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Pedofilia: causas e sinais de alerta para os pais e educadores

Psicóloga e psicanalista Heloisa Mamede: “as estatísticas mostram que crianças e adolescentes do sexo feminino são maioria entre as vítimas de violência sexual“.

A pedofilia é um tema delicado que precisa ser abordado, pois os traumas nas vítimas são imensos, com muito sofrimento. Nessa entrevista ao Portal Medicina e Saúde, a psicóloga e psicanalista Heloisa Mamede, de Belo Horizonte/MG, informa que a pedofilia ocorre em todas classes sociais, sendo que adolescentes do sexo feminino são maioria entre as vítimas de violência sexual. Já os homens são a maioria entre os pedófilos.

Com relação às mulheres pedófilas, elas são mais difíceis de entrar nas estatísticas, permanecendo mais ocultas. O certo é que elas procuram suas vítimas fora do contexto social que frequentam. Também um aspecto importante é que quase sempre a vítima é próxima do abusado.

Os problemas de relacionamento das vítimas e como as crianças e adolescentes devem ser orientados para evitar esses abusos são outros temas dessa entrevista com Heloisa Mamede, que é professora aposentada da UFMG, membro da Escola FreudianaBH/Iepsi, Confira:

O que é pedofilia?

A palavra pedofilia deriva de uma combinação de radicais de origem grega: paidos é criança ou infante, e philia, amizade ou amor, sendo definida, então, como atração sexual por crianças. A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a pedofilia como transtorno dapreferência sexual e enquadra, como pedófilos, adultos que têm preferência sexual por crianças, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade.

Do ponto de vista médico, como ela é classificada?

De acordo com a CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde), trata-se de uma patologia que se refere a um transtorno mental em que a pessoa sente prazer sexual quando tem estímulos que envolvam crianças ou se, necessariamente, precisa delas para se excitar. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, para ser descrito como pedófilo o sujeito deve ter pelo menos 16 anos de idade e ser ao menos cinco anos mais velho que a criança.

Do ponto de vista da psicologia, quais as causas da pedofilia? É certo dizer que, na maioria dos casos, o pedófilo já foi também uma vítima?

A psicologia entende que a pedofilia não é crime, mas um transtorno parafílico, ou seja, uma doença crônica. De acordo com Hisgail (2007) para a psicanálise a pedofilia representa uma perversão sexual que envolve fantasias sexuais da primeira infância abrigadas no complexo de Édipo, período de intensa ambivalência da criança com os pais, caracterizando-se pela atitude de desafiar a lei simbólica da interdição do incesto. O pedófilo tem sua personalidade classificada na linha das perversões, sendo considerada uma anomalia da escolha do objeto, comportamento sexual considerado patológico, visto que se afasta da norma geral aceita pela sociedade no que diz respeito ao tipo de escolha objetal (JOLO, 2010). Foi a partir de 1905 que Sigmund Freud adotou o termo perversão para a psicanálise, propondo a ideia de que havia nos sujeitos perversos um desvio sexual em relação a uma norma. Freud (1996) em sua teoria afirma que a pedofilia é uma aberração incontestável no que se refere à sexualidade, pois o pedófilo se utiliza de pessoas sexualmente imaturas, como objetos sexuais de forma que, quando uma pulsão urgente surge, não pode apropriar-se no momento de nenhum objeto mais adequado. Os estudos descobriram que a maioria dos adultos infratores relatou não terem sofrido qualquer tipo de abuso durante a infância, mas os estudos variam quanto às estimativas percentuais de infratores com histórico de abusos em relação ao total.

Em número, meninas são mais vítimas de pedofilia?

As estatísticas mostram que crianças e adolescentes do sexo feminino são maioria entre as vítimas de violência sexual. Em números, 74,2% para crianças, e um número ainda maior dentre as adolescentes: 92,4%.

Normalmente vemos na mídia homens pedófilos, eles são mesmo a maioria? E a mulher pedófila, também ocorrem casos?

De acordo com as estatísticas, sim, os homens são a maioria. Ressalta-se, porém, que mulheres pedófilas permanecem mais ocultas, prevalecendo o fato que procuram suas vítimas fora do contexto social que frequentam.

A pedofilia ocorre em todas classes sociais?

Não existe uma classe social específica, podendo ocorrer em qualquer ambiente.

Qual a idade de preferência dos pedófilos? Por quê?

De acordo com o CID-10, pedofilia é a preferência sexual por crianças ou adolescentes até 12 anos de idade. Amplamente do ponto de vista médico legal, psicanalítico e de doutrinadores forenses, a pedofilia trata-se de um desvio da personalidade que leva a uma perversão sexual que faz com que o indivíduo maior de 16 anos tenha grande atração sexual por crianças, usualmente menores de 14 anos, sendo que nem sempre este vem a cometer os atos libidinosos. Freud (1996) traz um conceito de perversão como sendo a permanência na vida adulta de características perverso-polimorfas, típicas da sexualidade pré-genital infantil, ou seja, o indivíduo adquire esse transtorno na infância, no início da adolescência, ou mesmo desde o nascimento.

Geralmente o agressor é conhecido da vítima ou é até mesmo parente dela?

Setenta e seis por cento das crianças vítimas de abuso sexual conhecem seu agressor; na maior parte dos casos é uma pessoa da própria família.

Quais os principais problemas de relacionamento das vítimas de abusos? Quais os traumas causados em crianças que foram abusadas?

A transformação do corpo da criança em um objeto sexual, em uma idade de pouca compreensão, compromete todas as etapas posteriores de desenvolvimento emocional. O “pacto do silêncio” exigido inibe a reação, ocorrendo medo de punição e um complexo de culpa inconsciente. Além disso, o sedutor desperta na vítima sensações sexuais precoces, em uma cena de sedução. A participação da criança é passiva e fantasiosa. As vítimas de abuso sexual tendem a sexualizar suas relações em um círculo vicioso, o que na adolescência pode levar a um quadro de promiscuidade. A vítima pode desenvolver, ainda, transtorno de estresse pós-traumático, que acomete em torno de 57% dos adolescentes. Algumas crianças, não conseguindo lidar com o trauma, desenvolvem um quadro de dissociação, negando a realidade. Além disso, no adulto pode desenvolver ansiedade, depressão e isolamento social.

Como as crianças devem ser orientadas?

Ensine-os a não aceitar convites, dinheiro, comida e favores de estranhos, especialmente em troca de carinho; sempre acompanhá-las nas consultas médicas, manter diálogos frequentes, supervisionar as mídias sociais, ensinar a não enviar fotos ou informações pessoais. Se a criança já sofreu um abuso, é fundamental a assistência psicológica. A ajuda especializada individual torna-se fundamental. O código de silencio entre o agressor e a vítima torna-se um ponto de trabalho durante a análise feita sob transferência. O relato da criança, seja sob a forma de desenhos, na fala ou no brincar, consegue reverter a situação e proporcionar a sua realização como sujeito da sua própria vida.

E os abusadores, qual ajuda devem procurar?

Os portadores do transtorno pedofílico constituem umapopulação heterogênea.Desde aqueles com nível bem leve, que não atuam e são mais fáceis de serem tratados, até o nível catastrófico – quando chegam ao ato sexual, muitas vezes com fantasias sádicas”, afirma o psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do ABSex (Ambulatório de Transtornos da Sexualidade) da Faculdade de Medicina do ABC, referência no tratamento de parafilias no Brasil.

Baltieri já teve contato com homens e com algumas mulheres, mas em número inexpressivo, com todos os níveis de pedofilia, de diferentes classes sociais, estados civis e orientações sexuais, em seu ambulatório em Santo André (SP). Ele conta alguns detalhes do tratamento – que pode durar a vida inteira, já que não há cura para pedofilia, mas não de casos específicos. Quem chega ao ambulatório só é diagnosticado como pedófilo depois de passar por entrevistas, testes e avaliações neuropsicológicas feitos por uma equipe multidisciplinar.

Diagnosticados, os pacientes são inseridos em terapia cognitivo-comportamental de grupo, com dois terapeutas e até 10 pessoas – proporção usada em tratamentos semelhantes em países como EUA, Canadá e Itália. Com outros pedófilos falando sobre o assunto no mesmo ambiente, eles não se sentem isolados e há menor risco de relatos mentirosos aos médicos e psicólogos. Nas sessões, eles trocam informações e técnicas para evitar situações de risco, frear a urgência sexual e adequar os pensamentos.

Quais os sintomas de que crianças abusadas apresentam como sinais de alerta para os pais e também para os educadores?

Isolamento social, agressividade, medo sem causa justificada, choro frequente, recusa em ir para a escola, dores nos genitais, interesse por brincadeiras sexuais, comportamentos infantis já abandonados anteriormente, insônia, dores de cabeça, enjoos, entre outros.

Há também como identificar um pedófilo? Ele tem um padrão comportamental? O pedófilo se sente culpado?

Qualquer pessoa pode ser um pedófilo, portanto pode ser difícil identificar um, principalmente porque a maioria dos pedófilos inicialmente conquista a confiança das crianças que sofrem o abuso. Normalmente, eles não demonstram tanto interesse por adultos quanto pelas crianças. Eles costumam ter muitos empregos que permitem o contato com crianças de determinada faixa etária ou planejam outras formas para que possam passar algum tempo com elas praticando atividades de professores ou babás. Os pedófilos tendem a falar sobre crianças como se estivessem falando sobre adultos. Dizem que amam todas elas e sentem-se como se ainda fossem crianças.

A culpabilidade de um pedófilo é inconclusiva, pois em alguns, após terem cometido o abuso, se sentem culpados e procuram ajuda profissional. Outros, com traços de psicopatia, são indiferentes aos sentimentos da vítima agindo de forma cruel e indiferença.

No Brasil, como a justiça lida com esse agressor? Quais penalidades ele está sujeito?

Atualmente, a pedofilia é assemelhada no Direito Penal como prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com o menor de 14 anos. Encontrando punição legal prevista no Código Penal, não sendo explicitamente tipificada, mas sendo associada aos crimes de Estupro de Vulnerável, o qual dispõe nos artigos 217-A e 219 do Código Penal de 1940:

Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: Pena = reclusão, de 08 a 15 anos.

§3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena = reclusão, de 10 a 20 anos.

§4º Se da conduta resulta morte: Pena = reclusão de 12 a 30 anos.

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente.

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 anos, ou induzi-lo a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena = reclusão de 2 a 4 anos. (CÓDIGO PENAL, 1940).

            Como observado, o sujeito passivo neste crime incorre-se ao menor de 14 anos por prática de conjunção carnal ou qualquer ato de cunho sexual com este, sendo o sujeito ativo o maior de 18 anos que pratique esse ato.

Segundo o Código Penal, a prática de conjunção carnal, ato libidinoso ou a satisfação de lascívia, desejo sexual, com o menor de 14 anos incorre em crime de estupro de vulnerável, não se tipificando exatamente como pedófilos, mas sendo todos os praticantes desses crimes tratados amplamente com a mesma penalidade, sem distinção.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) “é muito pobre a legislação brasileira na criminalização de condutas reprováveis e passíveis de serem consideradas práticas pedófilas, existindo praticamente um tipo único, no Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Schmoller, MFR; Brandão, CA; Sampaio, SV. Pedofilia no direito penal brasileiro. IN: empório direito.com.br .

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