Estudo do Sírio-Libanês para a OMS mostra impacto da pandemia na Oncologia
A médica Rachel Riera, do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde Sírio-Libanês Ensino e Pesquisa: “essas análises são fundamentais para identificar deforma precisa o real impacto da pandemia nos cuidados relacionados ao câncer”
O impacto da pandemia para as doenças crônicas, especialmente para o cuidado dos pacientes com câncer, é uma preocupação global e reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) por meio da iniciativa “Building Back Better”. Nesta direção, o Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde Sírio-Libanês Ensino e Pesquisa, liderado pela Dra. Rachel Riera, numa colaboração com o Departamento de Doenças não Transmissíveis da OMS, mapeou e organizou as evidências científicas referentes aos fatores para disrupções e atrasos que a pandemia determina no cuidado dos pacientes com câncer. Além dos pesquisadores do NAT Hospital Sírio-Libanês, a revisão sistemática publicada tem a participação de dois coautores do Departamento de Doenças Não Comunicáveis da OMS, incluindo o oncologista Felipe Roitberg. Num cenário colaborativo, ambos auxiliaram com o escopo do estudo, estruturado sob a ótica das demandas da saúde pública. A pesquisa foi publicada na última edição da revista JCO Global Oncology, da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (ASCO, na sigla em inglês) e encontra-se entre os trabalhos mais citados da prestigiosa revista.
Foram avaliadas mais de 3.000 publicações, para que se chegasse a um conjunto de 62 trabalhos. “Esses estudos avaliaram a frequência e os tipos de atrasos e interrupções na prevenção ou no tratamento de pacientes com câncer em todo o mundo”, explica a Dra. Rachel. Segundo dados mensurados pelas pesquisas analisadas, mais de 50% dos pacientes com câncer atrasaram seu tratamento por conta da pandemia de COVID-19. O estudo também mostrou, por meio de levantamentos, que mais de 60% dos médicos reportaram atrasos no tratamento, sendo que 90% se referiam a radioterapia, 20% a quimioterapia e 76% a cirurgias.
De acordo com levantamentos analisados, 77,5% dos pacientes interromperam seus tratamentos durante a pandemia, inclusive cuidados paliativos. Cerca de 48% dos médicos relataram também interrupção dessas terapias, e, mais: cerca de 73% dos oncologistas relataram atrasos de transplantes de células-tronco por conta da COVID-19.
Mais de 88,5% dos centros oncológicos disseram que a pandemia causou atrasos na realização de exames laboratoriais para diagnóstico do câncer e 83,6% apontaram demoras nos exames de imagem. Consequentemente, registrou-se também 77% de queda nos diagnósticos de câncer desde o começo da pandemia.
Mais de 95% de pacientes, médicos e centros especializados reportaram cancelamentos nas consultas de acompanhamento de pacientes, sendo que 42,5% dos médicos e pacientes apontaram que muitos simplesmente não apareceram nas suas consultas já marcadas.
A revisão sistemática também levantou os principais motivos pelo atraso ou interrupção dos tratamentos oncológicos. Para os pacientes, medo de se infectar com a COVID-19 foi a principal causa. Já, segundo os médicos, os atrasos foram provocados pelo risco de contrair COVID-19, falta de medicamentos, falta de equipes e falta de serviços de apoio.
Os estudos avaliados reportaram dados de pacientes com câncer de mama (18%), cabeça e pescoço (11%), urológico (10%), colorretal (6%), pele (6%), hematológico (5%), ginecológico (3%), pediátrico (3%) e pulmão (2%). Cerca de 48% dos estudos consideraram diferentes tipos de câncer.
Segundo explica a Dra. Rachel, essas análises são fundamentais para identificar de forma precisa o real impacto da pandemia nos cuidados relacionados ao câncer. A partir dessas informações, a OMS poderá tomar decisões referentes à mitigação dessas consequências de acordo com o seu impacto em cada país e para cada tipo de câncer.
“A produção científica durante a pandemia está sendo intensa e crescente, o que possibilitou uma gama muito grande de estudos que pudessem ser incluídos na revisão sistemática. No entanto, isso também exige que a revisão seja atualizada frequentemente”, explica a médica.
Para o oncologista do Hospital Sírio-Libanês e consultor da OMS, Dr. Felipe Roitberg, o trabalho constitui o melhor nível de evidência possível para tomadas de decisão em saúde pública. “O principal objetivo agora é entender onde moram os elementos responsáveis pelos atrasos e disrupções no sistema de saúde mapeados pelo estudo publicado, mensurá-los – por meio de modelos preditivos, e apontar soluções que minimizem os consequentes atrasos no atendimento aos pacientes de doenças crônicas, entre elas, o câncer. Desta forma, os países poderão mensurar as vidas salvas ao retomar os cuidados dos pacientes e salvar vidas”, conclui o especialista.