Colonoscopia possibilita diagnosticar lesões antes que possam evoluir para câncer de intestino
O cirurgião oncológico Alexandre Ferreira Oliveira: “a maioria dos casos é tratada com cirurgia e, quanto mais inicial, maior a chance de sucesso no tratamento”
O recente anúncio de que o rei do futebol, Edson Arantes do Nascimento, Pelé, foi submetido, segundo boletim médico, à “retirada de lesão suspeita no cólon direito”, possibilita conscientizar a população sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer colorretal (intestino grosso e reto), o segundo tumor maligno, excluindo o câncer de pele não melanoma, mais comum em homens e mulheres, atrás apenas, respectivamente, do câncer de próstata e de mama. São 41 mil novos casos previstos para 2021, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
O tumor foi identificado durante exames de rotina realizados por Pelé. O material foi então encaminhado para análise histológica, realizada pelo médico patologista, que é o especialista responsável por diagnosticar a doença como benigna ou maligna, definir o estadiamento (grau de agressividade), extensão da lesão e outras informações que são fundamentais para direcionar o tratamento.
O médico patologista e diretor de Ensino da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Felipe D´Almeida Costa, explica que o principal tipo de tumor colorretal é o adenocarcinoma. Em 90% dos casos, ele se origina a partir de pólipos na região que, se não identificados e tratados, podem sofrer alterações ao longo dos anos, podendo se tornar o câncer. “Na maioria dos casos, o crescimento é lento, levando em torno de 10 anos para evoluir para câncer. A colonoscopia é fundamental para retirar essas lesões e, desta forma, evitar a doença”, destaca o médico, que é também titular do Departamento de Anatomia Patológica do A.C.Camargo Cancer Center e coordenador médico de Educação da Patologia da Dasa/São Paulo.
De acordo com o cirurgião oncológico e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Alexandre Ferreira Oliveira, a maioria dos casos é tratada com cirurgia e, quanto mais cedo, maior a chance de sucesso no tratamento. “O câncer colorretal é uma doença que, além de prevenível, é evitável. E, mesmo quando a doença ocorre, quando o diagnóstico é feito em fase inicial, uma cirurgia oncológica segura é a melhor escolha”, explica.
Característica e rastreamento – O câncer colorretal é a neoplasia maligna que ocorre no intestino grosso e reto. Normalmente, este tipo de câncer tem características clínicas de acordo com o lado do intestino acometido. Os cânceres que ocorrem no lado direito são clinicamente sutis, sem muitos sintomas, sendo o principal deles relacionados à anemia crônica. Quando ocorrem do lado esquerdo, que é a forma mais comum, ele altera os hábitos intestinais, como mudanças nas características das fezes, que podem ficar mais afinadas, além de sangramento vivo. O tipo mais comum é o adenocarcinoma. O principal exame de rastreamento é a colonoscopia (equipamento com câmera que capta imagens do intestino), retossigmoidoscopia (visualiza somente um segmento específico do intestino) e a pesquisa de sangue oculto nas fezes.
A colonoscopia de rastreio tem como objetivo identificar lesões precursoras do câncer colorretal e a triagem deve começar aos 45 anos. O ideal é que seja realizado uma colonoscopia a cada 10 anos, mesmo que o exame seja normal. Isso para os pacientes sem nenhum risco para o câncer colorretal. Nos pacientes com história familiar de parentes de primeiro grau que tenham tido este tumor, o início pode ser aos 40 anos ou 10 anos antes da idade antes do parente mais novo que teve este tumor.
O médico patologista da SBP, Daniel Cury Ogata, explica que a recomendação de frequência do exame depende muito de quantos pólipos o paciente tem no momento do exame ou se ele já tem história de ter tido vários ressecados. Além disso, avalia-se se eles são do tipo neoplásico, o seu tamanho e se tem displasia de alto grau (critério que o médico patologista fornece no laudo).
Alexandre Oliveira explica ainda que a colonoscopia pode ser feita em regime ambulatorial, pois o paciente não necessita de internação. O importante é o paciente não sair imediatamente após o exame para trabalhar. “Se ele for feito à tarde, por exemplo, o recomendado é que o paciente retome suas atividades apenas no dia seguinte”.
Incidência – No Brasil, o câncer colorretal é mais prevalente nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Entre os homens, São Paulo registra 33,1 casos para cada 100 mil, seguido por Santa Catarina (32,4) e Rio de Janeiro (25,3%). Entre as mulheres, Santa Catarina lidera com 25,1 casos para cada 100 mil, seguido por São Paulo (20,9%) e Rio de Janeiro (18,7).
Por região, a maior prevalência se dá na região Sudeste, no qual o câncer colorretal representa 11,3% de todos os tumores em homens e 10% de todos os casos em mulheres. Comparativamente, na região Norte, a doença representa 5,3% dos casos de câncer em homens e 6,3% dos cânceres diagnosticados nas mulheres.
“O câncer colorretal é multifatorial, mas as evidências científicas apontam que a dieta baseada em produtos industrializados aumenta exponencialmente os riscos de desenvolvimento da doença”, destaca o presidente da SBCO, Alexandre Oliveira.
Em âmbito mundial, o câncer colorretal representa 9,1% de todos os tumores em homens e 9,2% de todos os casos de câncer que acometem as mulheres. Os dados são do levantamento Globocan 2020 do IARC, braço de pesquisa sobre o câncer da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda segundo o IARC/OMS, caso medidas de prevenção de câncer mais eficazes não forem adotadas nas próximas duas décadas, a doença, que atualmente registra uma incidência anual de 1,9 milhão de novos casos, saltará para 3,1 milhões de novos casos em 2040, um aumento de 63% no período.
Por ser uma avaliação que exige sedação em ambiente hospitalar, o procedimento foi impactado pela pandemia de COVID-19, com alguns serviços com volume reduzido ou até fechados. No A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, referência em Oncologia na América Latina, houve redução de 46,3% dos novos casos diagnosticados de câncer colorretal entre março e julho de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. O número de pacientes diagnosticados caiu de 108 no período referente a 2019 para 58 em 2020. O dado foi publicado na revista científica Journal of Surgery, da Oxford Academic. O autor principal do estudo é Samuel Aguiar Junior, cirurgião oncológico e membro do Comitê de Cirurgia Minimamente Invasiva da SBCO.
Prevenção – Recomenda-se a adoção de uma dieta que contemple o consumo de frutas e hortaliças, assim como evitar o consumo de alimentos processados e de bebidas alcoólicas, refrigerantes e outras bebidas açucaradas. Moderação também é a palavra-chave em relação à carne vermelha e alimentos calóricos e/ou gordurosos. Os demais fatores de risco são sedentarismo, obesidade e tabagismo.
O cirurgião oncológico e vice-presidente da SBCO, Heber Salvador, acrescenta que é importante estar alerta também às síndromes relacionadas com maior predisposição para desenvolvimento da doença. No câncer colorretal, a hereditariedade representa entre 5% e 10% dos casos, sendo a síndrome de Lynch a mais prevalente. Há também a polipose adenomatosa familiar, que é quando os pacientes apresentam um maior número de pólipos, devendo ser submetidos mais frequentemente à colonoscopia.