AtualidadesÚltimas Matérias

Bebês reborn e afetos: psicóloga analisa o impacto das relações com bonecas hiper-realistas

Fenômeno popular, o uso dos bonecos reborn por mulheres adultas revela camadas complexas da saúde emocional e levanta debates sobre luto, afeto e bem-estar psicológico

Foto: Divulgação/Una  

Atualmente, as bonecas hiper-realistas, conhecidas como bebês reborn, têm chamado atenção nas redes sociais, não apenas por sua aparência idêntica à de recém-nascidos, mas, principalmente, pelo modo como são cuidadas por mulheres adultas. A prática, que inclui afeto, rotinas de alimentação e idas aos médicos, desperta tanto curiosidade e encantamento quanto estranhamento e críticas. Mais do que um hobby ou tendência, esse comportamento abre espaço para reflexões: o que está por trás desse vínculo emocional?

Para a professora Talita Rocha, do curso de Psicologia da Una Uberlândia/MG, a resposta é multifacetada. “O apego a um boneco reborn pode ter diferentes origens: elaboração de luto, maternidade interrompida, solidão, busca por afeto, ou ainda como expressão simbólica de cuidado em um ambiente seguro. Nem sempre é patológico. Em muitos contextos, esse vínculo pode oferecer conforto emocional e até ser utilizado de forma terapêutica”, afirma.

Segundo a especialista, já existem casos clínicos em que o uso dos reborn contribui no enfrentamento do luto gestacional ou neonatal e no tratamento de pessoas com demência, como na chamada doll therapy. “Quando inserido num contexto terapêutico supervisionado, esse tipo de vínculo pode ser saudável, pois auxilia a simbolizar afetos e elaborar emoções. No entanto, é preciso atenção: quando esse apego substitui relações humanas reais ou compromete a funcionalidade da pessoa, ele se torna um sinal de alerta.”

De acordo com a professora, muitos desses vínculos podem estar ligados a carências emocionais não resolvidas. “É comum que esses bonecos representem vínculos primários idealizados ou não vividos. Mas isso não significa, por si só, que a prática seja doentia. O contexto e os impactos no cotidiano são os fatores determinantes para diferenciar o que é um cuidado simbólico saudável do que é um comportamento de fuga emocional.”

Da empatia ao julgamento: o impacto das redes sociais – O fenômeno dos reborn também ganhou força com a viralização de vídeos e postagens nas redes. Conforme explica Rocha, a exposição digital pode tanto fortalecer quanto fragilizar emocionalmente quem vive essa experiência. “Há quem encontre apoio e pertencimento em comunidades acolhedoras, mas também há muitos casos de zombaria, romantização ou ridicularização. Ambos os extremos são prejudiciais. A romantização mascara o sofrimento envolvido, enquanto a ridicularização pode gerar vergonha, culpa e impedir que a pessoa busque ajuda.”

A professora ressalta que o compartilhamento público desses vínculos costuma atender também a uma necessidade de validação. “A internet permite que essas pessoas encontrem outras com vivências parecidas, criando redes de apoio. Mas o julgamento social pode reforçar o estigma, aprofundar a solidão e inviabilizar processos terapêuticos importantes.”

Quando o alerta se acende? – A prática de cuidado com bebês reborn exige um olhar clínico atento em determinadas situações. “Sinais de alerta incluem o isolamento extremo, a recusa a relações sociais, o tratamento permanente do boneco como um bebê real, negação da realidade ou histórico de perdas não elaboradas. Nesses casos, o reborn deixa de ser um símbolo de afeto e se torna um sintoma de sofrimento mais profundo, que merece acompanhamento psicológico especializado”, pontua Rocha.

Ela reforça que, mais do que julgar ou estigmatizar, a sociedade deve buscar compreender. “Muitas dessas pessoas carregam histórias de dor, traumas e desejos frustrados. Precisamos olhar com empatia e reconhecer que formas não convencionais de expressão emocional também merecem respeito. Nem tudo que foge ao padrão é disfuncional.”

O debate sobre os bebês reborn ultrapassa o campo da curiosidade e do sensacionalismo. Ele convida à reflexão sobre saúde mental, afeto, perda e os diversos caminhos que o ser humano encontra para lidar com suas emoções. Afinal, como destaca a psicóloga: “Cuidar, mesmo que simbolicamente, é um gesto profundo de humanidade.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo