Saúde mental: procrastinação pode ser sinal de alerta. Conheça alguns tipos clássicos de proteladores e como superar o problema
Psicóloga Sabrina Amaral: “muitos procrastinadores acabam perdendo excelentes oportunidades no ambiente corporativo e acadêmico por falta de pontualidade”
Estudos da 10ª Conferência de Pesquisa sobre Procrastinação fornecidos pelo professor de psicologia na Universidade DePaul, Joseph R. Ferrari, e divulgados pelo Jornal New York Times, trazem números surpreendentes: uma em cada cinco pessoas se enquadra na categoria chamada de procrastinadores crônicos. Essas pessoas adiam compromissos sistematicamente até o último minuto em várias áreas de sua vida: pessoal, corporativa, financeira e social.
A procrastinação, chamada popularmente de ‘empurrar com a barriga’, é o ato de adiar o cumprimento de uma tarefa que precisa ser realizada. Tal prática resulta em grandes problemas para qualquer pessoa que esteja tentando alcançar seus objetivos profissionais ou pessoais. “Procrastinar é algo normal, todos nós procrastinamos em alguma instância da vida. O problema é quando este comportamento se torna recorrente. Muitos procrastinadores acabam perdendo excelentes oportunidades no ambiente corporativo e acadêmico por falta de pontualidade, podendo gerar também graves problemas de saúde e bem-estar, incluindo depressão e ansiedade”, destaca a psicóloga especialista em neurociência aplicada ao comportamento humano, Sabrina Amaral, de Campinas-SP
Um exemplo é a pedagoga, Karen Regina da Silva Dias, 46, que decidiu pedir ajuda quando se deu conta da procrastinação. “Muitas coisas que eu começava não dava continuidade, como a leitura de um livro por exemplo”, explica. No início de 2022, durante o processo de avaliação neuropsicológica do filho de sete anos, com suspeita de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), ela se identificou com as características e fez uma avaliação para detectar TDAH também. “O diagnóstico foi positivo, o que explicou como eu vinha me comportando, procrastinando até nas tarefas mais simples como organizar a casa. A partir daí comecei a me policiar mais e me esforçar para concluir aquilo que começava. Me ajudou muito, principalmente quando precisei redigir o TCC do meu curso de pós-graduação”, descreve Karen.
A vontade de deixar para amanhã nem sempre é preguiça, mas sintoma de outras questões psicológicas mais severas, destaca a especialista Sabrina Amaral. De acordo com ela, a procrastinação é um comportamento que afeta a produtividade e o bem-estar emocional, levando ao estresse, exacerbando o sentimento de culpa e a sensação de arrependimento. “A pessoa que procrastina tem consciência da importância de realizar uma tarefa. Contudo, não consegue transformar a intenção em ação e concluí-la, o que traz muita ansiedade e angústia”, explica.
Tipos clássicos – Conheça alguns tipos clássicos de procrastinadores, destacados pela especialista:
- PERFECCIONISTAS – Esperam muito de si mesmos e procrastinam por medo de não serem capazes de alcançar a perfeição. Eles podem acreditar que não são bons o suficiente para completar a tarefa com o nível de qualidade que desejam.
- INDECISOS – Por não conseguirem tomar uma decisão ou por medo de errar, acabam presos em um ciclo de análise excessiva, ponderando as opções sem conseguir chegar a uma conclusão.
- OTIMISTAS – Subestimam o tempo e a energia necessários para completar uma tarefa e, consequentemente, deixam tudo para a última hora. Acreditam que conseguirão realizá-la rapidamente, mas acabam esquecendo os obstáculos e as complicações que podem surgir.
- DISTRAÍDOS – São facilmente fisgados por outras atividades, ou por estímulos externos como, notificações em dispositivos eletrônicos. Costumam ter dificuldade em manter o foco e a atenção na tarefa em questão.
- ESTRESSADOS – São aqueles que estacionam por causa do estresse ou da ansiedade em relação à tarefa em questão. Sentem-se sobrecarregados e incapazes de lidar com a pressão, e a procrastinação pode ser uma maneira de lidar com esses sentimentos.
- VICIADOS – Aqueles que procrastinam até o último minuto, uma vez que gostam de sentir altos níveis de adrenalina e tensão, seguidos por uma descarga enorme de dopamina (hormônio da realização e bem-estar) quando finalizam a tarefa em cima da hora, com bons resultados.
A especialista lembra que existem questões psicológicas que apontam para a dificuldade em começar e terminar atividades, por exemplo:
- TRANSTORNOS DO HUMOR – A procrastinação pode ser um sintoma de depressão, que costuma deixar a pessoa sem energia ou motivação para realizar tarefas cotidianas.
- ANSIEDADE – A ansiedade pode impedir o desenrolar de uma tarefa por medo de fracassar ou não ficar perfeita.
- TRANSTORNOS DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH) – A procrastinação é uma característica comum do TDAH, já que a pessoa pode ter dificuldade em manter o foco e a atenção em uma tarefa específica, como acontecia com a Karen.
- BURNOUT – Quando as pessoas estão exaustas e têm muitas tarefas a fazer, acabam procrastinando porque não sabem por onde começar. Outras vezes, por se sentirem sobrecarregadas e sem energia.
Ajuda qualificada – De acordo com Sabrina Amaral, a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) vem alcançando sucesso com procrastinadores. “Uma das coisas que trabalhamos na psicoterapia é ajudar o paciente identificar e desafiar pensamentos negativos, que podem levar à procrastinação como, não ser bom o suficiente ou acreditar que algo é muito difícil, e substituí-los por pensamentos mais positivos e realistas”.
Para a pedagoga Karen, a terapia a fez descobrir a raiz do problema em relação à procrastinação. “Aqueles traumas de infância, bullying e crenças limitantes, que meus pais e educadores escolares colocaram sobre minha formação, foram responsáveis em boa parte pelos pensamentos e atitudes procrastinadoras. O processo terapêutico me ajudou a identificar e quebrar o vínculo que eu ainda tinha com essa parte do meu passado e, hoje, me sinto mais confiante”, explica.
Outro ponto destacado pela psicóloga Sabrina Amaral, é o quão importante é aprender a lidar com a ansiedade, descobrir os benefícios da respiração profunda e da meditação. “A prática da autocompaixão é maravilhosa para trabalhar a autocrítica. Quando procrastinamos, através dela, aprendemos a nos perdoar, a acalmar os pensamentos punitivos e ter uma fala interna mais gentil conosco mesmo. Isso nos ajuda a construir uma visão mais realista ao perceber que todo mundo procrastina em algum momento e que isso não define quem somos em nossa totalidade”, comenta.
Uma dica da psicóloga é, durante a execução de uma tarefa, dar uma pausa, se afastando por um curto período, o que pode ajudar a limpar a mente e reduzir a pressão.
“Para sair do looping de pensamentos negativos, pare, respire profundamente por alguns minutos, para ajudar a acalmar a mente. Depois disso, encare a tarefa de frente, divida-a em pequenas partes para ficar mais fácil de você organizar no tempo e no espaço. E lembre-se de celebrar cada etapa cumprida”, orienta a psicóloga.
Embora a procrastinação não possa ser evitada totalmente, conhecer os motivos pelos quais ela acontece e aprender a superar essas tendências pode ajudar. “A verdade é que não existe um “estado de espírito ideal” ou “o momento certo” para começar uma tarefa, especialmente aquela mais chata. Isso é uma verdadeira ilusão. Ao invés de ficar esperando, busque ajuda: fale com um amigo, mentor, ou colega de trabalho que possa te ajudar a se motivar e ter uma perspectiva mais positiva. O importante é persistir!”, conclui Sabrina.