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Medicamento, sono e um volante: uma combinação perigosa

Por Sidnei Canhedo: Mestre em Saúde Ambiental e Gestor da Optalert, biotech australiana de tecnologia em controle de fadigas

Pode causar sonolência! A frase soa bastante familiar para aqueles que possuem o importante hábito de ler a bula de medicamentos – a imensa minoria da população. O aviso pode parecer um pequeno detalhe que não mereça atenção, mas, na verdade, é um alerta capaz de salvar vidas, principalmente as de quem decide se medicar e, em seguida, assume o volante de um veículo. O sono e a fadiga estão entre as principais causas de acidentes fatais nas estradas de todo o mundo e relacionados a centenas, senão milhares de acidentes de trabalho.

De acordo com os dados divulgados este ano pela National Highway Traffic Safety Administration, a agência oficial de segurança do trânsito dos Estados Unidos, quase 5.200 pessoas morreram no país, no último ano devido a condução feita por motoristas alterados pelo consumo de álcool, drogas ou medicamentos. Este percentual equivale a 10% de todos os acidentes fatais dos Estados Unidos.

Diferente de conduzir sob os efeitos de drogas ilícitas ou de álcool, as sociedades ainda não conseguiram absorver o quão grave é a união de um remédio que causa sono com o comando de um volante.

No Brasil a percepção que se tem é que isso não é um problema. Quem você conhece que alguma vez, responsavelmente, chegou a dizer que não iria dirigir pois havia acabado de tomar um antialérgico, ou até mesmo um antidepressivo? Terá que colocar a memória para funcionar, com risco de não adiantar o esforço.

As empresas farmacêuticas enfrentam muitos desafios, com centenas de novos medicamentos necessários para fazer a transição pelas fases de ensaios clínicos e processos regulatórios, com mais rapidez e eficiência. Estima-se que 90% das drogas que começam a ser testadas em pessoas não chegam ao mercado por serem inseguras ou ineficazes. 

Os métodos atuais de detecção de sonolência são realizados com testes subjetivos e também objetivos, mas que são demorados, caros e exigem muitos recursos. Com os recentes holofotes sobre os medicamentos prescritos para o sono, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos – o equivalente a nossa Anvisa – aprovou publicamente alterações de rótulos especificando novas recomendações de dosagem para medicamentos para dormir, amplamente prescritos. A mudança foi realizada devido ao risco conhecido de comprometimento da chamada ‘manhã seguinte’ com esses medicamentos. Foi preciso aconselhar os pacientes a não dirigir ou se envolver em outras atividades que exijam alerta mental completo no dia posterior ao uso do medicamento, já que os níveis de sonolência ainda poderão permanecer altos.

Identificar a dose “certa” é um imperativo fundamental para muitas empresas farmacêuticas durante o desenvolvimento clínico. Se elevada, ela pode resultar em toxicidade inaceitável, enquanto uma dose muito baixa diminui a chance de mostrar eficácia.

As metodologias atuais para medir sonolência ou vigília incluem estudos sobre transtorno de trabalho por turnos, narcolepsia, insônia, antidepressivos e analgésicos. Essas classificações são frequentemente feitas usando questionários, como o KSS (Karolinska Sleepiness Scale), mas, também, medidas objetivas, como EEG (eletroencefalografia) e testes de vigilância de tempo de reação.

Leis eficazesA seriedade sobre o tema ‘motoristas medicados com sonolência’ é tão debatida nos Estados Unidos que dois Estados, Nova Jersey e Arkansas, possuem legislações rigorosas em suas regras regionais de trânsito. Em Nova Jersey, por exemplo, a condução ‘conscientemente sonolenta’ pode levar a pessoa a ser acusada de homicídio veicular. O estatuto da ‘Lei de Maggie’ define como fadiga estar sem dormir por um período superior a 24 horas consecutivas. O infrator é cobrado no mesmo nível que um condutor embriagado.

De acordo com a National Sleep Foundation, 25% dos americanos não dormem o suficiente e a condução sonolenta resultante da fadiga do motorista ou do cansaço ao dirigir são responsáveis por milhares de mortes anualmente. A lei desses dois Estados americanos envia uma mensagem clara aos condutores de que os efeitos da direção sonolenta devem ser levados a sério, assim como dirigir embriagado.

A indústria farmacêutica tem por obrigação alertar nas bulas sobre os riscos. Talvez devessem fazer mais, investindo em campanhas que alertassem as pessoas sobre esse tipo de efeito colateral. Mas, sem dúvida, são as autoridades governamentais que devem liderar esse debate junto à sociedade. É preciso que tenhamos no Brasil mais dados transparentes sobre os impactos dessa mistura ‘volante e comprimido’, e que haja campanhas que alertem para os riscos. É um problema que impacta a segurança nas ruas e estradas no mundo todo. Mas a cultura de irresponsabilidade de motoristas brasileiros e a falta de fiscalização e punição tornam o País em um celeiro de trágicos e constantes acidentes.

Há como prevenir por meio de conscientização – através da promoção de campanhas educativas e com a implantação de sistemas tecnológicos de monitoramento de fadiga e sonolência em todos os veículos. Se ao tomar um medicamento acontecer o efeito colateral do sono, que seja na cama, em um ambiente tranquilo e seguro, bem distante de qualquer meio de transporte.

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