Setembro Amarelo soma esforços na prevenção do suicídio

Autor de “Compreendendo o Suicídio”, alerta para a necessidade de ação permanente e para a influência das redes sociais
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Movimento em defesa da vida. Esse é o espírito do Setembro Amarelo, mês de conscientização sobre a prevenção do suicídio. Uma silenciosa epidemia de dor e sofrimento que acomete mais de 700 mil pessoas por ano no mundo. Considerando a subnotificação, a estimativa passa de 1 milhão de ocorrências. Números alarmantes que revelam uma realidade: mais pessoas morrem por suicídio do que em decorrência de guerras e homicídios ou de doenças como malária, câncer de mama e Aids. O mês de setembro é apenas um convite. A prevenção, como revelam as estatísticas, precisa acontecer o ano inteiro.
A mobilização de setembro tem origem comovente. Em 1994, nos Estados Unidos, um estudante de 17 anos, chamado Mike Emme, cometeu suicídio. A cor amarela foi escolhida em homenagem ao Mustang 68 que ele, com habilidades com mecânica, havia restaurado e pintado. No dia do velório, amigos e familiares distribuíram cartões decorados com fitas amarelas contendo a mensagem: “se você precisar, peça ajuda”. Desde então, o laço amarelo tornou-se símbolo mundial da luta contra o suicídio e a data 10 de setembro foi estabelecida como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e reforçado pela OMS.
Setembro Amarelo marca o calendário, mas a prevenção do suicídio não pode esperar. O cuidado precisa atravessar os 365 dias do ano. “Não basta pintar um mês de amarelo: a prevenção do suicídio precisa estar viva todos os dias. É um problema de saúde pública que pode e deve ser prevenido. No mundo, são cerca de 700 mil mortes por ano e aproximadamente 14 milhões de tentativas. No Brasil, isso representa em torno de 14 mil vidas perdidas e perto de 280 mil tentativas a cada ano. É um chamado a políticas contínuas, acesso real ao cuidado e acolhimento sem estigma — do primeiro ao último dia do ano”, defende o médico psiquiatra Rodolfo Damiano, de São Paulo/SP, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e autor de obras fundamentais sobre o assunto, como “Compreendendo o Suicídio e Cansei de Viver, e Agora?”.
No Brasil, o cenário é ainda mais preocupante. Segundo o Ministério da Saúde, o país tem a maior prevalência de depressão na América Latina, atingindo cerca de 15,5% da população. Indivíduos com depressão apresentam oito vezes mais chances de cometer suicídio. São cerca de 14 mil brasileiros que tiram a própria vida a cada ano, uma média devastadora de 38 mortes por dia. O país está na contramão das estatísticas globais, com um aumento de 57% na taxa de suicídios entre 2000 e 2019.
O fenômeno do suicídio é complexo e multifatorial. Entre os fatores de risco estão transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar, dependência de álcool e outras drogas, além de traumas e violências. No sexo feminino, o boletim do Ministério da Saúde aponta que transtornos alimentares, transtorno bipolar, estresse pós-traumático e problemas de relacionamento interpessoal aparecem com frequência. Entre homens, destacam-se sentimentos de desesperança, separação parental e influência de comportamentos suicidas dos pares.
A prevenção vai muito além do tratamento de transtornos mentais. Para Rodolfo Damiano, “precisamos falar também sobre o que protege e fortalece: vínculos afetivos genuínos, senso de propósito, momentos de alegria e realização, conexões sociais significativas. Nem todo paciente com transtorno mental desenvolverá comportamento suicida, assim como pessoas sem diagnóstico psiquiátrico podem estar em risco”.
De acordo com o médico psiquiatra, “o que faz a diferença muitas vezes são os fatores protetivos — ter alguém com quem contar, sentir-se útil e valorizado, cultivar esperança, encontrar significado mesmo em meio às dificuldades”. A construção de resiliência emocional, o desenvolvimento de habilidades para lidar com frustrações e a presença de uma rede de apoio são elementos fundamentais que podem fazer a diferença entre o desespero e a superação, acrescenta.
Redes sociais – O ambiente digital emerge também como fator de risco crescente para pensamentos e comportamentos suicidas. O Brasil está entre os países com maior tempo médio diário nas redes sociais e 93% dos adolescentes brasileiros estão conectados a essas plataformas. Não se trata apenas de “tempo de tela”: padrões de uso aditivo e exposição a conteúdos nocivos afetam o sono, a autoimagem e a regulação emocional, ampliando a vulnerabilidade em cérebros ainda em desenvolvimento. “A sobrecarga de estímulos digitais interfere na regulação natural dos neurotransmissores dos adolescentes. Estudos demonstram que trajetórias de uso aditivo de redes sociais e celulares — especialmente aquelas que se intensificam a partir dos 11 anos — mais que dobram o risco de comportamentos suicidas. Os algoritmos foram programados para maximizar engajamento e acabam explorando vulnerabilidades psicológicas preexistentes em personalidades em formação, especialmente adolescentes em busca de aceitação e pertencimento social”, alerta Damiano, que é também pesquisador e professor do programa de pós-graduação do Instituto de Psiquiatria da USP, onde coordena o ambulatório de Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade.
Por diversas razões históricas, culturais e até religiosas, o suicídio foi tratado ao longo dos tempos como algo a ser escondido, uma vergonha e até um crime. Na Grécia Antiga, era visto como rebelião contra os deuses. No século XVII, na França, havia julgamentos para o “autoassassinato”. Ainda hoje, o tema é cercado por tabu e estigma. Mas o suicídio pode ser prevenido — e a prevenção não se resume apenas a identificar e tratar doenças. “Prevenir significa também promover o que há de melhor em nós: fortalecer laços de amizade e amor, cultivar gratidão, celebrar pequenas vitórias, encontrar beleza no cotidiano, desenvolver compaixão por si mesmo e pelos outros. São essas experiências positivas que constroem nossa reserva emocional para os momentos difíceis”, ressalta Damiano.
Nesse sentido, é preciso estar atento aos sinais de alerta e investir ativamente no que gera bem-estar: reduzir barreiras de acesso não apenas a tratamentos, mas, também, a experiências significativas; qualificar a comunicação nas redes para que seja fonte de inspiração e não só de comparação; fortalecer vínculos autênticos na família, escola e comunidade; formar profissionais que enxerguem o ser humano integral, não apenas seus sintomas; e garantir políticas públicas que promovam qualidade de vida, não apenas campanhas sazonais. De tratamentos medicamentosos e psicoterápicos até mudanças no estilo de vida que incluam exercícios, arte, espiritualidade e conexão com a natureza, muito pode ser feito. O silêncio é o maior inimigo da prevenção e a esperança, sua maior aliada.
Se você ou alguém próximo estiver em sofrimento, procure ajuda: Centro de Valorização da Vida (CVV): 188 (24 horas, ligação gratuita), serviços de emergência: SAMU (192) e Bombeiros (193).