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Medicina & Saúde Jovem: entrevista com Wagner Scalabrini Neto

Wagner Scalabrini Neto: “Eu imagino a boa medicina não como aquela de maior complexidade, mas, sim, como aquela que consiga atender e suprir as demandas de quem mais precisa”.

 Jovens médicos, novos tempos. A medicina oferece cada vez mais novos avanços, tecnologias e medicamentos. Entretanto, infelizmente, boa parte da população tem dificuldade de acesso rápido a consultas e procedimento da área. Por esse motivo, é da maior importância a vivência de estudantes de medicina junto a essa realidade, através de projetos comunitários, que mostram o dia a dia de pacientes, distantes dos grandes centros urbanos.

     Nessa entrevista, ao Portal Medicina & Saúde, Wagner Scalabrini Neto, atualmente no 12º período de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais, fala de sua experiência no internato rural, também na reabilitação com pacientes oncológicos. Scalabrini aborda a importância da produção científica durante a faculdade, a influência de seu pai, também médico, sua escolha para a residência médica, formação médica que recebe, medicina do futuro, entre outros aspectos. Confira:

Wagner, na sua experiência acadêmica na iniciação científica na faculdade, o que mais o incentivou nos estudos? – Diversos fatores me incentivaram a produzir uma iniciação científica. Posso citar, por exemplo, a necessidade em aprender a conduzir uma pesquisa. Um estudo acadêmico é completamente diferente de um estudo quando já se é um profissional na área. Ao longo da minha pesquisa, com a ajuda da minha orientadora, encontrei diversas falhas em meu projeto que me mostraram que fazer pesquisa não é nem um pouco fácil, mas isso foi de extrema importância para que eu aprendesse o funcionamento de certas coisas e melhorasse no futuro.  Certamente o meu próximo projeto será melhor e mais bem conduzido. Além disso, uma iniciação científica garante uma pontuação extra nos editais de residência médica, o que pode ser um diferencial dado a alta concorrência nos dias atuais.

Nos projetos junto à comunidade (Bom Despacho, Caeté e Candeias), como foi verificar a realidade da medicina nessas cidades, o que destacaria de positivo e de negativo? – É uma realidade muito distante da que estamos habituados, quando vivemos em grandes cidades como Belo Horizonte. Quando fui para Caeté com um grupo de colegas, realizamos algumas abordagens em um centro de saúde da região, voltadas principalmente para a promoção de saúde, como orientações acerca de uma boa alimentação, prática de atividade física e cessação de tabagismo, além de nortear medidas para um bom controle de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Já em Candeias, cidade na qual realizei o meu Internato Rural, pude ter um acompanhamento mais longitudinal, dado que morei lá por alguns meses. É uma cidade bem pequena, mas que apresenta um excelente acesso na atenção primária, porém peca em casos de maior complexidade, sendo necessário referenciar para municípios de maior porte da região, como Campo Belo. Por fim, em ordem cronológica, o último projeto foi em uma comunidade rural de Bom Despacho. Ao chegar lá, vimos que se tratava de uma comunidade bastante desassistida em termos de saúde. Devido a isso, nossa abordagem ficou um pouco mais restrita. O que fizemos foi realizar um rastreamento de hipertensão e repassamos para a Secretaria de Saúde para que esses pacientes conseguissem uma consulta agendada, com posterior abordagem e seguimento de tal condição. Em suma, destaco como ponto negativo a dificuldade do acesso à saúde em pequenos municípios. Como ponto positivo, a possibilidade de conhecer diferentes realidades e poder auxiliar de alguma forma, mesmo que pontual.

Sobre o projeto REVIVER de reabilitação com pacientes oncológicos, fale sobre essa experiência – Contextualizando de forma breve, o projeto REVIVER foi um projeto que eu e alguns colegas desenvolvemos ao longo da faculdade, que teve como objetivo melhorar a qualidade de vida de pacientes oncológicos através da prática de atividades físicas, adequadas às devidas limitações e proporções da doença.

O que mais o impressionou? – Me impressionou como a neoplasia é uma doença que, infelizmente, é capaz de deixar uma pessoa muito debilitada tanto fisicamente como mentalmente.

Como foi a reação dos pacientes com relação ao projeto? – Conseguimos apenas um paciente para participar do projeto. Apesar disso, a reação foi positiva. Ele e sua filha se mostraram animados e dispostos a realizar os exercícios que prescrevemos. Por fim, ambos estavam cientes de que aquilo não era a cura da doença, mas, sim, uma forma de tentar trazer melhor qualidade de vida e sensação de autonomia para o doente.

Quais as dificuldades encontradas/limitações no atendimento? – Em relação ao único paciente que tivemos, uma grande limitação do atendimento foi o fato de ele morar distante do serviço de saúde em que conduzimos o projeto, levando-o no final a abandonar o programa. Entretanto, entendo que isso é uma realidade muito presente. Outra dificuldade foi conseguir captar mais indivíduos a participarem da nossa ação, muitos também residiam em local distante do projeto e ou não demonstraram interesse em participar.

Como resolver essas dificuldades? – Como forma de contornar o fato de que nosso paciente não poderia mais comparecer presencialmente ao serviço de saúde em que o projeto foi conduzido, prescrevemos algumas atividades simples que poderiam ser realizadas em casa sob supervisão e demos algumas orientações gerais visando promoção de saúde e focando em qualidade de vida.

Sobre a apresentação de trabalhos em eventos médicos. O que pode salientar desse aprendizado? – Acredito ser de extrema importância apresentar esse tipo de trabalho desde o início da graduação, para que já se tenha um contato precoce com a produção científica. Além disso, penso ser esse o momento ideal de se cometer erros e acertos, assim como na iniciação científica. Consegui perceber ao longo da faculdade a melhora, tanto de delineamento do projeto como de apresentação e desenvoltura dos trabalhos, com a progressão dos períodos. Dessa forma, é possível chegar ao final da graduação e início do mercado de trabalho, mais experiente e bem capacitado.

Ter pai médico o incentiva no caminho da medicina? – É uma relação que me incentiva a buscar sempre o melhor. Vejo que meu pai até hoje permanece estudando e se atualizando, pois, a medicina é muito dinâmica e está em constante mudança.

A formação que recebe na sua faculdade corresponde às suas expectativas com relação ao currículo, realidade brasileira, mercado de trabalho, avanços da medicina, ética, etc.) – Com certeza! Inicialmente abordando o tema currículo, a Faculdade Ciências Médicas oferece diversas oportunidades extracurriculares, tais quais ligas acadêmicas, projetos de iniciação científica, projetos de extensão, publicação de artigos em revista própria e diversas outras possibilidades. Na sequência, em se tratando de realidade brasileira, tive a chance de estagiar nos principais grandes centros de referência SUS de Belo Horizonte, onde pude colocar em prática o conhecimento adquirido pelos estudos teóricos. Em relação aos avanços da medicina, a faculdade está constantemente promovendo congressos e simpósios das grandes áreas médicas, oferecendo constante atualização das melhores condutas baseadas em evidências. Por fim, se reunirmos todos esses aspectos, definitivamente é uma instituição que prepara com ética e excelência para o mercado de trabalho.

Qual área pretende seguir na Residência Médica? Por que pretende seguir esse caminho como médico? – Pretendo prestar residência para Clínica Médica. Escolhi essa área já no final da graduação, após ter tido contato com todas as outras cadeiras básicas da Medicina (Clínica Médica, Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Medicina Preventiva). Acredito que a Clínica é quase que a base da medicina, pois agrega conhecimento e prática para identificar e tratar das principais afecções humanas, além de te permitir trabalhar desde a atenção primária até serviços de maior complexidade. Ademais, é uma área com diversas subespecialidades, como a Endocrinologia, Cardiologia, Nefrologia, Pneumologia, dentre outras, o que garante um vasto campo de atuação, por vezes dialogando com intervenções clínico-cirúrgicas. Em suma, o que me atrai na clínica é o seu amplo espectro de possibilidades.

Em um país com tanta diferença social como o Brasil, como você imagina uma boa medicina? – Eu imagino a boa medicina não como aquela de maior complexidade, mas como aquela que consiga atender e suprir as demandas de quem mais precisa. Atualmente se fala muito na atuação principalmente de prevenção primária e quaternária, sendo a primeira voltada para evitar o surgimento de agravos, como vacinação para evitar doenças imunopreveníveis, prática de atividade física, boa alimentação e cessar tabagismo. Já a quaternária foca em proteger pacientes do excesso de intervenções, como solicitar exames desnecessários e a sobre medicalização de condições que poderiam ser abordadas de outras formas. Por fim, acho importante salientar também a prevenção quinquenária, focada em cuidar de quem cuida, ou seja, os profissionais de saúde de um modo geral. São indivíduos que enfrentam longas e desgastantes jornadas de trabalho que, por vezes, infelizmente, deixam de oferecer o seu melhor devido ao cansaço e a exaustão.

Como avalia uma medicina do futuro, já com a presença forte da inteligência artificial? – A inteligência artificial veio para ficar. Isso é um fato. Mas não para substituir o médico, mas para auxiliá-lo. Existem muitos aspectos dentro da medicina que são bastante mecânicos e repetitivos, como, por exemplo, a realização de receitas médicas, confecções de prontuários e prescrições que tomam muito tempo dos profissionais, tempo esse que poderia ser melhor investido em discussão de casos e planejamento de melhores condutas para os pacientes. Já existem protótipos de inteligência artificial que realizam essas atividades mecânicas de forma mais rápida e eficiente, e, é claro, que todos esses documentos passam pela supervisão do médico, para se certificar de que não há nenhum erro que possa colocar a segurança dos pacientes em risco. Além disso, a inteligência artificial vem se mostrando bastante promissora na interpretação de exames, como eletrocardiogramas e exames de imagem, como raio-x, tomografia e ressonância.

Qual mensagem você poderia deixar para os jovens que pretendem seguir o caminho da medicina hoje? – Atualmente, a medicina passa por um cenário bastante diferente de alguns anos atrás, com um aumento expressivo no número de faculdades (que coloca até mesmo em xeque a qualidade do ensino, visto que grandes grupos passaram a ver a medicina, infelizmente, como oportunidade de negócios), vagas de residência cada vez mais concorridas – devido ao aumento do número de profissionais, e um mercado que está cada vez mais competitivo, pois há mais oferta de médicos que demanda, especialmente nas grandes cidades que estão com uma maior concentração de profissionais, ao passo que locais mais remotos – que necessitam de maior assistência, estão com uma carência de trabalhadores. Apesar disso, ainda vejo a medicina com muita admiração e acredito haver espaço para quem quer realmente realizar uma boa prática. Tenho a certeza de ter tomado a decisão certa.

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