SOCESP desaprova a liberação do cigarro eletrônico no país

Por: Ieda Jatene, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP; Marcelo Franken, diretor da SOCESP; Jaqueline Scholz, especialista em tratamento do tabagismo e assessora científica da SOCESP.

Imagem: Pixabay

          A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo vê com enorme preocupação as discussões sobre a venda, a importação e a publicidade dos cigarros eletrônicos no Brasil. No mês passado, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado realizou audiência pública para analisar a regulamentação da comercialização do produto no país.

O tabaco ainda é um problema de saúde pública no Brasil e a liberação dos eletrônicos só irá agravar a situação. Uma pesquisa da SOCESP, tabulada nesse ano e realizada no final do ano passado, constatou que 20,3% das pessoas que vivem no Estado de São Paulo fumam. Outros 22% se autodeclararam fumantes passivos, obrigados a conviver com a fumaça de familiares ou amigos. Os dados são de um estudo feito com 2.236 jovens, adultos e idosos, nas cidades paulistas de Araçatuba, Araraquara, Bauru, Osasco, Ribeirão Preto, São Carlos, São José do Rio Preto, Sorocaba, Vale do Paraíba e na capital São Paulo.

Os resultados contrariam os números oficiais, que identificaram queda no total de tabagistas maiores de 18 anos, a partir de 2003, quando o percentual apresentado foi de 22,4%, caindo para 18,5% em 2008. Em 2019, a Pesquisa Nacional da Saúde (PNS) apontava que apenas 12,6% dos adultos brasileiros fumavam. A contradição também alcança as pessoas expostas ao tabaco: 16,3% dos maiores de 18 anos seriam fumantes passivos.

A diferença entre o levantamento da SOCESP e as pesquisas do Governo pode ser justificada pelo uso progressivo dos cigarros eletrônicos que o Senado debate a liberação, principalmente entre os mais jovens.  O consumo de vapes apresentou um aumento significativo nos últimos anos, no mundo. Um dado recente da Inteligência em Pesquisa e Consultoria – IPEC – concluiu que seis milhões de brasileiros já experimentaram o cigarro eletrônico, mesmo sendo proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, desde 2009.

O número de usuários de cigarro eletrônico que tem a comercialização liberada é três vezes maior do que em nações, como o Brasil e a Tailândia onde são proibidos. Outra informação essencial é que países, como a Austrália e a Nova Zelândia que haviam liberado a venda voltaram atrás impondo restrições. A França também está estudando banir os vapes pelo uso alarmante entre os adolescentes (até 25% de fumantes nessa faixa etária).

Um estudo de prevenção cardiovascular – intitulado Estratégias de Tratamento da Dependência à Nicotina em Usuários de Cigarro Eletrônico – uma série de casos – provou o que a maioria dos especialistas já sabia: adeptos de cigarro eletrônico apresentaram índices de nicotina no organismo equivalentes aos de fumantes de mais de 20 cigarros convencionais por dia. Esta conclusão foi possível devido a exames de urina que detectaram concentração de nicotina metabolizada em medidas acima de 600 ng/ml. O trabalho foi apresentado, pela primeira vez, no 43º Congresso da SOCESP, realizado no semestre passado.

A nicotina presente nos vapes, assim como nos cigarros convencionais, libera adrenalina, que acelera o coração, aumenta o consumo de oxigênio e a pressão arterial e produz danos nas paredes das artérias, favorecendo aterosclerose, circunstânciasque podem levar ao infarto, ao AVC e à morte súbita. Além disso, os eletrônicos emitem mais nanopartículas que os cigarros convencionais. Estas partículas ultrafinas (100 nanômetros) são responsáveis pela asma, por lesões pulmonares e por agravos ao endotélio.

Alguns modelos, inclusive, funcionam com o “sal de nicotina (pods)”, que produz dependência mais rápida que o cigarro convencional.Ao ser inalada, ela estimula a liberação de neurotransmissores como a dopamina, responsável pela sensação de prazer, bem-estar e relaxamento, fartos motivadores para que o produto seja consumido mais e mais vezes. 

A SOCESP considera, de forma indubitável, que a liberação da venda, a importação e a publicidade dos cigarros eletrônicos são um enorme prejuízo para toda a sociedade e um risco à saúde pública comprometendo ainda mais o SUS já tão sobrecarregado.

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