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Psicólogo Weslley Pedrosa Morais: “a ameaça do suicídio deve sempre ser levada a sério, pois, geralmente, as pessoas que pensam em se matar estão com sua percepção da realidade alterada de forma radical”

Em 2020, o número de casos de suicídios no Brasil foi 12.895, número bastante expressivo quando comparado a 2012, ano em que foram registrados 6.905 casos. Esses dados constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública/2021, divulgados em julho do ano passado, durante o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pelo estudo pode ser percebida, também, uma alta de 0,4%, caso os dados sejam comparados ao número de casos ocorridos em 2019, quando foram registrados 12.745 casos, podendo se concluir, então, pela tendência de alta no país.

Para falar sobre este assunto, o Portal Medicina e Saúde conversou com o psicólogo Weslley Pedrosa Morais, que há mais de 10 anos vem atuando nesta área. Além de manter consultório próprio, ele atende, como voluntário, membros da Oitava Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. Ele é formado também em Telecomunicações.

Inicialmente, o que o senhor acha desses dados? A tendência desses índices é aumentar? Por quê?

– O suicídio no Brasil vem em uma linha crescente, mas não houve aumento significativo de 2019 a 2020. Podemos dizer, assim, que ocorreu uma estabilidade nos números. Isso não significa que estes estejam bons, pois houve um aumento significativo entre os últimos 11 e 20 anos.

Esse é um dado que me preocupa, pois temos visto uma demora no amadurecimento desses jovens, e essa imaturidade, diante de uma pandemia como a que estamos vivenciando, pode torna-los ainda mais vulneráveis aos transtornos emocionais causados pelo grave momento que estamos passando.

A faixa subsequente, entre 21 e 30 anos, também é alarmante, visto que será  a que mais sofrerá com as crises socioeconômicas e políticas, além da pressão por sucesso e dinheiro e a falta de esperança por um futuro.  Desafio enorme pela frente.

O que leva uma pessoa a pensar em suicídio?

– O suicídio pode ser considerado uma situação psicótica que leva, em determinado momento, o indivíduo a ficar fora de si, com sua capacidade auto defensiva baixa, fazendo com que ele ataque a si mesmo.

Há como apontar quais os gatilhos que podem disparar essa vontade de pôr um fim à vida?

– Certamente existem muitos gatilhos importantes, mas é preciso ter a consciência de que, na maioria das vezes, o suicídio não é unifatorial e sim, multifatorial, ou seja, é o somatório de experiências frustrantes e traumáticas e de anseios difíceis de serem alcançados que impulsionam a pessoa a atentar contra a própria vida. Porém, há alguns gatilhos mais evidentes como: dificuldades financeiras, conflitos de identidade sexual, traumas na infância/adolescência/idade adulta, doenças, perda de alguém querido. Além desses, há aqueles causados por distúrbios psicológicos, como alucinações, delírios e outros.

Quem vive uma crise suicida quer mesmo morrer?

– A ameaça do suicídio deve sempre ser levada a sério, pois, geralmente, as pessoas que pensam em se matar estão com sua percepção da realidade alterada de forma radical e, por isso, perdem o sentido da vida. Elas desejam parar de sofrer, mas não sabem como ou não conseguem fazê-lo sozinhas. Assim, se não forem devidamente tratadas e acompanhadas, a crença na morte passa a ser a solução para seus problemas.

O que é mais forte: a vontade de parar o sofrimento ou o instinto de sobrevivência?

– É próprio do ser humano fazer tudo que estiver ao seu alcance para permanecer vivo. Para tanto, instintivamente, irá buscar suas necessidades primárias. Por outro lado, o suicida, vive uma morte existencial, logo, o seu instinto de sobrevivência está deficiente e a vontade de libertar-se do sofrimento se sobrepõe.

Quais os sinais que podem ser observados em quem têm um comportamento suicida ou que está vivendo uma crise suicida?

– Entender o suicídio é uma questão complexa, já que envolvem vários fatores. Assim, caso sejam observadas variações bruscas no humor, tristezas excessivas e prolongadas, busca por reconciliações inesperadas, excesso no uso de drogas, fixação em fazer testamento, cartas/mensagens de despedida, a atenção deve ser redobrada, pois são atitudes e indícios que podem anunciar um comportamento suicida.

Há como socorrer esta pessoa? De que forma? 

– Sim, é claro. Para aquele que não é um profissional da área, é muito importante seguir algumas atitudes para ajudar uma pessoa com comportamento suicida, como: ouvir com empatia, fornecer suporte necessário a suas demandas, indicar um psiquiatra ou um psicólogo, e, em casos extremos, hospitalizar é a único meio de contenção. 

O último dado sobre o número de suicídios que temos no Brasil se refere a 2020, ano marcado pelo início da pandemia. Comparado a 2019, houve um aumento de 0,4% das ocorrências. Esse aumento pode estar relacionado à pandemia? De que forma, caso acredite que sim?

– Os números não apontam para o aumento de casos de suicídio pela pandemia, no entanto, é importante salientar que o avanço da Covid 19 gerou forte impacto na saúde mental e no bem-estar das pessoas, aumentando, de forma significativa, os transtornos depressivos e os transtornos de ansiedade, estes, os maiores causadores do comportamento suicida. Os dados de 2021 ainda não estão disponíveis, mas poderão vir com elementos importantes em referência a 2020.

Durante a pandemia houve um aumento do uso do álcool e drogas em geral. Essas substâncias podem induzir a pessoa a pensar em um suicídio e até mesmo chegar às vias de fato, principalmente durante uma pandemia como a que estamos vivendo?

– Para conter o estresse e ansiedade gerados pela necessidade de adaptação a uma nova realidade, causada pela pandemia, as pessoas usam de subterfúgios que oferecem prazer ou que possuam efeito de anestésicos, como comida, álcool, drogas, remédios, enfim, funcionam como válvula de escape. Numa pandemia como a que estamos vivenciando, com as inúmeras transformações nos hábitos, nas relações e nos meios de subsistência, o uso do álcool e das drogas pode induzir a pessoa a pensar em suicídio e, até mesmo, chegar às vias de fato, já que ambos modificam a percepção de mundo e das emoções, agravando, assim, os sintomas depressivos e os transtornos psicológicos.

O isolamento social imposto durante a pandemia pode disparar o gatilho naqueles que já têm um comportamento suicida?

– Sim, o isolamento fez com que as pessoas adoecessem rapidamente frente às incertezas do futuro, seja nas relações interpessoais, trabalho ou econômicas. Logo, o isolamento social trouxe várias consequências à saúde mental das pessoas, o que é alarmante pois, esta é potencialmente fatal.

Em seu consultório, como o senhor tem lidado com esta situação?

– Não tem sido fácil lidar com o sofrimento psíquico atual, pois a pandemia também trouxe grandes desafios para a psicologia e para o terapeuta. Aceitar trabalhar o sofrimento do outro hoje é o mesmo que dizer, “eu aceito sofrer com você e, juntos, procuraremos caminhos e possibilidades para sairmos dessa situação”.  Atualmente, o meu trabalho é tornar compreensível aquilo que não foi até então.

Houve, de fato, um aumento dessa demanda em seu consultório?

– A maior demanda atual no consultório está diretamente ligada aos transtornos psíquicos ligados ao isolamento social e às consequências da pandemia.

Desde o início da pandemia o medo tomou conta de milhões de pessoas no mundo. Como o medo, o isolamento social e as demais medidas sanitárias afetaram o emocional das pessoas?

– O medo em si é benéfico, pois nos coloca em estado de alerta e aptos a agir. Vivemos, porém, um momento singular com esta pandemia, que aponta para um ponto chave a ser pensado: a nossa vulnerabilidade diante da COVID19. Diante disso, o medo da doença e, junto com o ele, o da morte, levou ao aumento do nível de ansiedade e dos transtornos psíquicos em indivíduos saudáveis e a intensificação dos sintomas naqueles indivíduos com transtornos pré-existentes.

Quais as orientações que o senhor pode dar em situações como esta? Como controlar tais emoções?

– Equilibrar as emoções nunca é fácil e encontrar esse equilíbrio durante pandemia é bem menos provável. Por essa razão, é importante manter algumas rotinas regulares, hábitos saudáveis e práticas antigas esquecidas, ou seja, procurar tudo aquilo que, de alguma forma, poderá desviar a mente de preocupações excessivas, além de levar à distração e ao enfrentamento do medo e de suas consequências.

Dia 10 de setembro comemora-se o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Ações como esta podem reverter a tendência de aumento dos casos de suicídios no Brasil?

– O tema suicídio ainda é refém de um tabu criado pela sociedade. Entendo que não falar sobre o tema pode ter um efeito tão devastador quanto falar de forma inadequada. Em função disso, é importante trabalhar o assunto, apresentando alternativas, divulgando locais e formas de obter ajuda, dando a devida ênfase à prevenção. Promover a prevenção é um bom caminho para mudar essa tendência de aumento de casos de suicídio no Brasil.

Como o poder público pode agir para reverter esse processo e dar o suporte devido a essas pessoas?

– O principal desafio hoje é a ampliação do acesso e integração do atendimento da saúde mental, na sua amplitude, com a atenção primária. No Brasil já temos vários programas de apoio para os indivíduos que estão passando por qualquer nível de transtorno, como os CAPS Centros de Atendimento Psicossocial, CAPSi, para crianças, CRAS, CREAS, RAPS, todos já funcionando como elos integradores para o atendimento, e que podem ser utilizados por qualquer pessoa. Temos o CVV, Centro de Valorização da Vida, que funciona 24hs, que é um centro de apoio emocional e prevenção ao suicídio.  Mas, diretamente ao nosso tema, precisamos intensificar os programas de prevenção, aumentando o esclarecimento da população sobre os transtornos mentais, disponibilizar tratamentos eficazes, limitar o acesso a meios letais, hoje no Brasil estamos na contramão nesse sentido, oferecer esperança.

Onde buscar ajuda?

Além dos citados acima (CAPS e demais), uma vez detectado algum comportamento de risco ou detectada tentativa de suicídio, é imprescindível o encaminhamento imediato do paciente para um hospital psiquiátrico de referência pois, nesse ambiente, receberá todo o suporte multidisciplinar necessário.

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