Uma azia que pode ser bem mais grave do que se imagina
A Doença do Refluxo Gastroesofágico – DRGE, ou simplesmente refluxo, deve ser analisada com muita atenção, uma vez que pode levar a um quadro grave quando não devidamente diagnosticada e tratada. Em alguns casos pode exigir intervenção cirúrgica e até mesmo evoluir para um adenocarcinoma de esôfago (um tipo de câncer). Estimativas divulgadas pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) apontam que entre 12% e 20% da população adulta do Brasil sofra de forma crônica com o problema. Por isso, merece toda atenção.
A DRGE é uma condição crônica caracterizada principalmente pelo refluxo (retorno) do conteúdo gástrico para o esôfago, resultando em sintomas e complicações que afetam em muito a qualidade de vida dos pacientes que sofrem da doença. O problema também tem se revelado em uma pandemia global, já que dados levantados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) revelam que a prevalência do problema atinge 27% da população na América do Norte, 23% na América do Sul e cerca de 25%, na Europa.
De acordo com o gastroenterologista e endoscopista digestivo Júlio Veloso, de Brasília/DF, que também é membro titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) e da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva – SOBED, a DRGE é uma das doenças mais frequentes nos consultórios médicos do país. Conforme explica o especialista, a DRGE não tem causas genéticas comprovadas e nem é ocasionada por patógenos externos, como vírus e bactérias. Sua ocorrência se dá por malformações anatômicas e musculares no sistema digestivo – é o caso da hérnia de hiato. “A doença se caracteriza basicamente por uma falha num músculo chamado esfíncter esofágico inferior, que funciona como uma válvula que fica entre o esôfago e o estômago. A função desta válvula é justamente impedir que o alimento retorne para o esôfago”, esclarece o médico.
Conforme acrescenta o Dr. Hugo Guedes, médico endoscopista intervencionista dos Hospitais Sírio-Libanês e DF Star, o problema pode ser potencializado por diversos fatores, como maus hábitos alimentares e a obesidade, que eleva o risco de refluxo por causa do aumento da pressão abdominal. “O tabagismo, o consumo em excesso de bebidas alcoólicas e frituras também acabam desencadeando ou aumentando a incidência de refluxo”, observa.
Não é normal – Segundo o Dr. Júlio Veloso, um grande problema para se tratar corretamente a DRGE crônica é a negligência de boa parte dos pacientes, já que os sintomas mais evidentes ou primários como, sensação de azia ou queimação, são usualmente tratados através da automedicação com uso de medicações antiácidas. Ao sanar apenas os sintomas mais imediatos, eliminando-se temporariamente o episódio de mal-estar, o paciente muita das vezes não se dá conta de que ele pode estar vivenciando um quadro crônico de refluxo, e, com isso, negligencia a necessidade de um diagnóstico mais detalhado, para apurar o grau de complexidade e gravidade dessa DRGE que é recorrente.
“Uma grande parte das pessoas que chega aos consultórios de gastroenterologia acha que episódios frequentes de refluxo é algo normal, quando na verdade não. Então esses pacientes já chegam até nós com um quadro agravado, pois passou anos tratando a doença de forma inadequada, pois não se fez um estudo mais detalhado sobre suas causas”, afirma o especialista.
Agravamentos – Em sua forma crônica, a doença pode ocasionar vários sintomas atípicos como dor torácica, disfagia, tosse constante e rouquidão. Mas o problema pode levar a outros agravamentos mais intensos, como, por exemplo, má qualidade do sono, agravamento de doenças pulmonares como pneumonia, bronquite e asma, ou, ainda, em situações ainda mais graves, quando a doença persiste por muito tempo sem tratamento adequado, podendo levar a um caso de esôfago de Barrett ou a um adenocarcinoma esofágico, que seria o câncer de esôfago.
O diagnóstico da DRGE é baseado no quadro clínico com a presença de sintomas típicos de azia e regurgitação ácida, juntamente com a realização de exames complementares, como a endoscopia digestiva alta (EDA). Entre os fatores de risco para a DRGE, se encontram a idade avançada, tabagismo, etilismo e maus hábitos alimentares.
Boa parte dos casos de refluxo pode ser tratada com simples mudanças comportamentais no estilo de vida, assim como a adesão a dietas mais saudáveis. Em outros casos crônicos, a DRGE não tem cura, mas tem controle, com tratamentos medicamentosos que trazem grande efetividade, contribuindo muito para a qualidade de vida do paciente. Mas, segundo dados da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), do total de pacientes que sofrem de refluxo no Brasil, 30% não têm resultados efetivos usando apenas remédios, havendo a necessidade de outras formas de tratamento. Por exemplo, naqueles portadores de hérnias de hiato é indicado o procedimento de Fundoplicatura, em que o cirurgião, confecciona uma válvula anti-refluxo com tecido do próprio estômago do paciente.
Desde outubro de 2020, após aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil passou a contar com uma nova técnica de intervenção endoscópica para esses casos que, em comparação à cirurgia convencional, é minimamente invasiva, com tempo de recuperação bem menor e com resultados também efetivos. Trata-se do TIF, do inglês Transoral Incisionless Fundoplication, procedimento realizado endoscopicamente com uso do dispositivo médico EsophyX.
Conforme explica o Dr. Hugo Guedes, a técnica que já é usada nos Estados Unidos e países da Europa há mais de 10 anos, ocorre sem a necessidade de grandes cortes abdominais, como é feito na cirurgia convencional. “Feito com técnicas de endoscopia, o TIF com uso do EsophyX, traz muitos benefícios se compararmos com a cirurgia convencional. Eu destaco, por exemplo, o fato de ser um procedimento que não deixa cicatrizes, elimina a necessidade do protetor gástrico no pós-operatório, e, claro, o tempo de recuperação é bem menor”. Ainda segundo o médico, uma das principais vantagens desse moderno tratamento, além da redução considerável do risco de complicações, é o tempo de recuperação do paciente. “Numa cirurgia aberta de fundoplicatura, o tempo para o paciente se restabelecer totalmente varia entre 10 e 15 dias. Já com o procedimento TIF, esse tempo de recuperação e internação cai para no máximo 24 horas”, afirma o especialista.