativos, os medicamentos e a vacinação. Tudo é de brinquedo, do curativo à seringa, e todos os procedimentos são feitos no ursinho. As crianças são colocadas no papel de pais e passam por todos os setores. A expectativa é que elas, após vivenciarem essa experiência, aceitem melhor os procedimentos de saúde que poderão ser submetidas daqui para frente.
Não precisamos ir longe para trazer outras iniciativas semelhantes, como os Doutores da Alegria e demais projetos que levam palhaços a clínicas e hospitais. Esses projetos contribuem para reduzir a mistificação criada acerca do ambiente hospitalar utilizando um personagem peculiar do imaginário infantil, o palhaço, vestido de jaleco, associando a imagem do médico a algo agradável.
Já existem estudos que comprovam uma associação positiva entre o riso e a defesa do organismo. Tal hábito aumenta o número e a atividade dos linfócitos T, além de aumentar a concentração dos anticorpos da classe IgA e de interferon gama, contribuindo para a redução do estresse e o fortalecimento do sistema imunológico.
Esses resultados nos direcionam para um aumento do número de startups voltadas à saúde da criança, impulsionado pelo aumento do investimento em healthtechs nos dois últimos anos. Como ainda temos dificuldade em diagnosticar as dores do mercado infantil, ainda existem poucas soluções para a população abaixo de 18 anos de idade, que, de acordo com a Estimativa IBGE para 2019, chega ao número aproximado de 53 milhões de pessoas, 35,5 milhões delas com menos de 12 anos de idade.
O grande desafio é entender que saúde também é assunto de criança e que novas soluções estão sendo desenvolvidas para fornecer um melhor atendimento a essa população.