Solidão: risco invisível

Condição pode aumentar em 40% o risco de demência, aponta estudo
Foto: Freepik – IA
A solidão já é vista como uma importante preocupação de saúde pública que impacta no aumento do risco de doenças cardíacas, acidente vascular cerebral (AVC), ansiedade, depressão, hipertensão, obesidade e diabetes. Hoje, cerca de 37% dos adultos dos Estados Unidos – EUA, entre 50 e 80 anos, sentem solidão, conforme pesquisa nacional estadunidense, divulgada em 2023. O impacto desse isolamento vai além dos males físicos, e está associado ao aumento de até 40% no risco de desenvolver demência, segundo estudo com mais de 12 mil participantes acompanhados por 10 anos, publicado no periódico The Journals of Gerontology. Já sobre a chance de desenvolver Alzheimer, um estudo de corte com quatro anos de acompanhamento demonstrou que o risco é mais que dobrado em pessoas que vivem isoladas em comparação àquelas que não eram solitárias.
De acordo com o neurologista Rodrigo Schultz, ex-presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) e parceiro da Libbs Farmacêutica, a solidão afeta o bem-estar emocional e desencadeia alterações neurobiológicas que prejudicam a cognição. Ele destaca que o estresse crônico está relacionado à neuroinflamação, o que altera a química cerebral, contribuindo para o declínio cognitivo. “O engajamento social estimula a cognição, aumenta o senso de propósito e fortalece uma rede de apoio recíproco. Com o tempo, essa estimulação com relacionamentos interpessoais de apoio pode proteger a saúde do cérebro e diminuir o risco de comprometimento cognitivo grave. Além disso, a conexão social está associada ao aumento da longevidade e melhor bem-estar social, emocional e físico”, explica.
O isolamento social, intensificado pela pandemia de Covid-19, causou graves consequências à longevidade, saúde e bem-estar, impactando negativamente a saúde mental e física dos mais vulneráveis. Segundo a geriatra Carla Borges, ex-presidente da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica (ABNPG), isso reforça a necessidade de políticas públicas que incentivem a socialização e a construção de redes de apoio. “Idosos estão mais suscetíveis a eventos perturbadores como aposentadoria, incapacidade, perda de mobilidade e perda do cônjuge ou de amigos, o que os coloca em maior risco de isolamento. Na pandemia, a tecnologia permitiu que filhos e família se comunicassem, diminuindo a sensação de isolamento. Agora, essas práticas precisam voltar a serem estimuladas.”
Segundo Schultz, a pandemia ainda impactou a saúde dos cuidadores de pacientes com demência, muitos dos quais enfrentaram problemas psicológicos graves, como depressão e ansiedade, devido ao isolamento social e à carga emocional.
No Reino Unido, 8 em cada 10 deles têm solidão ou apresentam isolamento como resultado do cuidar. O cuidador Douglas Moraes vivenciou isso na pele ao cuidar de um familiar próximo. “Quando se é cuidador, a solidão nos é imposta. Só dizerem que precisamos sair de casa sem dar orientação, causa sofrimento, porque ficamos engessados, sem conseguirmos nos mover. É preciso que as medidas sejam efetivas, o que envolve estruturas pessoais, familiares e condições financeiras”.
Nesse sentido, Schultz enfatiza que as estratégias para prevenção da solidão precisam envolver os âmbitos individuais e comunitários, com participação de agentes públicos, sendo incorporado o tema à Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. Conforme destaca, promover conexões sociais e um senso de pertencimento é fundamental para combater os efeitos da solidão. Ele sugere que a criação de redes de apoio lideradas por profissionais pode ser eficaz para atender às necessidades emocionais dos idosos.
O especialista elenca atividades que podem auxiliar para a redução ou prevenção da solidão, como tempo diário para contato com familiares e amigos; inscrição em aulas online ou presenciais, participação em palestras, grupos sociais ou religiosos. Exercícios físicos em grupo, ser voluntário e conversar com o médico sobre suas preocupações.
Organizações como a ABRAz têm se empenhado em desenvolver campanhas de conscientização sobre a importância da socialização. De acordo com a geriatra Carla Borges, em 2024, durante o XII Congresso Brasileiro de Alzheimer e XI Neuropsiquiatria Geriátrica, pela 1ª vez, foi abordado o tema “Solidão e Demência”, buscando sensibilizar profissionais e participantes sobre a importância da socialização na saúde mental e física dos idosos. Outra iniciativa relevante para essa população é o projeto Tempo de Encontro Em Solidão, idealizado pela agência Impacthal, que visa promover trocas informativas, acolhedoras e como facilitador na jornada da pessoa em solidão.