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Uma análise sobre a saúde mental da criança e do adolescente no pós-pandemia

Dra. Gesika Amorim:  “são crianças que não tiveram infância, sem acesso a nossa realidade antes da pandemia e os adolescentes ficaram dois anos em casa, em uma fase em que a socialização é muito importante”

Mais do que nunca, hoje se faz necessário um debate profundo sobre os impactos negativos que a pandemia já causou, vem causando e as consequências que ainda virão, relacionadas principalmente à saúde mental da população mais jovem.

O impacto negativo para a saúde mental das crianças e adolescentes é também por causa da quebra de rotina e a vida social das escolas, pela experiência do isolamento social e/ou pela perda de familiares, além da dificuldade do acesso à assistência e tratamento da saúde mental, com o fechamento e a paralização dos serviços de saúde, restando apenas o atendimento virtual.

Segundo a Dra. Gesika Amorim, Mestre em Educação Médica, Pediatra pós-graduada em Neurologia e Psiquiatria, com especialização em Tratamento Integral do Autismo, Saúde Mental e Neurodesenvolvimento, ”crianças entre 2 e 4 anos de idade perderam, praticamente, dois anos do início de suas vidas, são crianças que não conviveram em sociedade, não sabem brincar com outras crianças, não conviveram em família e, em muitas situações, não aprenderam a cumprir regras e ordens. São crianças que não tiveram infância, sem acesso a nossa realidade antes da pandemia. Elas conhecem uma realidade completamente anômala, principalmente aquelas crianças que vivem fechadas em apartamentos. O impacto tem acontecido também com a volta às aulas, quando essas crianças são vistas de fora, pelos professores e por outras pessoas. E esse é um outro momento, um novo capítulo e, certamente, haverá, como já temos visto, uma explosão de diagnósticos de transtornos de neuro desenvolvimento, algo que já vínhamos falando tempos atrás”.

Com um evento tão adverso em uma escala global, sendo ainda considerada um fator de estresse e violência, a pandemia quebrou o ciclo do desenvolvimento das crianças, seja através de alterações na arquitetura cerebral, alterações imunológicas e hormonais.

Ainda sobre os impactos negativos, consideramos o estresse parental e social que pode prejudicar o crescimento e desenvolvimento da criança; o estrese crônico vai comprometer o desenvolvimento. Com relação aos jovens e jovens adultos, também temos que levar em conta o aumento dos casos de suicídio.

“Os adolescentes, na faixa de 12 a 16 anos de idade, ficaram dois anos em casa, em uma fase em que a socialização é muito importante na formação de tribos e grupos, e isso não aconteceu. Esses adolescentes ficaram dentro de casa convivendo online, no mundo virtual. A consequência é que agora temos uma juventude que não sabe lidar com o embate, não trabalhar o emocional. Estamos tendo um ‘boom’ de adolescentes com transtornos comportamentais, transtornos de humor e quadros depressivos, isso porque não conhecem as emoções ruins e também não sabem viver em sociedade”, diz a Dra. Gesika Amorim, ao acrescentar que “no meu trabalho tenho visto uma quantidade muito grande de meninos e crianças com quadros de automutilação, com transtornos depressivos e tentativas de suicídio. Isso porque qualquer negativa, qualquer falta de sucesso na vida real é uma experiência extremamente dolorosa para eles. São crianças que ficaram dois anos dentro de casa e desaprenderam, ou perderam, uma fase de grande aquisição e desenvolvimento da própria cidadania, por isso elas não sabem lidar com o mundo real, não foram preparadas, não sabem nem ao menos nomear o que estão sentindo”, destaca a especialista.

Solução e desafios –  Para a Dra. Gesika Amorim, o acesso ao atendimento e ao tratamento com qualidade deve ser prioridade para que a situação da saúde mental em nosso país seja de fato transformada. Ela vem constantemente repetindo isso desde o início da pandemia a toda imprensa:  “o tratamento precisa vir à público, tornar-se mais acessível a todos”.

Outro ponto importante “é o tratamento de transtornos mentais para a prevenção do suicídio, pois falar apenas, não resolve. Os jovens não procuram tratamento. Eles não têm nenhuma iniciativa. Eles só procuram quando veem que um outro jovem da mesma turma, algum amigo, conhecido, que tenha alguma identificação, procurou por algum tratamento”, explica, observando ainda que, “em primeiro lugar, precisamos nos adaptar ao novo, a essa nova realidade que se apresentou para todos nós. E precisamos ensinar aos jovens a reconhecer as próprias emoções. Precisamos ensinar aos pais a serem pais, porque hoje eles se encontram perdidos. Diferentes de nós, que aprendemos a enfrentar as dificuldades e a viver a nossa verdade e liberdade, as novas gerações não sabem lidar com a adversidade, não aprenderam a lutar. Uma geração que não sofreu e, de repente, perdeu tudo o que tinha. Seu mundo deixou de ser cor de rosa. Outra coisa importante é a quebra do preconceito. É preciso trazer a discussão para a mídia, discutir o adoecimento que esses jovens estão passando. Enfim, precisamos também vencer as barreiras do preconceito do tratamento de saúde mental”, finaliza a médica.

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