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Dor crônica: pandemia mundial

Ela é a principal causa de afastamento do trabalho no Brasil e no mundo.

Imagem: Divulgação

A dor crônica é a causa que mais afasta as pessoas do trabalho no Brasil e no mundo e impacta, de modo significativo, a qualidade de vida e a rotina diária, sendo considerada um problema de saúde pública mundial que pode gerar perdas financeiras significativas, estresse físico e emocional e prejudicar a funcionalidade, o sono, apetite, cognição, humor, relacionamentos, qualidade de vida, desempenho pessoal e profissional e o lazer. Alguns especialistas já apontam a dor crônica como uma pandemia mundial.

Um estudo sobre epidemiologia da dor no Brasil, realizado pelo Centro de Fisioterapia da Universidade Estácio do Ceará e pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, de Ribeirão Preto, em 2020, mostra que cerca de 95,6 milhões de pessoas, ou seja 45% da população brasileira, em média, têm dor crônica. Desse total, aproximadamente, um terço (36% ou 34,4 milhões) tem dor musculoesquelética como, a osteoartrite, a síndrome dolorosa miofascial e bursite, entre outras.

As dores neuropáticas, que têm componente de lesão de estrutura nervosa, afetam 14% da população brasileira, e as dores nociplásticas que causam um aumento de sensibilidade do sistema nervoso periférico e central, onde não há lesão de estruturas anatômicas e, sim, de função, causando enxaqueca, cefaleias e fibriomialgias entre outras, atingem 12% das pessoas.

A professora Lin Tchia Yeng, médica fisiatra e coordenadora do Núcleo de Dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), afirma que é fundamental “avaliar o paciente com dor de forma global, porque o tratamento tem um escopo interdisciplinar e integrado, não podendo estar focado apenas em uma área de especialidade médica específica.

Para aliviar a dor os pacientes podem utilizar analgésicos, antidepressivos, anticonvulsivantes para modular a percepção da dor. “Mas essa conduta não é suficiente”, informa o neurologista Gabriel Kubota, que atua nos Grupos de Dor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e do Departamento de Neurologia do HCFMUSP. 

Segundo ele, “o tratamento em geral é feito combinando várias especialidades médicas e não médicas com tratamentos farmacológicos e não farmacológicos como, medidas de fisioterapia, odontologia, psicoterapia, até orientação para a prática de atividade física, entre outras”.  Diversas áreas de medicina como, acupuntura, neurologia, ortopedia, anestesiologia, fisiatria, pediatria, geriatria, entre outras, também atuam com pacientes com dores crônicas.

A professora Lin, costuma parafrasear o cirurgião francês René Leriche: “a saúde é o silêncio dos órgãos do corpo”, e ressalta que “se o corpo manifesta dor, é preciso descobrir as suas causas e verificar pequenos detalhes no dia a dia da pessoa como, por exemplo, como é a ergonomia do paciente em sua rotina no trabalho, no lar, no sono, na prática esportiva e no lazer, entre outros, por sobrecarregar o organismo.

A alimentação é outro ponto a ser analisado, pois uma má alimentação faz com que o paciente fique sem energia, mais fatigado, com dores musculares. Um artigo recente da Nature revelou que “cerca de 50% da população global têm deficiência de micronutrientes, o que é chamado de fome oculta. Com isso, o organismo não funciona direito”, afirma Lin. Ela reforça que é preciso também ter uma atividade física regular e ter controle de stress para garantir uma boa qualidade de vida. 

Dores mais comuns – Segundo a Dra. Lin, a grande maioria dos pacientes atendidos no ambulatório do Núcleo de Dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC-FMUSP são de dores musculoesqueléticas do aparelho locomotor, como dores musculares, cervicalgias, lombalgias, osteoartrites, no pós-operatório, entre outras, e cuja principal linha de tratamento é a reabilitação, em conjunto com o tratamento farmacológico e suporte psicossocial. Uma menor porcentagem, em torno de 25 %, são as dores neuropáticas relacionadas à lesão do sistema nervoso, como dores pós amputação (dor fantasma e do membro amputado) por acidente de trânsito, em lesão medular ou até pós-traumática de estruturas nervosas em acidentes domésticos, entre outras causas.

No Brasil, desde a década de 90, as lombalgias e a dor cervical são as principais causas de incapacidade, sendo a enxaqueca a quarta maior causa. Segundo Kubota, o custo dessas doenças é elevado. Só a enxaqueca gera gastos indiretos de cerca de 67 bilhões de reais/ano, segundo estudo de pesquisadores brasileiros realizado em 2020.

Capacitação profissional – Assim como em outras áreas, o tratamento da dor também carece de profissionais capacitados para atuar no mercado. Lin Yeng explica que as escolas de medicina não têm em sua grade de ensino o tratamento da dor como disciplina oficial. Há informações esparsas em cada área.

O HCFMUSP é pioneiro no tratamento da dor e foi o primeiro na América Latina a criar um ambulatório multidisciplinar de dor, em 1974, pelo prof. Dr. Manoel Jacobsen Teixeira.  O Curso Interdisciplinar de Avaliação e Tratamento da Dor da USP possui um diferencial importante em relação aos existentes no mercado, por ser o primeiro curso interdisciplinar de dor no Brasil, além da vasta e extensa experiência dos professores, a complexidade dos casos clínicos presentes no HC-FMUSP e a vivência prática do aluno. Foi também o primeiro a criar o Curso de Formação para Especialização em Tratamento de Dor no Estado de São Paulo, com um escopo interdisciplinar abrangente, que aborda temas de todas as áreas da medicina.

Desde a sua implantação, há mais de 20 anos, esse curso, coordenado pelos professores Manoel Jacobsen Teixeira, Lin Tchia Yeng e Gabriel Kubota, vem formando profissionais de todas as áreas de saúde.

Em 2025, o HCX da FMUSP promoverá a 21ª edição desse curso, um dos mais completos do mercado, proporcionando uma oportunidade para os profissionais aprenderem os conceitos básicos sobre os diferentes tipos de dor e os princípios gerais de tratamento. As inscrições já estão abertas. Informações: https://hcxfmusp.org.br/portal/online/curso/tratamento-interdisciplinar-dor/ . O curso terá início em março de 2025.

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