Saúde mental no Brasil: fatores que impactam a população, especialmente os jovens

Psicóloga Fabiana Ratti: “um dos principais fatores que fazem o brasileiro não procurar tratamento é o preconceito com relação a transtornos mentais e a busca por ajuda”
Foto – Divulgação
O Brasil enfrenta uma crise de saúde mental com um aumento alarmante nos casos de depressão, ansiedade e burnout que afeta diretamente a produtividade e o bem-estar das pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ansiedade atinge 9,3% da população, enquanto a depressão chega a 5,8% dos brasileiros. A situação é ainda mais crítica entre os jovens que lidam com pressões acadêmicas e sociais intensas, resultando em um aumento relevante de casos de ansiedade e depressão nessa faixa etária.
De acordo com o relatório Global Mind Project (2024), jovens de 18 a 34 anos apresentam uma média de apenas 38 pontos no índice MHQ (Mind Health Quotient), indicando dificuldades significativas em gerenciar a rotina, manter relações sociais e controlar emoções.
Segundo a psicóloga e psicanalista Fabiana Ratti, fundadora da Rede de atendimento Psicanalítico Lacaniano – Unbewusste, “um dos principais fatores que fazem o brasileiro não procurar tratamento é o preconceito com relação a transtornos mentais e a busca por ajuda. Combater esse preconceito passa pela tarefa de educar a população sobre o que é saúde mental, os sinais de alerta, onde buscar ajuda e como oferecer apoio a pessoas em sofrimento”.
Para o psicólogo Marcos Torati, professor e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, “reconhecer que a desigualdade social, a pobreza, a violência e a falta de acesso à educação e saneamento básico impactam diretamente a saúde mental contribui também para o entendimento da origem das questões psicológicas na sociedade contemporânea”.
Para alterar esse cenário, é preciso olhar para os profissionais que atuam no cuidado com a saúde mental da população. Em 2025, Fabiana Ratti lançou o livro “Clínica e Supervisão”, que explora técnicas para engajar pacientes no tratamento psicanalítico desde as sessões iniciais. Com cerca de 30 anos de experiência em consultório, ONGs e desenvolvimento de redes de atendimento, Fabiana Ratti oferece um guia prático para estudantes e profissionais de saúde, incluindo psicólogos e psicanalistas.
O objetivo da obra, afirma, “é reduzir a desistência de pacientes antes que a análise se estabeleça. O livro, dividido em sete capítulos, aborda desde a redefinição do inconsciente na perspectiva lacaniana até a importância de se adaptar às complexidades dos laços sociais efêmeros da era digital”.
A autora investiga como o capitalismo, o consumismo e a tecnologia influenciam os indivíduos, ressaltando a necessidade de o analista desenvolver recursos e dominar conceitos e metodologias para criar um ambiente acolhedor, que permita ao paciente prosseguir no tratamento e aprofundar suas questões.
Realidade – Uma pesquisa da Vittude, plataforma de saúde mental, revela que 86% dos brasileiros sofrem de algum transtorno mental. Como reflexo do contexto social, o psicólogo Marcos Torati observa que a crescente psiquiatrização é impulsionada pela popularidade da lógica psiquiátrica norte-americana, que, no ambiente virtual, estimulou autodiagnósticos e identitarismos psicopatológicos, onde o sintoma se torna identidade e vice-versa.
Na opinião dele, “A valorização excessiva do diagnóstico psiquiátrico pode levar os pacientes a priorizar o tratamento da ‘doença’ em detrimento de uma visão mais abrangente da saúde, que englobe fatores biológicos, emocionais, sociais e históricos. Nesse contexto, o psicólogo tem a responsabilidade de ajudar o paciente a entender que o diagnóstico pode ser um efeito, e não necessariamente a causa fundamental de seu sofrimento”.
Segundo Marcos Torati, psicólogos clínicos frequentemente recebem pacientes com autodiagnósticos psiquiátricos. Essa condição do paciente pode afetar a autopercepção do indivíduo, fixando-o no sintoma e dificultando a exploração de questões psicológicas mais profundas.
Para a psicóloga e psicanalista Fabiana Ratti, “encontrar um equilíbrio entre intervenções farmacológicas e psicoterapêuticas é a principal alternativa. A psicoterapia é essencial para todos os pacientes psiquiátricos, mas nem todo sofrimento psicológico requer medicação. É necessário considerar que os psicofármacos visam aliviar sintomas e estabilizar o psiquismo, facilitando o trabalho psicoterapêutico”.