Avanços na medicina reprodutiva oferecem alternativas para mulheres que desejam engravidar após o tratamento oncológico

“A criopreservação dos óvulos antes do início do tratamento é fundamental para oferecer à paciente uma alternativa viável para a gravidez no futuro”
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O diagnóstico de câncer traz desafios significativos, principalmente para mulheres que desejam ser mães. Mas, graças aos avanços da medicina reprodutiva, a maternidade ainda pode ser uma realidade para muitas que passam pelo tratamento oncológico. Isso porque, embora quimioterapia e radioterapia possam comprometer a função ovariana, técnicas como o congelamento de óvulos oferecem uma oportunidade para preservar a fertilidade e permitir que o sonho da gravidez se realize no futuro.
A quimioterapia e a radioterapia, amplamente utilizadas no combate ao câncer, podem causar efeitos colaterais severos sobre os ovários. De acordo com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), cerca de 50% das pacientes em idade fértil submetidas à quimioterapia correm o risco de infertilidade permanente. “A fertilidade feminina está diretamente ligada à reserva ovariana, que diminui com a idade. No entanto, quando submetida às drogas quimioterápicas, essa reserva pode ser comprometida de forma irreversível. Por isso, a criopreservação dos óvulos antes do início do tratamento é fundamental para oferecer à paciente uma alternativa viável para a gravidez no futuro”, explica a Dra. Maria Cecília Erthal, especialista em reprodução assistida do Vida Centro de Fertilidade, unidade do Fertgroup/ Rio de Janeiro/RJ.
Como funciona o procedimento – O congelamento de óvulos é um procedimento que envolve a estimulação ovariana por meio de hormônios, induzindo a produção de múltiplos folículos, que são as estruturas que contém os óvulos. “Existem protocolos específicos de medicações para esse tipo de estimulação na paciente oncológica, que não interferem na evolução da doença, o que oferece tranquilidade ao oncologista em relação ao prognóstico da paciente. Os óvulos são coletados através da punção ovariana e, em seguida, congelados em temperaturas extremamente baixas, em um processo chamado vitrificação. O ideal é que esse procedimento seja realizado antes do início do tratamento oncológico, garantindo a preservação de uma quantidade maior de óvulos de melhor qualidade”, orienta a especialista.
A taxa de sucesso está diretamente relacionada à idade da paciente no momento da coleta. Segundo a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), mulheres mais jovens podem ter uma taxa de sucesso de até 60% na concepção utilizando óvulos congelados, enquanto essa probabilidade reduz progressivamente com o avanço da idade.
Congelamento de óvulos não atrasa o tratamento oncológico – Um dos mitos mais recorrentes sobre o procedimento é a crença de que o procedimento pode atrasar o início do tratamento contra o câncer, comprometendo as chances de sucesso da terapia oncológica. No entanto, essa informação não procede. Quando bem planejado, o processo de preservação da fertilidade pode ser realizado com segurança e sem impacto no tratamento da paciente.
O congelamento de óvulos é um procedimento relativamente rápido, geralmente concluído em cerca de duas semanas. Esse tempo é suficiente para a estimulação ovariana e a coleta dos óvulos, sem comprometer a eficácia da quimioterapia ou radioterapia. Além disso, os oncologistas e especialistas em reprodução assistida trabalham em conjunto para garantir que o planejamento seja feito de forma individualizada, levando em consideração a urgência de cada caso.
De acordo com Erthal, essa abordagem não compromete a resposta ao tratamento oncológico. “Pelo contrário, a preservação da fertilidade pode trazer um impacto positivo na qualidade de vida da paciente, permitindo que ela mantenha o sonho da maternidade. O impacto emocional de saber que o oncologista está abordando esse tema porque acredita na cura é inquestionável. Além disso, a preservação da fertilidade pode contribuir para uma melhor adesão ao tratamento contra o câncer. O congelamento de óvulos não deve ser encarado como um obstáculo, mas, sim, como um direito e uma alternativa viável para quem deseja manter a possibilidade de engravidar no futuro”.
Desafios de acesso – Apesar da eficácia do procedimento, muitas mulheres ainda enfrentam barreiras para acessá-lo. Uma pesquisa publicada no Journal of Clinical Oncology revelou que apenas metade dos jovens adultos diagnosticados com câncer recebem orientação sobre preservação da fertilidade antes de iniciar o tratamento. No Brasil, a situação se agrava devido à falta de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, tornando o procedimento um desafio financeiro para muitas pacientes. Entretanto, avanços legislativos começam a mudar esse cenário. Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que operadoras de planos de saúde devem custear a criopreservação de pacientes oncológicas até o fim do tratamento de quimioterapia. “Essa decisão representa um importante passo na garantia do direito das mulheres que enfrentam o câncer, permitindo que mais pacientes tenham acesso à preservação da fertilidade sem um impacto financeiro tão significativo”, destaca a médica.
A importância da informação no momento do diagnóstico – A jornada de uma paciente com câncer envolve desafios não apenas relacionados ao tratamento da doença, abrangendo também a preservação da qualidade de vida após a recuperação. Entre as preocupações que podem surgir, a fertilidade deve ser um tema central nas consultas iniciais, permitindo que se tenha conhecimento sobre as opções antes do início da quimioterapia ou radioterapia. “A preservação da fertilidade deve ser abordada logo no diagnóstico. Muitas pacientes sequer sabem que essa possibilidade existe, e é nosso papel como médicos garantir que todas as alternativas sejam apresentadas”, enfatiza a especialista, ao reafirmar que “hoje, vencer o câncer não significa abrir mão do desejo de ser mãe — e essa é uma conquista que merece ser celebrada”.