Vigilância ativa: quando apenas observar é a melhor abordagem em câncer de próstata

Critérios bem estabelecidos permitem que oncologistas e urologistas selecionem os pacientes que podem usufruir dos benefícios da vigilância ativa, método que exige um monitoramento rigoroso. As principais indicações são para pacientes com tumores iniciais, de baixo risco, com crescimento lento e com expectativa de vida menor do que dez anos. Foto: Pixabay

O câncer de próstata é o mais comum entre os homens brasileiros. Estima-se que 72 mil novos casos serão diagnosticados a cada ano do triênio 2023-2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). O que pouca gente sabe é que existe um grupo de pacientes com diagnóstico de câncer de próstata que pode se beneficiar de uma estratégia conhecida por vigilância ativa. Trata-se de uma conduta que envolve o monitoramento regular do paciente com exames e consultas periódicas e descarta, num primeiro momento, a realização de cirurgias e o uso de radioterapia e medicamentos. O objetivo é vigiar a evolução e o comportamento da doença com a finalidade de evitar tratamentos invasivos e efeitos indesejáveis que possam oferecer riscos aos pacientes.

No entanto, esse não é um recurso para todos. As principais indicações são para pacientes com tumores iniciais, de baixo risco, com crescimento lento e com expectativa de vida menor do que dez anos. “Para saber se o paciente pode ser colocado em vigilância ativa, é fundamental investigar muito bem o grau de agressividade e o comportamento do tumor”, diz o cirurgião oncológico e uro-oncologista Renato Oliveira, do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR), São Paulo/SP.

Além dos exames de PSA (exame de sangue que avalia os níveis circulantes de uma proteína produzida na próstata que alerta para o tumor), toque retal, ressonância nuclear magnética e testes moleculares, a medicina utiliza uma escala para classificar as células tumorais de acordo com a semelhança e as diferenças que as mutações do câncer determinam em relação aos tecidos normais da próstata de cada indivíduo. “Com base nas suas características celulares, os tumores que atingem notas menores do que 6 na escala de Gleason (ou ISUP 1, na escala da International Society of Urological Pathology) são os que têm melhor prognóstico. Sua evolução tende a ser mais favorável do que outros com pontuação maior nas mesmas escalas”, diz o médico Oliveira. Notas iguais ou acima de sete indicam risco mais elevado. “A partir da soma de todas essas informações nós podemos avaliar se o paciente tem ou não um tumor de próstata de baixo risco”, diz Oliveira.

Também há margem para alguma flexibilização. “Há casos em que um paciente com score 7 na escala de Gleason e com PSA baixo, ou seja, com risco intermediário, por exemplo, pode se beneficiar da vigilância ativa. Varia a cada caso de acordo também com a idade, estado de saúde geral e sobretudo a escolha do indivíduo”, diz o médico. De acordo com Oliveira, a medicina atual é mais propensa a indicar tratamentos radicais a pacientes com expectativa de vida superior a dez anos nos casos de câncer de próstata.

A possibilidade de adotar a vigilância ativa surgiu nos anos 2000. Na década anterior, a popularização do exame PSA havia diminuindo a quantidade de diagnósticos de tumores em fase adiantada ou metastática e permitido o diagnóstico mais precoce. “A partir daí começamos a perceber que muitos pacientes que conviviam com tumores de baixo risco  poderiam estar sendo excessivamente tratados”, diz Oliveira. Nesse período, estudos começaram a evidenciar que pacientes com tumores considerados indolentes, por seu crescimento lento, praticamente não morreriam por causa do câncer de próstata e sim de algum outro problema de saúde. “Desse modo, esses pacientes poderiam ser observados em vez de serem submetidos primeiramente à cirurgia e/ou radioterapia e aos efeitos colaterais desses tratamentos”, conclui Oliveira.

O monitoramento deve contar com a programação de repetidas biópsias, exame físico e dosagem do PSA, com o intuito de identificar uma possível progressão da doença, e avaliar se é o momento de optar por um tratamento radical como cirurgias (que podem ser feitas com a ajuda de técnicas minimamente invasivas, como a robótica) ou radioterapia por exemplo. “Cerca de 40% dos tumores em vigilância ativa apresentam progressão em dez anos e precisam fazer tratamentos como cirurgia ou radioterapia. Um estudo brasileiro recente do qual participei com acompanhamento de cinco anos de um grupo de pacientes mostrou que 17% dos tumores alguma progressão e necessitaram sair do protocolo de vigilância ativa para um tratamento”, diz Oliveira. 

A mensagem mais importante, na avaliação de Oliveira, é que existe a possibilidade de tumores mais iniciais serem observados sem que antes o paciente seja submetido a terapias invasivas. “Também é essencial que o paciente esteja tranquilo em relação a essa abordagem, pois o conforto psicológico do paciente é muito importante. Além disso, o indivíduo precisa estar seguro e ter plena consciência de que pode desistir a qualquer momento dessa conduta e optar pelo tratamento radical. De modo geral, entre 25% e 35% das pessoas que aderem ao protocolo de vigilância ativa desistem ao longo do tempo”, relata o médico. Os motivos vão desde a pressão familiar até a dificuldade de se adaptar a uma rotina exigente de acompanhamento.

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