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Adultização Infantil prejudica desenvolvimento emocional

Comportamento também pode desencadear consequências biológicas e sociais que só aparecem na adolescência ou na vida adulta

Foto: Imagem gerada por IAFreepik

Fenômeno que ocorre quando crianças e adolescentes são expostos a comportamentos e responsabilidades típicas do mundo adulto, muitas vezes de forma precoce e inapropriada para a faixa etária, a adultização infantil tem preocupado especialistas. O termo ganhou força, recentemente, após o influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicar um vídeo – atualmente com 50 milhões de visualizações – em que denuncia produtores de conteúdo que exploram crianças e adolescentes nas redes sociais, além de cobrar as plataformas que monetizam este tipo de conteúdo.

Para a psicóloga Camila Grasseli, professora do Centro Universitário UniBH – integrante do Ecossistema Ânima – o problema vai muito além da sexualização precoce. “Usamos o termo adultização para falar das crianças que estão rompendo etapas. Muitas vezes, isso aparece nas roupas, calçados, no uso de maquiagem pelas meninas, mas também no abandono progressivo do brincar”, afirma.

No entanto, segundo Camila, comportamentos que parecem inofensivos — como colocar uma filha de 11 anos para cuidar dos irmãos ou buscar sozinha encomendas dos pais na portaria do prédio — podem ser os primeiros sinais de uma inversão perigosa de papéis. “Muitos responsáveis incentivam esses atos sem perceber. Os pais acham que estão promovendo autonomia, mas, quando colocam uma criança de oito anos para realizar tarefas sozinha ou deixam um pré-adolescente assumir cuidados que caberiam a um adulto, isso pode marcar o início da adultização.”

A especialista lembra que a infância é um período essencial para o desenvolvimento emocional, social e ético do indivíduo. “É na infância que a criança vive, de forma lúdica, aquilo que encontrará no mundo adulto. Ela precisa desse tempo e dessa fase para entender o que é certo, errado, ético e moral”, pontua.

 Conforme ela explica, consequências emocionais e biológicas podem aparecer anos depois. Quando expostas precocemente a experiências e símbolos adultos, as crianças não têm maturidade neurológica para lidar com as consequências. “O cérebro é o último órgão a amadurecer e só completa esse processo por volta dos 20 anos. Se ofereço vivências adultas a alguém com 12 anos, estou impondo algo biologicamente impossível”, explica.

 A sexualização precoce, aponta a professora do UniBH, é o extremo mais grave. A exposição a conteúdos e comportamentos adultos pode resultar, mais tarde, na interpretação dessas vivências como abusivas, agressivas ou traumáticas. Ela cita ainda impactos físicos: “Estamos observando, geração após geração, a antecipação da menstruação em meninas, às vezes aos nove anos. O corpo passa a responder a estímulos que vêm dessas experiências adultizadas”, observa.

Grasseli também chama atenção para o uso indiscriminado das redes sociais como um dos principais vetores da adultização. “As crianças foram retiradas do convívio com colegas da mesma faixa etária e passaram a se relacionar com as imagens das redes. Esses conteúdos estão ligados ao consumo, muitas vezes ao consumo adulto. A indústria, por sua vez, acompanha o movimento e cria versões adultas de roupas, maquiagens e acessórios voltados ao público infantil. Sem regulamentação e proteção, essas crianças ficam completamente vulneráveis.”

Quando o sofrimento aparece, já é sinal de alerta – Embora muitas crianças achem “legal” se parecerem com adultos, o impacto emocional do comportamento ‘adultizado’ pode surgir em forma de irritabilidade, agressividade, insônia ou depressão. Nesses casos, pode haver necessidade de psicoterapia, acompanhamento médico e, em alguns quadros, intervenção psiquiátrica. “A criança raramente vai dizer que está sofrendo. Ela gosta da sensação de parecer adulta, mas não está pronta para lidar com as responsabilidades ou consequências”, adverte a psicóloga, ao ressaltar que, ao identificar sinais de adultização, é possível reverter o quadro — mas os adultos precisam assumir seu papel. “Nem sempre o que deve ser feito será bem recebido pela criança, mas é necessário, pontua.”

De acordo com a psicóloga, cabe aos pais oferecer limites, acolhimento e, principalmente, suporte educacional. “Infância não é um ensaio para a vida adulta. É uma fase que precisa ser protegida e conduzida com presença, escuta e responsabilidade. Quando pulamos etapas do desenvolvimento, a criança pode até parecer madura, mas, por dentro, ela ainda não dispõe dos recursos emocionais necessários para sustentar esse papel. Isso gera sofrimento e impactos que, muitas vezes, só aparecem anos depois”.

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