Septicemia: pesquisa inédita revela papel crucial do nervo simpático na resposta imunológica da sepse

Maior causa de mortes hospitalares, a sepse é uma inflamação ineficaz que desafia os tratamentos tradicionais. Estudo abre caminho para terapias personalizadas e mais eficazes.
Foto: Pixabay
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), liderados pelo professor Alexandre Steiner, fizeram uma descoberta promissora que pode transformar o tratamento da sepse. O estudo revelou que o nervo simpático, especialmente sua ramificação conhecida como nervo esplâncnico maior, desempenha um papel fundamental na resposta imunológica. Essa ramificação regula seletivamente subgrupos de neutrófilos – células essenciais para a defesa do organismo, encarregadas de combater e eliminar patógenos durante infecções graves.
A descoberta é parte de um projeto temático iniciado em 2018 e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O estudo foi publicado na revista científica Brain, Behavior, and Immunity, de alto impacto na área interdisciplinar de Neurociência, Psicologia e Imunologia.
Nova fronteira – Experimentos com modelos animais demonstraram que o nervo esplâncnico maior regula de forma seletiva os neutrófilos. Essas células, a “primeira linha de defesa” do sistema imunológico, são responsáveis por atacar e destruir patógenos como bactérias e fungos.
Os testes mostraram que a interrupção da comunicação desse nervo aumentou significativamente a eficácia de um subgrupo de neutrófilos ativados, especialmente no peritônio e no baço. Além disso, a remoção do nervo reduziu a presença de neutrófilos quiescentes, que possuem características imunossupressoras, sem interferir em outras funções do sistema imunológico, como as desempenhadas pelos macrófagos. Estes, conhecidos como “zeladores” do organismo, ajudam a controlar a inflamação ao remover detritos celulares, entre outras funções.
Utilizando tecnologias avançadas, como o sequenciamento de RNA de célula única, os pesquisadores identificaram as mudanças específicas nas subpopulações de neutrófilos associadas à modulação pelo nervo esplâncnico. Esses achados ressaltam o potencial desse nervo como alvo para futuras terapias personalizadas no tratamento da sepse.
“Essa descoberta desafia o conceito tradicional de regulação generalizada pelo sistema nervoso. Mostramos que o nervo esplâncnico maior atua como um ‘potenciômetro’, ajustando de forma precisa a resposta imune no local da infecção. Isso pode abrir caminho para terapias personalizadas que maximizem a eficácia da resposta imune e minimizem danos colaterais”, explica o professor Steiner, coordenador do Laboratório de Neuroimunologia da Sepse do Departamento de Imunologia do ICB-USP.
Impactos futuros – Uma das implicações mais promissoras desse estudo é o uso da bioeletrônica para modular de forma localizada o nervo simpático e influenciar a resposta inflamatória. Contudo, desafios importantes permanecem, como a necessidade de desenvolver ferramentas rápidas para identificar os fenótipos específicos dos pacientes, algo essencial para personalizar os tratamentos.
“Hoje, exames como análises ômicas e expressão gênica levam semanas para serem concluídos, o que é incompatível com a dinâmica da sepse, que pode mudar drasticamente em poucas horas. Precisamos de métodos que forneçam resultados em tempo real, utilizando biomarcadores rápidos e sistemas automatizados de análise”, reforça Steiner.
Complexidade da sepse – A sepse ocorre quando a resposta imune se torna excessiva ou persistente mediante sua ineficácia em eliminar um patógeno, levando a danos colaterais que podem comprometer órgãos vitais e causar falência múltipla. É uma condição complexa, com sintomas variados como febre alta, hipotermia, confusão mental e queda de pressão arterial. Embora considerada uma síndrome única, a sepse apresenta diferentes padrões de resposta (fenótipos), que reagem de forma distinta às terapias, tornando seu tratamento um desafio clínico significativo.
Desde o início do projeto, a equipe liderada pelo professor Steiner tem avançado na compreensão da sepse. Entre os destaques, está a descoberta de um eixo de comunicação entre o baço e o fígado, mediado pelo leucotrieno B4 (LTB4). Essa molécula age como um mensageiro químico, ajudando o baço a enviar sinais ao fígado para regular a intensidade da inflamação, um mecanismo essencial para coordenar a resposta inflamatória sistêmica. Esses avanços culminaram na identificação do papel seletivo do nervo esplâncnico maior na modulação de respostas imunológicas específicas.
Para Steiner, “entender, assim, como órgãos diferentes interagem para controlar a inflamação sistêmica amplia nosso conhecimento sobre a sepse e pode abrir novas perspectivas para o tratamento de outras condições inflamatórias graves”.