“Apesar de o país ser referência em transplantes realizados pelo sistema público, o processo ainda enfrenta gargalos, desde a identificação de possíveis doadores até a luta contra a rejeição no pós-operatório”
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Na semana passada, o apresentador Fausto Silva, de 75 anos, passou por transplante de fígado e retransplante renal em um hospital de São Paulo. Segundo boletim médico divulgado na sexta-feira (8), o procedimento foi necessário devido à deterioração progressiva da função hepática e falência do rim transplantado anteriormente. Internado desde 21 de maio por uma infecção bacteriana aguda com sepse, condição grave que provoca inflamação generalizada e pode levar à falência de órgãos, Faustão foi incluído novamente na fila de transplantes do SUS, recebendo os órgãos conforme critérios de compatibilidade e urgência clínica.
A situação do apresentador chama atenção para um cenário que envolve milhares de brasileiros: a dependência de um órgão saudável para continuar vivendo. Hoje, o Brasil possui uma das maiores filas de espera por transplante de fígado, com cerca de 2.310 pessoas aguardando por um doador compatível. Apesar de o país ser referência em transplantes realizados pelo sistema público, o processo ainda enfrenta gargalos, desde a identificação de possíveis doadores até a luta contra a rejeição no pós-operatório.
De acordo com o cirurgião gastrointestinal Lucas Nacif, de São Paulo/SP, membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva (CBCD), entre as principais causas que levam os pacientes à fila de espera estão a cirrose alcoólica, hepatites virais crônicas (B e C), doenças genéticas como a deficiência de Alfa-1 antitripsina e a esteato-hepatite não alcoólica (NASH), cada vez mais comum devido à chamada síndrome metabólica – uma combinação de obesidade, resistência à insulina, hipertensão e sedentarismo.
“A gordura no fígado, por exemplo, parece algo simples, mas pode evoluir para inflamação, fibrose, cirrose e até câncer. E isso tudo pode acontecer sem que a pessoa perceba”, reforça o especialista, destacando alguns sintomas que merecem atenção imediata, especialmente em pessoas com fatores de risco. Entre os principais sinais de comprometimento hepático estão:
- Icterícia (amarelamento da pele e dos olhos)
- Inchaço abdominal
- Fadiga intensa
- Alterações cognitivas, como confusão e dificuldade de concentração
- Hematomas frequentes e sangramentos
Diante de qualquer um dos sinais de comprometimento hepático, como icterícia, inchaço abdominal, fadiga intensa ou alterações cognitivas, o ideal é procurar atendimento médico imediatamente, já que o diagnóstico precoce aumenta significativamente as chances de controlar a progressão da doença e evitar a necessidade de um transplante.
Ainda assim, a prevenção segue sendo a melhor aliada da saúde do fígado. Segundo o Dr. Lucas Nacif, algumas medidas fundamentais incluem manter uma alimentação equilibrada rica em vegetais, grãos e proteínas magras, praticar atividades físicas regularmente e realizar exames periódicos, como ultrassonografia e análises de sangue, para monitoramento contínuo da função hepática.
Em alguns casos, o transplante de fígado se torna a única saída. Isso acontece quando o órgão já não é mais capaz de desempenhar suas funções, mesmo com tratamento clínico. Situações como cirrose em estágio terminal, hepatite fulminante ou câncer hepático que não pode ser removido por cirurgia convencional são exemplos clássicos.
Como funciona o transplante e a jornada do paciente após a cirurgia – O procedimento envolve a substituição completa do fígado doente por um saudável, vindo de um doador que pode ser falecido ou, em alguns casos, vivo. O fígado é um dos poucos órgãos com capacidade de regeneração, o que torna possível a doação de parte dele em vida, geralmente entre familiares.
O Brasil conta com o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), responsável por organizar a fila de espera e definir critérios para a distribuição dos órgãos, sempre com base em urgência, compatibilidade e tempo de espera.
“Infelizmente, muitos pacientes ainda morrem esperando um órgão. Por isso, precisamos falar mais sobre doação. Expressar a vontade em vida e conversar com a família pode ser um gesto simples, mas que salva vidas”, destaca o Dr. Lucas Nacif.
O pós-transplante exige cuidados intensivos: o paciente é monitorado na UTI e, ao longo das semanas seguintes, passa por exames frequentes, acompanhamento com equipe multidisciplinar e uso contínuo de medicamentos imunossupressores, fundamentais para evitar a rejeição do novo órgão.
Com acompanhamento adequado, grande parte dos transplantados volta a ter uma vida ativa e saudável. “O transplante não é o fim da linha, mas, sim, o início de uma nova etapa. Com disciplina e acompanhamento, é possível recuperar a qualidade de vida e reescrever a própria história”, enfatiza o especialista.
Quem pode doar? – Nem todas as pessoas podem doar o fígado, mesmo manifestando o seu desejo, explica Nacif. “Para ser um doador, é necessário passar por uma avaliação médica rigorosa. No caso de doadores falecidos, a morte cerebral deve ser confirmada, e o doador precisa estar em boas condições de saúde antes do falecimento. Além disso, são realizados testes para garantir a compatibilidade entre o doador e o receptor, considerando fatores como tipo sanguíneo e tamanho do órgão.” esclarece.
No caso de doadores vivos, o cirurgião explica que processo é ainda mais criterioso. “Geralmente, são parentes próximos do receptor, como pais, irmãos ou filhos, e devem estar em excelente estado de saúde. Exames detalhados são realizados para avaliar a função hepática e garantir que o doador possa suportar a cirurgia. A capacidade de regeneração do fígado permite que uma parte do órgão seja doada, com ambos, doador e receptor, recuperando-se bem após o procedimento.”