Implante hormonal e farmácia magistral: da desinformação aos fatos
Por: Dr. Walter A. P. Pace, Titular da Academia Mineira de Medicina; Professor Doutor; Coordenador Geral da Pós-Graduação de Ginecologia Minimamente Invasiva da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; Mestrado em Reprodução Humana pela Universidade Paris (França); Doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Como médico ginecologista que atua na especialidade da endocrinologia ginecológica e reprodutiva há mais de 40 anos, dos quais mais de 25 com prescrição de terapia hormonal por meio do uso dos implantes subcutâneos para administração de substâncias formuladas em concentrações específicas pela farmácia magistral, recebo com tristeza e indignação mais uma série de ataques de sociedades de especialidades médicas brasileiras sobre os resultados clínicos desse tratamento que, ao longo dos últimos 60 anos, tem se mostrado eficaz na anticoncepção, no controle e tratamento de doenças hormônio dependentes como endometriose e miomatose, entre outras, e, ainda, no tratamento dos desequilíbrios hormonais, como na menopausa.
Apelam para casos que deram errado – e que chegam ao meu consultório em busca de alguma solução possível – para impulsionar uma campanha de desinformação pública que visa influenciar as mulheres, os médicos e as autoridades a fim de inibir o uso de implantes subcutâneos como via de administração hormonal.
No entanto, esquecem que todas as vias de administração disponíveis (oral, sublingual, injetável, dermatológica, nasal, oftálmica e retal, entre outras) apresentam graus de risco e de contraindicações/efeitos colaterais para a saúde humana, principalmente quando usadas sem o devido cuidado e responsabilidade, por profissionais não qualificados ou por “aventureiros”.
A atuação pioneira do médico ginecologista, endocrinologista, cientista e professor Dr. Elsimar Coutinho, um dos maiores da ginecologia brasileira e mundial e responsável, entre outros legados, pelos primeiros estudos e publicações científicas sobre o uso de implantes subcutâneos para administração de hormônios em renomadas revistas médicas mundiais, na década de 1960, é um ponto inequívoco da eficácia desse procedimento.
Assim, qualquer tentativa de ventilar que não há estudos a respeito beira a crueldade. Ao longo de seis décadas, esse tema tem ocupado páginas das mais conceituadas revistas e publicações médicas do mundo e espaço na programação de congressos e simpósios.
Para não fugir da tradição, este ano temos mais um novo estudo, no Pharmacelticals. Podemos falar, também, sobre os diversos ensaios clínicos em humanos já realizados e que permitiram medir concentrações e analisar prescrições e resultados.
Especificamente a pesquisa e o emprego da Gestrinona, amplamente comprovada para controle e tratamento de endometriose e outras doenças estrógeno dependentes, acaba de completar 50 anos, o que por si só, coloca em xeque qualquer questionamento sobre sua aplicação.
Outra alegação é que os compostos formulados pela farmácia magistral não apresentam bula. Ora, por mais que tente, não entendo os motivos de tamanha desinformação! Isso nunca foi exigido para qualquer emprego dos produtos manipulados pelos órgãos competentes, e em nada compromete a efetividade dos compostos.
Dizer que não há aprovação da Anvisa é outra grande inverdade. Historicamente, a Agência é considerada uma das mais sérias do mundo, pelo compromisso com a qualidade da saúde da população brasileira. Assim, a Resolução da Anvisa RDC nº 734/2022, que atualiza a Portaria SUS/MS nº 334 de 12/05/1998, inclui a gestrinona na lista C5 e ratifica o caráter oficial desse hormônio junto à Agência.
Também, o Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução CFM Nº 2.333, de 30/03/2023, ratifica a Resolução CFM nº 1999, de 2012, ao definir que a administração externa de substâncias que são ou deveriam ser produzidas pelas glândulas do organismo atende a requisitos bem estabelecidos, como carência ou excesso, e que podem ser detectados durante a consulta clínica e atestados por exames laboratoriais específicos. Em suma, não são os hormônios que fazem mal, mas a sua prescrição equivocada ou excessiva no organismo.
No meio desse turbilhão de argumentos que visam à desinformação há um aspecto bastante claro: a tentativa incessante de desacreditar um tratamento médico que oferece atendimento personalizado para mulheres, o que está em consonância com o presente e o futuro da Medicina, quando o foco será o atendimento das necessidades de cada indivíduo. Até quando?