Psiquiatra André Pires: “é comum que essas mães se sintam sobrecarregadas e exaustas, o que pode levar a um esgotamento emocional”
A jornada de mãe de filhos com autismo, especialmente aquelas com diagnósticos mais severos, é marcada por desafios e emoções intensas. A rotina atribulada, a incerteza sobre o futuro e a necessidade de cuidados constantes podem levar a um desgaste emocional significativo, colocando em risco a saúde mental dessas cuidadoras.
“A espera por um filho costuma ser um momento de alegria e esperança. No entanto, o diagnóstico de autismo pode trazer consigo uma série de incertezas e preocupações”, afirma a psicóloga Natália Inês Costa, diretora do Censa Betim/MG, instituição referência no atendimento a adultos com deficiência intelectual e autismo severo.
Conforme ressalta também o psiquiatra André Pires, diretor do Censa Betim/MG, quando o autismo é severo, a situação ainda é mais desafiadora. “No autismo nível 3, os indivíduos apresentam dificuldades mais acentuadas e maiores comprometimentos, tendo iniciativa muito limitada e grande dificuldade para conversar e expressar o que desejam. É comum que o autismo venha acompanhado de deficiência intelectual e epilepsia. Geralmente são pessoas que precisam de suporte e cuidado para todas as atividades diárias, como tomar banho, escovar os dentes. O quadro clínico costuma a avançar com a idade”.
O peso do cuidado – Pesquisas indicam que mães de autistas estão mais propensas a desenvolver transtornos como depressão e ansiedade. A falta de tempo para si, o isolamento social e a constante preocupação com o futuro do filho são fatores que contribuem para esse quadro. “É comum que essas mães se sintam sobrecarregadas e exaustas, o que pode levar a um esgotamento emocional”, observa Pires, lembrando, no entanto que nem toda mãe de autista desenvolverá depressão.
Segundo ele, “a depressão é multifatorial e não é somente o fato de ter um filho autista que vá fazer com que uma pessoa tenha depressão, mas, dependendo da personalidade, da carga genética, de outros fatores envolvidos, ter um filho autista pode, sim, ser um fator a mais de risco para que o cuidador desenvolva a depressão”.
Também não é raro que núcleos familiares mais vulneráveis sejam compostos apenas pela mãe ou avó. “Em muitos casos, os pais deixam as companheiras depois de um diagnóstico de um filho com autismo severo, sobrecarregando ainda mais as mulheres que assumem sozinhas a responsabilidade pelos filhos”, pontua o psiquiatra.
A ansiedade também é muito comum em cuidadores de autistas. “Muitas delas têm receio e preocupação com o futuro de seus filhos. Se perguntam como vai ser lá na frente. Então, existe esse medo, essa necessidade de lidar com o imprevisível de um comportamento. E isso tende a gerar muita ansiedade”, observa.
Além da depressão e ansiedade, distúrbios do sono também são frequentes entre essas cuidadoras. “Muitas mães são privadas de sono, tendo que passar noites sem dormir durante anos. Muitos autistas adultos continuam tendo crises acentuadas e podem passar horas e dias sem dormir. Isso pode levar a problemas crônicos do sono e, consequentemente, a um maior estresse e irritabilidade”.
De acordo com o diretor do Censa Betim/MG, uma maneira de aliviar essa ansiedade é o uso de técnicas de relaxamento ou buscar ajuda de profissionais que trabalham com essas técnicas ou atividades físicas. Conforme destaca André Pires, a terapia cognitiva também é uma importante ferramenta. Segundo ele, a terapia cognitiva comportamental é a técnica que mais tem ajudado mães de autistas lidarem com essas questões.
Acolhimento – A assistente social Graça Maduro, 68 anos, passou por uma das piores dores que uma mãe pode enfrentar. Há quatro anos, ela perdeu a filha Caroline (30), em decorrência de uma parada cardiorrespiratória. Caroline era autista nível 3 (grau severo) e teve diversas complicações ao longo da vida pela condição do espectro. Diante do sofrimento, Graça encontrou um novo propósito e foi à luta para ajudar outras mães com filhos com autismo severo e criou o projeto Mundo da Carola, em 2022, que acolhe 43 famílias com medicamentos, doações de alimentos e ajuda jurídica.
Caroline foi diagnosticada com TEA aos três anos. Adotada com um ano e três meses, a mãe logo percebeu comportamentos atípicos. “Quando a gente a adotou nós vimos que tinha algo diferente com ela e fomos em busca de respostas. As mães de autistas, muitas vezes, não sabem o que as esperam. Foi desafiador. Na época não havia tanto conhecimento sobre o espectro como se tem hoje”, comenta.
Graça Maduro conta que teve que fechar a escola que era proprietária para cuidar da filha. “A Caroline demandava muitos cuidados e tínhamos que cuidar muito de perto. Larguei o trabalho e fui cuidar da minha filha com a ajuda do meu marido. O autismo severo é muito difícil. Com o passar do tempo ela foi ficando mais agressiva. Eu tinha condições, tinha rede de apoio e contei com uma equipe para me ajudar. O TEA geralmente nunca está sozinho. Minha filha desenvolveu várias outras comorbidades”.
Apesar de toda rede de apoio, Graça Maduro teve medos e inseguranças. “A gente não consegue fazer uma projeção de futuro. Uma criança autista será dependente a vida toda. O grande medo das mães de autistas é quem vai cuidar de seus filhos quando elas se forem. A Carola foi antes de mim porque ficou muito doente, mas várias mães passam por isso todos os dias, esse medo, essa preocupação. Eu já estava chegando ao meu limite”.
Socorro – De acordo com a criadora do projeto Mundo da Carola, “ninguém cuida de quem cuida. As mães de autistas pedem socorro. Muitas estão deprimidas, ansiosas e não têm condições de comprar os remédios necessários e nem fazer terapias. Além disso, a grande maioria não tem rede de apoio. São mães que precisam de terapia, atendimento psiquiátrico. É um sofrimento emocional que a pessoa pode perder o controle mesmo”, desabafa.
Rede de apoio – Tem um médico bastante conhecido nas redes sociais, que diz que o autismo em famílias pobres é impossível de ser tratado. É necessário de um acompanhamento multidisciplinar, e na rede pública, esse tratamento demora meses para uma pessoa vulnerável consegui-lo.
Uma das formas de ajudar as mães de autistas é conectá-las, assim, a grupos de apoio. Hoje existem vários grupos de famílias autistas em comunidades nas redes sociais. Esse é um espaço que as mães, por exemplo, têm para conversar com outras mães. Ela vai aprender a lidar mais com esse estresse, a não se sentir tão isolada socialmente.