Nos últimos anos, 70% dos casos de Doença de Chagas no Brasil foram devido a contaminação por alimentos, sendo o principal deles o açaí
Neste 14 de abril foi comemorado o Dia Mundial da Doença de Chagas. A data foi criada com o objetivo principal de alertar a população para a importância da conscientização da doença, que atinge cerca de 8 milhões em todo o mundo e 1,9 a 4,6 milhões no Brasil.
Causada por um parasita e transmitida principalmente através do inseto “barbeiro”, a doença tem como agente causador o protozoário Trypanosoma cruzi, que, no homem e nos animais, vive no sangue periférico e nas fibras musculares, especialmente as cardíacas e digestivas. Endêmica nos países da América Latina, a Doença de Chagas está presente em muitos outros, devido à globalização, tornando-se um problema de saúde global.
Os sintomas são variados, dependendo das duas fases da doença. Na fase aguda, a maioria dos casos não apresenta sintomas, dificultando o diagnóstico e o tratamento precoce. Na fase crônica, podem se manifestar complicações cardíacas ou digestivas – que surgem depois de muitos anos, afetando o coração, causando arritmias e outros transtornos, além de afetar o sistema digestivo, causando dilatação do esôfago e do cólon. Outros sintomas na fase crônica podem ser desmaios, palpitações, dores no peito, inchaço dos membros inferiores e dores abdominais.
Um grupo de cientistas do Instituto do Coração (Incor-USP) identificou que o paciente com Doença de Chagas sofre aumento contínuo do volume do coração e pode morrer de insuficiência cardíaca. “Cerca de 15% dos casos de insuficiência cardíaca se dá pela doença. Ou seja, é a cardiomiopatia mais grave, que mata muito mais do que outras”, expõe o pesquisador e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) Odilson Silvestre, diretor financeiro do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Contaminação – Um fator importante é que, ao longo do tempo, a Doença de Chagas mudou sua face. No passado, era transmitida diretamente pela picada do barbeiro, que se alojava em casas de taipa, principalmente em regiões mais pobres. Com a melhoria das moradias, essa forma de contaminação vetorial diminuiu, ocorrendo especialmente por alimentos.
Nos últimos anos, 70% dos casos de Doença de Chagas no Brasil se deram por contaminação por alimentos, sendo o principal deles o açaí. Mas há casos por consumo de caldo de cana, bacaba e outros sucos típicos da região norte do país. O período de maior quantidade de ocorrências, especialmente de Chagas aguda, é justamente quando o açaí é mais colhido e preparado, e o estado mais afetado é o Pará, maior produtor da fruta no Brasil.
Importante lembrar que o açaí industrializado passa por um processo de branqueamento, que consiste em aquecê-lo a 80° e lavá-lo com um produto especial, que acaba inativando o protozoário. Quando o açaí é preparado de forma manufaturada pelo pequeno produtor e ele não segue este processo, mesmo sendo bem orientado a fazê-lo, corre o risco de comercializar o produto contaminado. Por isso, a grande recomendação é que as pessoas conheçam a procedência do açaí consumido, ou seja, se quem produz segue as regras da vigilância sanitária e do Ministério da Saúde, especialmente o processo de branqueamento. Cabe ao governo aprovar a atividade dos produtores para garantir a segurança do alimento. “O açaí que segue para o sudeste é industrializado, portanto, mais seguro, mas no Norte, as pessoas compram diretamente do produtor ou vão ao Mercado Municipal, dificultando o controle”, destaca o diretor da SBC Odilson Silvestre.
Surtos – No caso de alimentos, a Doença de Chagas acontece em surtos. Na Amazônia, é comum reunir os vizinhos para consumir o açaí, preparado manualmente por eles mesmos. Se houver contaminação, muitas pessoas são afetadas ao mesmo tempo.
O surto mais recente, não relacionado ao açaí, mas com um alimento não identificado, aconteceu na cidade de Ibirimim, no Sertão de Pernambuco, em 2019. Vinte casos foram confirmados em laboratório e outros cinco através de análise clínica e epidemiológica, o que tornou esta ocorrência a maior do gênero no Brasil.
De acordo com o cardiologista Múcio Tavares, presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da SBC, a absorção gástrica é muito rápida e a quantidade de Trypanosoma cruzi é grande, então as chances de Doença de Chagas aguda e aguda fatal são altas.
Antigamente não existia “um alarme”, as pessoas não sabiam muito sobre Doença de Chagas aguda. Quando o paciente chegava ao hospital com um quadro infeccioso, com febre, lesões na pele e falta de ar causada por insuficiência cardíaca, não havia um diagnóstico preciso para detectar a doença. “Foram registradas 25% de mortes nesses casos por falta de diagnóstico. Atualmente, os médicos já estão mais aptos a reconhecer, e a mortalidade por Doença de Chagas aguda caiu para 2%”, conta o pesquisador e professor Odilson Silvestre.
Manifestações – A Doença de Chagas se apresenta de várias formas: indeterminada, arritmogênica, de insuficiência cardíaca e de alteração eletrocardiográfica, sem disfunção ou sem sintomas, conforme explica o presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca da SBC, Múcio Tavares.
Pela forma indeterminada, o indivíduo com sorologia positiva para Doença de Chagas não apresenta nenhuma manifestação clínica, nem no eletrocardiograma. A manifestação ou a gravidade da doença é dependente do grau de infestação e reinfestação da pessoa. Os indivíduos que moram em zonas endêmicas, ou seja, em casas onde o barbeiro se aloja, podem ter formas mais acentuadas do que aqueles que foram contaminados apenas uma vez.
As manifestações da Doença de Chagas não são apenas cardíacas. Elas podem ser extra cardíacas, mais especialmente com megaesôfago e megacólon. Quando ela se manifesta com doença cardíaca, ocorre uma dilatação progressiva do coração e perda de função. O parasita existe no coração, mas ele parece não estar em atividade na forma crônica. Por estar na célula cardíaca, não existe tratamento específico.
“Só há tratamento para a forma aguda, quando a doença se manifesta com morte súbita, arritmia rápida, arritmia lenta (bloqueios cardíacos) ou insuficiência cardíaca. E essas quatro formas podem, muitas vezes, acontecer juntas”, explica Tavares sobre a manifestação arritmogênica.
De acordo com o cardiologista Múcio Tavares, quando a Doença de Chagas causa insuficiência cardíaca, é uma das causas da insuficiência cardíaca de pior evolução ao longo do tempo. Dentro das miocardias, a Doença de Chagas é uma das doenças de pior prognóstico, e o tratamento crônico é o mesmo de outras patologias. Outro dado importante é que na forma de alteração eletrocardiográfica, a doença pode se manifestar no ECG como miocardite aguda e arritmias.