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Saúde mental masculina: hora de repensar conceitos

“Quando ensinamos meninos a silenciar suas emoções, estamos negando a eles uma parte fundamental da experiência humana”, alerta psicóloga

Foto: Freepik

Chorar, expressar tristeza, sentir medo. Para muitos meninos, essas atitudes ainda são vistas como sinal de fraqueza. Frases como “engole o choro”, “menino não chora” e “seja homem” continuam sendo reproduzidas em casas e escolas, refletindo um modelo ultrapassado de masculinidade. Uma reflexão se torna cada vez mais urgente: como estamos educando nossos meninos, dentro e fora de casa?

Homens têm menor tendência a buscar ajuda psicológica. Segundo o documento “Suicide worldwide in 2019: Global Health Estimates”, a taxa global padronizada por idade foi de 12,6 por 100 mil para homens e 5,4 por 100 mil para mulheres, ou seja, os homens têm uma taxa de suicídio aproximadamente 2,3 vezes maior que as mulheres. Em países de alta renda, essa razão chega a pouco mais de 3 para 1. 

No Brasil, um estudo publicado na revista científica Cadernos de Saúde Pública mostra que, entre 2000 e 2017, a taxa de suicídio entre homens variou de 6,5 para 11,3 por 100 mil habitantes; entre mulheres – de 1,6 para 3,0 por 100 mil, confirmando que a taxa entre homens é cerca de quatro vezes maior. 

O tabu em torno da saúde mental masculina está enraizado em estereótipos (muitas vezes religiosos) que associam masculinidade à força, independência e resistência emocional, dificultando a expressão de sentimentos e o acesso a cuidados.

A repressão emocional masculina tem raízes culturais profundas. Historicamente, meninos foram ensinados a associar virilidade à dureza emocional. Mas, à medida que crescem os índices de sofrimento psíquico entre homens, torna-se urgente repensar esse modelo.

Conforme explica a psicanalista Ana Tomazelli, presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino – IPEFEM, de São Paulo/SP, “quando ensinamos meninos a silenciar suas emoções, estamos negando a eles uma parte fundamental da experiência humana. Isso pode gerar adultos emocionalmente bloqueados, com dificuldades de relacionamento e maior propensão a problemas como ansiedade, depressão e agressividade”.

Propostas pedagógicas – Diante desse cenário, instituições de ensino e educadores vêm implementando metodologias que contemplam a educação emocional dos meninos de forma mais consciente. Ana Tomazelli aponta estratégias já adotadas por diversas organizações com resultados positivos:

  • Rodas de conversa regulares sobre emoções e sentimentos
  • Seleção de literatura infantil com personagens masculinos sensíveis e diversos
  • Atividades artísticas e expressivas acessíveis a todas as crianças
  • Capacitação de educadores sobre masculinidades saudáveis e não tóxicas

Ao implementar essas práticas, afirma, “é possível observar meninos mais empáticos, com melhor capacidade de comunicação e relacionamentos mais ricos com colegas e familiares”.

O que dizem os especialistas – Para Ana, homens emocionalmente inteligentes tendem a ser pais mais presentes, parceiros mais empáticos e líderes mais eficazes. “Estamos formando uma geração que pode quebrar ciclos de violência e construir relacionamentos mais saudáveis”, reforça.

Segundo ela, algumas práticas estratégicas que podem ser incorporadas desde a infância incluem: validar todas as emoções das crianças, independentemente do gênero; oferecer modelos masculinos diversos (não apenas o “forte e provedor”); estimular brincadeiras que desenvolvam empatia e cuidado; e questionar comentários que limitem a expressão emocional.

No mercado de trabalho – A repressão emocional não termina na infância — ela se manifesta também no ambiente profissional. Um levantamento da GQ Brasil, realizado pelo Instituto Ideia com 2.000 homens, revelou que 80% nunca frequentaram terapia, mesmo que 74% relatem ansiedade e 83% relatem estresse. O dado reforça os padrões tradicionais que incentivam os homens a “segurar a barra sozinhos”.

Em uma discussão na plataforma Reddit, um usuário resume o pensamento de muitos: “Homens não procuram tratamento porque acham que isso é coisa de mulherzinha ou fraqueza.”

Segundo relatório da OMS, nas Américas os homens vivem 5,8 anos a menos do que as mulheres e são mais suscetíveis a doenças crônicas, violência, acidentes e suicídio — todos fatores ligados à construção social da masculinidade. 

Iniciativas que fazem a diferença – Algumas empresas vêm respondendo a esse desafio com ações concretas. Programas internos têm promovido uma cultura de cuidado, com grupos de apoio, palestras sobre saúde mental masculina, treinamentos sobre masculinidades saudáveis e incentivo ao autocuidado. Quando os homens se sentem acolhidos e autorizados a expressar suas emoções, observa-se melhora no clima organizacional, aumento da produtividade e maior engajamento das equipes.

A educação emocional masculina não é apenas uma questão individual, é um investimento coletivo no futuro. “Ao ensinar meninos a reconhecer, nomear e expressar seus sentimentos desde cedo, estamos ajudando a formar adultos mais resilientes, empáticos e mentalmente saudáveis. Isso se traduz em menos casos de depressão, menos famílias afetadas pelo silêncio e, num cenário mais amplo, menos mortes evitáveis por suicídio”, afirma Ana.

A psicanalista sugere que pais, mães, educadores, líderes e a sociedade como um todo reflitam:

  • Estamos ensinando aos meninos que é corajoso sentir?
  • Estamos permitindo que eles falem sobre suas dores e alegrias sem julgamento?
  • Estamos construindo ambientes onde a vulnerabilidade é bem-vinda?

“A masculinidade do futuro pode e deve ser plural, sensível e integral. Criar meninos livres para serem inteiros é abrir caminho para homens livres para serem humanos”, conclui Ana Tomazelli.

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