Por que celebridades lutam contra a depressão mesmo com fortuna e fãs?

Psicanalista Ana Lisboa: “pessoas que se dedicam integralmente a um cargo ou função também podem viver esse tipo de dissociação. Isso acontece até mesmo com profissionais que se vinculam mais ao seu papel do que à sua essência”.
Foto: Pixabay
A recente decisão do comediante e youtuber Whindersson Nunes de se internar voluntariamente em uma clínica psiquiátrica reacende uma questão delicada e, muitas vezes, incompreendida: por que celebridades que possuem sucesso, dinheiro e milhões de fãs enfrentam crises severas de saúde mental? A verdade é que a depressão não escolhe status, seguidores ou conta bancária, e, em muitos casos, a exposição excessiva e a pressão da fama se tornam gatilhos silenciosos para transtornos como ansiedade, burnout e depressão profunda.
O caso Whindersson Nunes escancara um fenômeno psicológico que atinge muitas celebridades, que é a dissociação da própria identidade. “Quando alguém se torna uma figura pública, acaba criando uma nova personalidade para as redes sociais. O problema é que, com o tempo, a necessidade de sustentar esse personagem pode levar a um completo distanciamento de quem a pessoa realmente é. Isso gera um vazio existencial profundo, que muitos confundem com depressão ou ansiedade, mas que, na verdade, é um deslocamento da própria identidade”, explica a psicanalista Ana Lisboa, que reside em Lisboa/Portugal.
Segundo ela, a pressão para estar sempre disponível, manter um padrão de felicidade e lidar com a expectativa do público cria uma sobrecarga emocional implacável. “As pessoas acreditam que influenciadores e artistas não trabalham, mas, na realidade, eles vivem uma carga horária de 24 horas por dia. Não há desligamento, não há descanso da própria imagem. É uma exposição contínua, e um turbilhão de cobranças e críticas
A especialista destaca também que esse tipo de sofrimento não afeta apenas os famosos. Pessoas que se dedicam integralmente a um cargo ou função também podem viver esse tipo de dissociação. “Isso acontece até mesmo com profissionais que se vinculam mais ao seu papel do que à sua essência”.
Quando alguém, por exemplo, se torna refém de uma identidade que precisa ser mantida a qualquer custo, o corpo responde. Ele pode adoecer fisicamente para tentar trazer a pessoa de volta à sua verdadeira identidade, ressalta a psicanalista, explicando que foi exatamente o que aconteceu com a cantora Anitta, que no auge de sua carreira precisou resgatar sua essência como Larissa. O mesmo padrão se repetiu com Justin Bieber, Britney Spears e tantas outras celebridades. A fama, ao invés de ser sinônimo de liberdade, se torna uma prisão invisível, onde a necessidade de corresponder às expectativas externas anula a própria existência.
Para Ana Lisboa, a internação de Whindersson foi uma escolha acertada. “Esse é um movimento de retorno para si mesmo. De se reconectar com sua história, seu corpo, sua essência. A fama exige um nível de entrega que, muitas vezes, gera um senso de morte interna. O corpo reage para evitar que essa desconexão se torne definitiva. O tratamento psiquiátrico, nesse caso, não é apenas uma solução para um transtorno, mas um caminho para a reconstrução de uma identidade real e saudável”.