Como ficam as relações conjugais/sexuais em tempos de pandemia?
A sexóloga Walkiria Fernandes: “as insatisfações sexuais de cada um, a partir do momento em que o casal passa mais tempo junto, afloram”
O amor! Ah, o amor! Será que ele resiste a tudo? Principalmente nos tempos atuais, uma relação amorosa resiste à pandemia, ao lockdown, a um relacionamento entre quatro paredes? Para saber o quanto o isolamento social tem mexido com a vida de todos e, principalmente, dos casais jovens, idosos e adolescentes, o Portal Medicina e Saúde entrevistou a sexóloga e palestrante Walkíria Fernandes | Belo Horizonte – Minas Gerais.
Ela tem mais de 30 anos de experiência neste campo. É pós-graduada em Sexualidade Humana e especializada no atendimento do indivíduo ou do casal com queixas no relacionamento sexual, utilizando a abordagem da Terapia Cognitivo-Comportamental. Ela é também graduada em Psicologia Clínica, Pós-Graduada em Sexualidade Humana e tem vários cursos em seu currículo específicos sobre Terapia Sexual, Terapia Breve, Terapia Cognitivo-Comportamental, para o diagnóstico e tratamento dos problemas sexuais.
Por que a pandemia / isolamento social está mexendo tanto com a vida dos casais? Como isto está acontecendo?
Antes do isolamento social, nossas vidas eram ocupadas com as tarefas e rotinas relacionadas ao trabalho, escola dos filhos e várias outras atividades que preenchiam os nossos dias. Com o isolamento, as famílias de modo geral, e, especificamente os casais, tiveram que restringir ao máximo as atividades fora de casa. Muitos deles passaram a exercer o trabalho, no sistema de home office, aumentando, assim, o seu tempo de convivência.
Nos relacionamentos conjugais, a convivência de praticamente 24 horas por dia, não era comum, nem mesmo no início do casamento. Quando havia atritos que causavam sensações de tristeza, frustração e de insatisfação, através dos desabafos, dos encontros com os amigos e de atividades de lazer, tais sensações eram amenizadas e acabavam sendo relevadas, já que cada um se entretinha com outras coisas.
Com a convivência mais estreita em função do isolamento, essas sensações deixaram de ser amenizadas por outros meios, levando a um acúmulo e incômodo muito maior, prejudicando cada vez mais o relacionamento conjugal.
A maneira pela qual o casal vai lidar com as consequências positivas ou negativas que vêm à tona com a convivência diária mais estreita, em função do isolamento social, vai depender do que já existia no relacionamento conjugal. Vou dar um exemplo de uma situação que o autor de um livro, que li há algum tempo, deu quando falava sobre como os casais lidam um com o outro em situações de conflito. Infelizmente não me lembro mais o nome do livro!
“Em uma manhã, quando uma mulher tomava o seu café, ao passar por trás dela para se sentar à mesa, seu marido esbarrou no cotovelo dela no momento em que estava levando a xícara de café à boca, fazendo entornar o café.”
Aí o autor faz uma pergunta ao leitor: “Por que você acha que entornou café”? Provavelmente o leitor responderia: “Por que ele esbarrou nela”. Aí o autor explica: “Entornou café porque era o que tinha na xícara. Se tivesse leite, teria entornado leite; se tivesse chá, teria entornado chá.”
Isso mostra que, em situações de conflito, cada indivíduo e cada casal deixam sair de dentro de si e da relação conjugal aquilo que já existia. Relacionamentos hostis ou com pouca identificação entre os parceiros em ralação à maneira de pensar e de agir, acabam sofrendo mais pois a convivência maior acaba exacerbando o que tem de negativo na relação conjugal. Desta maneira, o que “entorna“, são as coisas negativas, e isso afeta mais ao casal.
Como nos relacionamentos onde existem afetos e identificação entre o casal, sendo assim consideradas coisas mais positivas, é justamente isso o que vai ”entornar” em situações de conflitos. Isso costuma melhorar cada vez mais a relação conjugal.
Nesta nova realidade imposta pela corona vírus, tem ocorrido mais separações do que uniões?
Segundo o Colégio Notarial do Brasil, órgão que unifica todos os dados notarias do país, houve um aumento de 18,7% de assinaturas de divórcio nos meses de maio e junho de 2020.
Como os casais estão vivendo essa situação … podemos dizer de saturação?
Alguns tiveram que se adaptar a uma nova divisão das tarefas domésticas, na medida em que trabalham em casa e cuidam das crianças. Para alguns deles, foi instalado um verdadeiro caos, passando a brigar pelas mínimas coisas, têm menos tolerância e estão mais irritáveis. Desta forma, passaram a sentir que o relacionamento estaria chegando ao fim.
Outros passaram a sentir que estavam aproveitando o maior tempo juntos, para fazerem tudo o que gostavam e que antes não tinham tempo. Com isso, houve uma reaproximação e melhora no relacionamento.
O lockdown passou a descortinar, a tirar a máscara que encobria as verdades da relação conjugal.
Nesse processo, o que deve ser aprendido?
Querendo ou não, os casais estão sofrendo as consequências negativas ou positivas do isolamento. O que estão aprendendo vai depender dos valores e da personalidade de cada um e do tipo de relacionamento existente.
Para todos os tipos de relacionamento (em crise, ou não) é importante organizar-se para conseguir conciliar as atividades do home office com as atividades e interesses pessoais, ocupando de forma produtiva e prazerosa o tempo de cada um. Ter o espaço pessoal dentro da relação conjugal, é sempre fundamental. Manter o interesse próprio e fazer aquilo que gosta, sem necessariamente ter que incluir o outro. Fazer atividades físicas para quem gosta, ler um livro, organizar as coisas pessoais e da casa, são exemplos de como ocupar o tempo de forma construtiva, ainda que o parceiro não faça parte desses momentos. Assim, o dia a dia de cada um é vivido sem muito tédio ou estresse.
Outra questão importante é ter um equilíbrio emocional e capacidade de ter um bom diálogo, para que as arestas e adversidades existentes possam ser levantadas e resolvidas, buscando uma melhoria no relacionamento. Aproveitar os momentos juntos para conversar sobre aquilo que causa insatisfação em cada um, com o intuito não de criticar e, sim, de melhorar o relacionamento.
Caso o casal não consiga se entender e chega à conclusão de que o rompimento parece mais viável, é importante ter um bom entendimento para que cada um possa seguir o seu caminho para se sentir mais feliz, ou procurar um profissional para tentarem uma reconciliação.
E o sexo piorou, melhorou ou acabou nesses novos tempos?
Os casais que já tinham um bom relacionamento conjugal e sexual estão se curtindo mais, já que agora dispõem de mais tempo para um sexo mais tranquilo e sem a correria do dia a dia. Podem curtir o aconchego pós sexo, sem a preocupação de terem que dormir logo, para não perderem a hora na manhã seguinte.
Já aqueles que estavam sob a máscara da verdade e que com o lockdown , as diferenças e incompatibilidades sexuais vieram à tona, estão sofrendo mais. As insatisfações sexuais de cada um, a partir do momento em que o casal passa mais tempo junto, afloram.
O sexo é o termômetro da vida de um casal? Isto vale também para casais homoafetivos?
Tudo o que foi dito anteriormente se enquadra em todas as relações, independente da orientação sexual das pessoas. Ter uma vida sexual prazerosa, nos dá uma melhor qualidade de vida, nos deixando mais felizes e tranquilos.
Algumas pessoas perguntam qual é a porcentagem de importância que o sexo tem dentro de um relacionamento. Isso é relativo, pois vai depender de uma série de fatores como, faixa etária do casal, da rotina de cada um, da demanda sexual de cada pessoa, do tipo de relacionamento conjugal, se o casal se relaciona com mais afeto ou mais desafetos, dentre outros.
O quê de bom resultará disso tudo?
Isso também vai depender de como o casal lida com todos os reflexos e consequências do isolamento social e da maior convivência conjugal.
Para alguns, pode resultar em uma separação ou em um divórcio; para outros, em uma melhora da relação, proporcionando maior intimidade entre o casal.
Enfim, sexo e pandemia: esta combinação é explosiva?
Resumindo tudo o que foi explicado anteriormente, pode tanto causar uma explosão positiva, quando o que existe na relação são afetos e outros sentimentos bons, quanto uma verdadeira bomba, quando existem desafetos, hostilidades, incompatibilidades, disputas etc., sendo, assim, uma explosão negativa.
Tudo vai depender do que está “dentro da xícara de cada relacionamento”, pois o que está dentro é que será entornado.
E a sexualidade de idosos em tempo de pandemia e fora da pandemia? Idosos de hoje não são os idosos de tempos atrás, não é mesmo?
Com certeza, não. As pessoas idosas de hoje, em grande parte, procuram ter uma vida mais ativa, praticam algum tipo de atividade física, buscam algum tipo de convívio social, ocupam o tempo de maneira mais produtiva e mantém uma vida sexual, de certa forma mais ativa do que os idosos de décadas atrás.
Com a pandemia e com o isolamento social, consequente, passaram a ficar com a vida mais restrita também. No entanto, quando a pessoa teve e ainda tem o hábito de se cuidar, de ter uma atividade mental para exercitar o cérebro, assim como o corpo, cuidando dos seus interesses pessoais, buscando ser uma pessoa mais “antenada”, apesar da idade, ela pode manter uma qualidade de vida que possa deixá-la bem.
Quando a pessoa apresenta morbidades, ansiedade e depressão e não tem um relacionamento bom com o (a) parceiro (a), tudo fica pior nesse momento.
Resta lembrar que a idade, por si só, não dessexualiza ninguém. Quando o casal se encontra em uma idade mais avançada, a vida conjugal se estrutura muito mais no companheirismo e no afeto do que no sexo propriamente dito. O mesmo vale quando o casal está há muito tempo no casamento e ambos já estão aposentados e acostumados com a maior convivência com o (a) parceiro(a). Desta forma, com o isolamento, podem não sentir tanta diferença assim.
O que fazer então?
É importante que cada casal observe quais os reflexos da pandemia e do isolamento social em sua relação conjugal. Devem Identificar o que está causando os conflitos e procurar ter um diálogo em busca de uma melhoria do relacionamento. Quando o casal tem dificuldades de fazer isso, torna-se importante buscar ajuda de uma terapia de casal para que isso possa ser feito.
Serviço:
Walkíria Fernandes – Psicóloga, sexóloga e terapeuta de casais – Belo Horizonte/MG
Fone: (31) 99223-9090 | Instagram: @casalcompimenta
Site: www.sexologawalkiriafernandes.com | www.doctoralia.com.br